Audiência pública realizada pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul nesta quarta-feira (16/3) à noite, em Porto Alegre, aprovou a instituição de uma Frente Parlamentar para dar continuidade ao debate sobre o projeto de revitalização do Cais Mauá. O processo de licitação e a forma como a obra está sendo conduzida e executada são alvo de polêmica. O objetivo é seguir discutindo os impactos ambientais e a conformidade com a legislação ambiental e urbanística da capital gaúcha.
O debate lotou o Teatro Dante Barone, que tem capacidade para 576 pessoas. “Todos somos favoráveis e todos queremos a revitalização do Cais Mauá. Todos queremos que Porto Alegre e o povo gaúcho possa retomar, de forma qualificada, suas relações com seu rio e sua história”, disse o deputado Tarcísio Zimmermann, um dos proponentes da audiência pública, destacando que a palavra revitalização não tem o mesmo significado para todos. Considerando a mobilidade urbana, a manutenção do patrimônio público e do meio ambiente, os participantes questionam a construção de shopping center, torres comerciais e estacionamento.
As entidades que participaram da audiência pública criticaram, ainda, a posição da Prefeitura de Porto Alegre, que estaria se colocando ao lado dos empreendedores e não da população. Apesar de terem sido convidados pela Comissão, Prefeitura e a empresa Cais Mauá não enviaram representantes para a audiência pública.
“Nos parece um equívoco grave do ponto de vista urbanístico, pois irá congestionar uma área que já é congestionada atualmente e estimular o deslocamento para o local com carro”, enfatizou o presidente do IAB-RS, Tiago Holzmann da Silva. Ele criticou a falta de um projeto de integração do futuro empreendimento com a área do entorno e citou supostas irregularidades na execução do contrato por parte do consórcio vencedor, que não teria comprovado sua capacidade de investimento e modificado sua composição acionária, o que contrariaria a legislação das licitações.
O Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande do Sul (Saergs) está acompanhando a discussão e, representado pela presidente Andréa dos Santos, também participou da audiência pública. Com a criação da Frente Parlamentar, a expectativa do Saergs é que todas as dúvidas e questionamentos levantados possam ser esclarecidos. O Saergs não é contrário à obra de revitalização, mas sim prima pela transparência do processo, pela qualidade do projeto e pelo correto uso de áreas públicas.
A representante do Cais Mauá para Todos, Kátia Suman, disse que o movimento não é contra as parcerias público-privadas, mas que elas precisam atender ao interesse público e não apenas ao interesse privado, o que seria o caso do projeto em questão. “Esse projeto não dialoga com o centro da cidade, ele está de costas para o centro da cidade”, afirmou, lembrando que o modelo utilizado para a criação do empreendimento está ultrapassado, pois irá trazer mais 30 mil carros para o centro da cidade, o que, além de dificultar a mobilidade urbana, contribui para a poluição atmosférica e sonora.
O representante da Associação Comunitária do Centro Histórico, Paulo Guarnieri, reclamou que o impacto que o empreendimento terá no bairro não foi avaliado. Segundo ele, a matriz do Centro Histórico está baseada na hotelaria, gastronomia, escritórios e comércio de rua. “O projeto de privatização do Cais Mauá fará concorrência desleal com os negócios do Centro Histórico e promoverá um sucateamento maior ainda do bairro”, ressaltou. Ainda alertou sobre o aumento do número de veículos circulando e congestionando o bairro por conta do empreendimento.
O conselheiro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Caio Lustosa, criticou a forma como o processo vem sendo conduzido, desde a elaboração do edital de licitação, que teria feito com que apenas um consórcio participasse do processo, além das mudanças sucessivas que o projeto inicial teve. “Hoje o que se pretende não é bem a revitalização, é a canibalização do Cais do Porto”, declarou. Citou o parecer do Tribunal de Contas do Estado, que mostraria uma série de supostas irregularidades no processo.
Pelo movimento A Cidade que Queremos, Sílvio Jardim criticou a postura do Poder Público em “manter em andamento um projeto faraônico e anacrônico”. Também falou de cláusulas do contrato que estariam sendo descumpridas, como a capacidade financeira do consórcio de desenvolver o projeto, além da mudança acionária realizada após a assinatura do contrato, o que estaria em desacordo com a lei das licitações.
Poder Público
O secretário estadual adjunto dos Transportes, Vanderlan Frank Carvalho, esclareceu o papel do Estado em relação ao projeto. Segundo ele, ao Estado do Rio Grande do Sul, por meio da Superintendência de Portos e Hidrovias, cabe apenas a fiscalização do contrato. A partir dos apontamentos do Tribunal de Contas do Estado, foi criado um grupo de trabalho multidisciplinar, composto por representantes de várias secretarias, para fazer um diagnóstico da execução contratual. O trabalho resultou em um relatório, que foi apresentado oficialmente nesta terça-feira (15) e entregue à Comissão de Saúde no final da audiência. O objetivo, segundo Carvalho, é que o documento sirva de base para análise dos órgãos de controle. Ele garantiu, ainda, que o grupo continuará trabalhando.
Os representantes do Ministério Público do Estado, a promotora de Justiça Ana Maria Moreira Marchesan, e do Ministério Público de Contas do Estado, o auditor Roberto Ponce, relataram as ações que estão sendo realizadas pelas instituições em relação ao projeto Cais Mauá. No Tribunal de Contas, há uma inspeção especial de acompanhamento e, no MP, há três inquéritos em andamento nas promotorias de Defesa do Patrimônio Público, de Defesa de Habitação e da Ordem Urbanística e de Defesa do Meio Ambiente. Eles também salientaram a importância da audiência pública como forma de colher elementos para contribuir com seus trabalhos. “Gostaria de parabenizar a comunidade porto-alegrense por se preocupar com uma área tão relevante para a cidade”, disse a promotora.