A Universidade de Brasília (UnB), casa do mestre Darcy Ribeiro – concebida e fundada pelo antropólogo que realizou profundas reformas no país, com foco principal na educação e população indígena – não poderia ter outra reação frente ao desmonte das políticas sociais que o governo pretende emplacar com a aprovação da PEC 55 (antiga PEC 241) no Senado. Em assembleia que contou com a participação de 1.400 alunos, os estudantes decidiram ocupar o prédio da Reitoria, conhecido pela arquitetura exuberante de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Desde o dia 1º de novembro as dependências da universidade estão pacificamente ocupadas.

 

A decisão é defendida como um ato de resistência à política de austeridade que pretende ser implementada às pressas pelo Congresso Nacional, decisiva na institucionalização do golpe de Estado sofrido pelo país. “Estamos sim fazendo o possível para que seja colocado, no horizonte da conjuntura política do Brasil, o debate sobre essas decisões tomadas verticalmente, decisões embasadas num projeto societário governado/dirigido para os ricos”, escreveram os estudantes na rede social que utilizam para fazer comunicados e informativos à sociedade sobre os passos do movimento.

 

Entre as reivindicações, os estudantes reforçam que são contra o presidente Michel Temer (PMDB), a Medida Provisória (MP) 746/2016 que trata da reforma do Ensino Médio e o projeto Escola sem Partido, popularmente conhecido pela alcunha de Lei da Mordaça.

 

Organizados em equipes de segurança, comunicação, articulação, infraestrutura e cultura, o movimento já ocupa, além da Reitoria, o Quilombo, a faculdade de Planaltina, os prédios da Arquitetura, Comunicação, Artes Visuais, Pavilhão João Calmon, Pavilhão Anísio Teixeira, Ciências da Informação e o Centro de Excelência em Turismo (CET).

 

Os estudantes decretaram, ainda, estado de greve no Instituto de Ciência Política (IPOL), Serviço Social, Filosofia, Artes Visuais, CET, Desenho Industrial e Letras. Nesses casos, os estudantes estão abertos ao diálogo com o corpo de servidores e professores, com os quais negociam a entrada nos prédios de acordo com a necessidade. Na sexta-feira passada (4/11), por exemplo, professores do mestrado da Faculdade de Comunicação pediram a liberação de salas de aula para a realização das provas de seleção para o próximo semestre de aulas na pós-graduação, no que foram prontamente atendidos.

 

A rotina dos estudantes é bastante agitada. Eles fazem assembleias diárias entre todas as unidades ocupadas para definir os próximos passos da resistência. Nada é decidido sem a concordância da maioria, inclusive a recepção à imprensa. As equipes de segurança e comunicação são requisitadas diuturnamente: a de segurança precisa cuidar do movimento e entrada de pessoas estranhas; e a de comunicação recebe imprensa e comunidade para visitação, além de agendar os aulões que acontecem pelo campus para debater os efeitos nocivos da PEC. A equipe da CUT foi recebida por dois estudantes, Joana, de 19 anos, aluna do 5º semestre de Jornalismo, e Francisco, 21 anos, cursando o 4º ano de Ciências Sociais. Eles disseram que a maior dificuldade encontrada pelo movimento é com os estudantes contrários à pauta de reivindicações.

 

“Diariamente sofremos com o ódio gratuito dos frequentadores da Universidade”, explicaram os jovens. “Já sofremos com denúncias de que estávamos depredando a Reitoria, jogaram pedras em algumas unidades, bombinhas à noite para assustar, sem contar que o campus da UnB é famoso pela falta de iluminação e quando escurece o trabalho das equipes de segurança aumenta”, relataram.

 

O Movimento Estudantil da UnB defende que também a Reitoria se posicione contra a medida que irá congelar os investimentos em educação por 20 anos. Acontece que a nova direção deverá tomar posse até o dia 15 de novembro. Em fase de transição, o atual reitor, Ivan Camargo (gestão 2012 a 2016) deverá passar o cargo à primeira mulher eleita para conduzir a administração da universidade, a diretora do Instituto de Geociências da UnB, Márcia Abrahão – eleita com 53,37% dos votos, em primeiro turno, para assumir a gestão 2016 a 2020. O desafio da nova reitora começa antes mesmo que ela assine o termo de posse, já que tanto o Campus Darcy Ribeiro, no Plano Piloto de Brasília, quanto o de Planaltina, estão ocupados de estudantes lutando por um ensino público de qualidade no país, defendendo a injeção de mais recursos e não o congelamento, e principalmente dando uma aula de cidadania para a sociedade brasileira.

 

De acordo com a União Nacional dos Estudantes (UNE), ao final da primeira semana de novembro de 2016, mais de 170 universidades públicas estavam ocupadas em todo o país. A primeira universidade particular a aderir ao movimento nacional foi a PUC de Minas Gerais, que desde quinta-feira (3/11), após assembleia geral com 600 estudantes, decidiu ocupar a universidade em protesto contra os avanços da política neoliberal que ameaça, com cortes drásticos, políticas públicas de educação e benefícios estudantis como o FIES e Prouni.