Será que os profissionais almejam ser realmente o arquiteto que a sociedade brasileira precisa? A provocação foi feita pelo vice-presidente da Abea, Gogliardo Maragno, durante a quinta e última oficina preparatória ao 40º ENSA. Promovido pelo Saergs em parceria com a FNA e patrocínio do CAU/RS, o debate foi realizado na sexta-feira (30/09) em Porto Alegre (RS) e teve mediação do arquiteto Eduardo Bimbi. Maragno pontuou que o fosso entre o ensino e a prática da arquitetura não é uma exclusividade do Brasil. “A formação está cada vez mais distante da realidade profissional. Será que esse arquiteto que a sociedade precisa é o que as faculdades estão querendo formar?”, completou.

Maragno lembrou uma pesquisa divulgada pelo CAU em 2015 que constatou que 85% da população brasileira nunca contratou o serviço de um arquiteto e urbanista. “Será que faz sentido uma profissão para atender a uma parcela tão pequena da população?”, questionou. Defendendo a Arquitetura, ele alertou que há uma demanda expressiva a ser atendida, mas ressaltou a incapacidade dos profissionais de chegarem a essa grande parcela da população.

As respostas a essas perguntas inquietantes, continuou o arquiteto, não são simples e precisam ser construídas com debates. “Temos ficado mais na lamentação do que na ação. E, quando superamos a lamentação, a nossa ação não tem sido de construção, mas de conflito”, pontuou, conclamando a união das entidades do setor. Maragno diz que a situação da Arquitetura não é tão calamitosa quanto se tenta fazer crer, caso contrário não se veria bons profissionais formando-se e vencendo concursos importantes como temos hoje. “Precisamos é estabelecer os limites desse fosso e iniciar uma construção coletiva de pontes para superá-los”.

Em sua intervenção, o conselheiro da União Internacional dos Arquitetos (UIA) Roberto Simon recomendou que o trabalho de qualificação na formação comece por evidenciar as áreas de atuação que se está negligenciando e repensar estratégias. Uma das ideias lançadas foi a criação de um programa de acreditação que indique as melhores escolas de Arquitetura e Urbanismo do país. A ação, sugere, deveria ser orquestrada pelas diversas entidades profissionais de forma unificada. “Se ficarmos esperando que o governo faça, o que será que vai acontecer? Precisamos de programas nossos, como países já fazem, a exemplo da Espanha, da Inglaterra e da Coreia. Hoje não é mais possível atuarmos isolados com sempre fizemos”.

Segundo Simon, o Brasil forma 12 mil novos arquitetos e urbanistas todos os anos, o que nos permite ter hoje 140 mil profissionais no país e nos coloca próximos da marca dos EUA. “Não podemos olhar só para dentro do Brasil sem se movimentar em busca de alternativas. Não é porque a situação está difícil que vamos pensar em não se mexer ou que já perdemos essa guerra. Não dá para sair da trincheira”, salientou. O profissional ainda aproveitou para fazer referência à tendência mundial de internacionalização da produção arquitetônica e criticou a forma como se trata o serviço de arquitetura e urbanismo, que é enquadrado como mercadoria, ficando no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). “São empresas gigantescas sem face, com arquitetos de baixo custo fazendo projetos em 20, 50 países. O debate sobre isso tem que ser aprofundado”, frisou reforçando a urgência de unir esforços.

Durante a oficina, os palestrantes ainda abordaram a atuação dos conselhos profissionais. Gogliardo Maragno lembrou que, na época da fundação do CAU, havia uma sensação de que se teria um controle da qualidade na profissão e do ensino. “O que se desejava com isso era separar o bem do mal, mas sobre que critérios? Já fomos capazes de estabelecer critérios específicos do que é a boa arquitetura?”, continuou perguntando.

Ao abordar a questão das diretrizes curriculares, ele comparou a Arquitetura à Medicina dizendo que a especialização deve ser algo posterior à formação generalista. Isso não significa que alguns cursos não possam oferecer opções diversas aos estudantes e criticou aqueles que “procuram o curso só pelo diploma e os cursos que se preocupam em oferecer apenas um diploma”.

Arquitetos e Jornalistas

A oficina Saergs/FNA também contou com a participação do jornalista e presidente da Federación de Periodistas de América Latina y el Caribe (Fepalc), Celso Schröeder, que traçou um paralelo entre a arquitetura e o jornalismo. Segundo ele, a crise no mercado de trabalho que leva arquitetos a se colocarem na posição de empregados de grandes escritórios é a mesma que retira essa condição dos jornalistas, fazendo-os se aventurarem como autônomos.

 

Schröeder falou sobre o impacto dos avanços tecnológicos no mercado de trabalho, reforçando que as inovações foram tão contundentes que o trabalhador ficou “incapaz de reagir a elas”. E deu exemplos dos impactos desse novo cenário na oferta de informação. Segundo o jornalista, há uma falsa sensação de grande oferta de informação na atualidade, mas o que temos, na verdade, é milhares de dados soltos e desconexos. “São dados que se tornam incompreensíveis pela qualidade, quantidade e pela desconexão entre eles”. Desta forma, citou a importância de valorização dos profissionais que realmente produzem o conhecimento, como o jornalista e, em analogia, os arquitetos. “O jornalista é quem se compromete a dizer a verdade e mostrar diferentes opiniões. Com a tecnologia, se começa a achar que não se precisa mais disso, que todo mundo escreve e faz o que quer e que o jornalismo é desnecessário”. Esse pensamento, alerta ele, ignora a ideia da mediação. “É como, para os arquitetos, eu dizer que posso fazer uma casa, mas será que isso é eficiente?”, comparou.