Sugestões para o debate sobre a formação do arquiteto e urbanista, bem como os desafios e perspectivas para a atuação no mercado serão levadas para o Seminário Nacional “O futuro da Profissão do Arquiteto e Urbanista” a ser realizado nos dias 16 e 17 de novembro, em Porto Alegre (RS). Os temas que devem nortear as discussões no evento foram abordados em cinco oficinas preparatórias realizadas nos dias 16, 17 e 30 de setembro, no Memorial Luiz Carlos Prestes, na capital gaúcha. As atividades foram promovidas pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) e Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande do Sul (SAERGS) com patrocínio do CAU/RS e envolveram profissionais com larga experiência na área.

 

A primeira oficina, Formação do Arquiteto e Urbanista, realizada na tarde de sexta-feira (16/09) com mediação da arquiteta e urbanista Andréa dos Santos, abordou a necessidade de se conhecer mais a fundo quem são e o que fazem os novos arquitetos e urbanistas brasileiros. Esse foi apontado como um dos primeiros passos para começar a se repensar as diretrizes acadêmicas e a formação que vem sendo oferecida pelas faculdades existentes no país. A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Elena Salvatori foi uma das painelistas. Ela criticou a composição dos cursos uma vez que ainda formam profissionais com vista a um perfil ultrapassado e pontuou que é preciso ver a Arquitetura como uma profissão moderna. “O que é mesmo que os nossos arquitetos estão fazendo? De que eles se queixam sobre a profissão? Que cursos buscam na hora de uma pós-graduação?”, questionou, incitando os profissionais a repensar os conceitos pré-determinados sobre a profissão. O painel ainda contou com intervenção do arquiteto e urbanista Ivan Mizoguchi.

 

Na segunda oficina, Projetar e Fazer, realizada na manhã de sábado (17/09), a necessidade dos profissionais trabalharem com uma ótica mais colaborativa e voltada à coletividade foi a tônica central das discussões. A arquiteta e urbanista Flávia Bastiani pontuou a importância de um trabalho colaborativo, que integra mais os profissionais com seus colegas e faça-os pensar na profissão menos com o olhar individualista de artista e mais como um trabalho.

 

A importância da coletividade também foi manifestada por Camila Thiesen, jovem arquiteta de Porto Alegre com perfil empreendedor. Ela defendeu parcerias para viabilizar aos novos escritórios acesso a grandes projetos e ressaltou a interação que ocorre nesses ambientes de uso comum. O caminho, segundo ela, é a realização de concursos que permitam uma análise criteriosa das propostas e não apenas uma escolha por portfólios. Sobre o futuro da profissão, ela acredita que esteja ligado a projetos de coautoria.

 

O arquiteto e urbanista Luiz Merino Xavier, do alto de seus 27 anos de serviço público, observou o privilégio dado a quem trabalha com patrimônio, destacando que a maioria dos colegas do serviço público se vê engessada em Planos Diretores que poderiam ser melhor trabalhados. Entusiasta da carreira, ele propôs um modelo de gestão que fatie e repense as cidades com base em um olhar coletivo das diferentes zonas. Sugeriu ainda que a mesma atenção dada ao patrimônio histórico seja estendida à cidade como um todo, a prédios modernos e espaços públicos. A mediação da oficina ficou a cargo da arquiteta Gislaine Saibro.

 

A terceira oficina, Projetar e Fazer, promovida na tarde de sábado (17/09) e mediada por Rinaldo Barbosa, contou com exemplos de profissionais que fazem a arquitetura e o urbanismo. O debate abordou os conhecimentos ofertados pelos cursos de graduação em arquitetura e como eles preparam os profissionais para diferentes mercados de trabalho. Trazendo relato da realidade de quem opera no Interior, a arquiteta Cristiane Rauber contou um pouco sobre sua atuação na região de Bom Princípio (RS). Os desafios, segundo ela, ainda são muitos. “O cliente contrata o pedreiro e diz que ele faz o projeto. Esse é um desafio grande no dia a dia, o de tentar separar projeto de execução”, desabafou.

 

Com mais de quatro décadas de atuação, o arquiteto Luiz Antônio Veríssimo narrou seu início de carreira, quando ainda muito novo, assumiu o desafios de ser secretário municipal na prefeitura de Pelotas (RS). Sem o preparo necessário no ambiente acadêmico, garantiu que aprendeu na prática o que, anos mais tarde, foi alvo de extensão em Urbanismo. “Era uma época em que não se falava em interiores nem em patrimônio. Quando era secretário, o Mercado Pelotas incendiou e se queria construir ali um Centro Administrativo. Eu era recém-formado, mas defendi a ideia de preservar”, relatou o arquiteto.

 

O terceiro debatedor do painel foi o arquiteto e urbanista e consultor ambiental Fábio Bortoli. Autodidata, ele admite que saiu da universidade sem o respaldo necessário para seguir na área ambiental, mas que foi nos livros e com base em muito estudo que conseguiu os conhecimentos necessários para estruturar sua carreira. A ação, garantiu ele, só pode ser realizada com apoio de equipes multidisciplinares que envolvem diversas outras áreas do conhecimento como biólogos de fauna, de flora, engenheiros, geólogos, geógrafos e sociólogos.

 

A quarta oficina preparatória, Planejar e Fazer, debateu na manhã da sexta-feira (30/09), com mediação de Andréa dos Santos, os desafios da atuação do profissional no desenvolvimento das cidades em situações que, muitas vezes, se apresentam como entraves na execução de projetos. O arquiteto e urbanista Tiago Holzmann da Silva contou como encontrou o caminho para auxiliar as prefeituras no desenvolvimento das cidades. “Percebi que muitas vezes os profissionais das prefeituras não conseguem olhar a cidade, porque são muitas coisas que se apresentam ao mesmo tempo diariamente. Vejo que é preciso entender primeiro o problema e montar um quebra cabeça de como resolver isso em um processo dentro da prefeitura, sempre em conjunto”, explicou.

 

A arquiteta e urbanista Karla Moroso, que atua no Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES) Direitos Humanos, disse estar sempre voltada para a arquitetura social, em luta constante pela garantia do direito à moradia das comunidades mais pobres, mas que enfrenta obstáculos no meio do caminho. “Tenho o olhar voltado aos que não têm como acessar a arquitetura, que estão à mercê do mercado ou do Estado, mas isso nem sempre é fácil”, comentou.

 

Já a arquiteta e urbanista Clarice Debiage comentou sobre o mercado imobiliário e a sua experiência em uma nova empresa no meio. Ela destacou que o ensino do arquiteto e urbanista é feito em uma perspectiva que se afasta do mercado e que isso precisa ser aprimorado. “Nossa educação é feita para sermos um grande arquiteto, como se outras faces da arquitetura fossem menos importante, como a arquitetura social ou o servidor público”.

 
A quinta e última oficina preparatória, Organização e Regulação, mediada por Eduardo Bimbi, levantou o debate sobre quem é o arquiteto que a sociedade brasileira precisa e se os profissionais almejam ser esse arquiteto. O vice-presidente da Abea, Gogliardo Maragno, pontuou que o fosso entre o ensino e a prática da arquitetura não é uma exclusividade do Brasil. “A formação está cada vez mais distante da realidade profissional. Será que esse arquiteto que a sociedade precisa é o que as faculdades estão querendo formar?”, afirmou. As respostas a esses e outros questionamentos, segundo ele, não são simples e precisam ser construídas com debates. “Temos ficado mais na lamentação do que na ação. E, quando superamos a lamentação, a nossa ação não tem sido de construção, mas de conflito”, pontuou, conclamando a união das entidades do setor.

 
O conselheiro da União Internacional dos Arquitetos (UIA) Roberto Simon recomendou que o trabalho de qualificação na formação comece por evidenciar as áreas de atuação que se está negligenciando e repensar estratégias. Uma das ideias lançadas foi a criação de um programa de acreditação que indique as melhores escolas de Arquitetura e Urbanismo do país. Conforme Simon, a ação deveria ser orquestrada pelas diversas entidades profissionais de forma unificada. Ele lembrou ainda que o Brasil forma 12 mil novos arquitetos e urbanistas todos os anos, o que nos permite ter hoje 140 mil profissionais no país e nos coloca próximos da marca dos EUA.

 
A oficina também contou com a participação do jornalista e presidente da Federación de Periodistas de América Latina y el Caribe (Fepalc), Celso Schröeder, que traçou um paralelo entre a arquitetura e o jornalismo. Segundo ele, a crise no mercado de trabalho que leva arquitetos a se colocarem na posição de empregados de grandes escritórios é a mesma que retira essa condição dos jornalistas, fazendo-os se aventurarem como autônomos. Ele falou também falou sobre o impacto dos avanços tecnológicos no mercado de trabalho, reforçando que as inovações foram tão contundentes que o trabalhador ficou “incapaz de reagir a elas”. E deu exemplos dos impactos desse novo cenário na oferta de informação. Durante a oficina, os palestrantes ainda abordaram a atuação dos conselhos profissionais.

 
O Seminário Nacional “O Futuro da Profissão do Arquiteto e Urbanista” será realizado no Auditório da Federação Gaúcha de Futebol, localizado na avenida Ipiranga, nº 10, em Porto Alegre. Ao final, o debate sobre a profissão será levado ao Congresso da União Internacional de Arquitetos (UIA), que ocorrerá no Rio de Janeiro (RJ), em 2020. O Seminário antecede o 40º Encontro Nacional de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas (ENSA), evento promovido anualmente pela FNA e sindicatos de arquitetos do país, que acontece de 17 a 19 de novembro, no Memorial Luiz Carlos Prestes, na capital gaúcha.