A Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA) manifestou-se em favor da qualidade do ensino de Arquitetura e Urbanismo. Em documento divulgado, no dia 28 de dezembro, a entidade afirmou que precarizar a educação superior não pode ser solução para nenhuma crise, em especial a vivenciada atualmente, que não é uma crise apenas econômica, mas comportamental, cultural, política, moral e ética.
“Enquanto nossas universidades públicas — que seguem sendo as instituições brasileiras mais bem colocadas em qualquer ranking internacional de produção científica — sofrem um ataque diário frente à opinião pública e têm suas verbas exponencialmente cortadas a cada ano, empresas privadas, cada vez mais, tratam a educação como se fosse um setor qualquer em que extravagantes resultados financeiros podem ser a meta maior, sem considerar o caráter estratégico que a qualidade de ensino tem — não apenas para seu negócio, mas, especialmente, para o desenvolvimento do país, que deveria ser sua meta maior”, destacou a ABEA na publicação.
Leia na íntegra:
A PRECARIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR E A CONTRADIÇÃO COM O FUTURO QUE QUEREMOS PARA O PAÍS
Em vista dos últimos episódios ocorridos no país, a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo – ABEA, vem a público manifestar sua posição em favor da qualidade do ensino de Arquitetura e Urbanismo, colocada em risco por esses acontecimentos.Clique AQUI para ver o PDF da Manifestação
Vivemos tempos difíceis. Tempos de uma crise que não é apenas econômica, mas comportamental, cultural, política, moral, ética. E embora possamos, enquanto indivíduos dessa sociedade, discordar sobre as razões e caminhos que nos levaram a essa situação, existe uma realidade sobre a qual ninguém discorda: precarizar a educação superior não pode ser solução para nenhuma crise, em especial uma crise dessa natureza.
Sem dúvidas a cautela e o equilíbrio econômico, tanto no setor privado quanto no público, são fundamentais para equacionar uma das muitas camadas dessa crise, a questão econômica.Mas a narrativa de que é preciso cortar intempestivamente investimentos justamente da educação é mais que equivocada, é enganosa e maliciosa; ineficiente a curto prazo e desastrosa a longo prazo.
O que temos vivido nas últimas semanas se configura como um claro ataque à educação superior nacional, ao que tudo indica de maneira mais orquestrada do que como uma desafortunada sucessão de acontecimentos que têm em comum as consequências avassaladoras para o desenvolvimento do país. Especificamente no campo do ensino privado da Arquitetura e Urbanismo esse ataque tem desmantelado um equilíbrio delicado entre qualidade acadêmica e saúde financeira das instituições, por ser um curso que demanda laboratórios e uma presença mais próxima dos professores em atividades essencialmente práticas (e, portanto, uma relação professor-aluno mais custosa do que em outros cursos). Mas a luta do nosso campo profissional não se diferencia, em essência, da luta em que todo o setor educacional se encontra.
Enquanto nossas universidades públicas — que seguem sendo as instituições brasileiras mais bem colocadas em qualquer ranking internacional de produção científica — sofrem um ataque diário frente à opinião pública e têm suas verbas exponencialmente cortadas a cada ano, empresas privadas, cada vez mais, tratam a educação como se fosse um setor qualquer em que extravagantes resultados financeiros podem ser a meta maior, sem considerar o caráter estratégico que a qualidade de ensino tem — não apenas para seu negócio, mas, especialmente, para o desenvolvimento do país, que deveria ser sua meta maior.
Recentemente, na última década em especial, universidades do setor privado passaram a contribuir mais relevantemente com o desenvolvimento do ensino superior e com sua inclusão social, através de programas governamentais como o FIES e o Prouni, consolidando um importante papel na busca por uma sociedade mais justa, com oportunidades para todos — oportunidades que as empresas do setor educacional, por meio de ações fraudulentas, aproveitaram para impulsionar ainda mais os seus lucros.
Com a crescente substituição de metas acadêmicas por metas financeiras como protagonistas na gestão de universidades privadas, neste final de 2017, os grandes grupos educacionais encontraram na reforma trabalhista uma chance de aumentar a margem de lucro com medidas que evidentemente impactam negativamente na qualidade do ensino. A demissão em massa dos professores com mais tempo de casa que se tornou praxe desde o dia em que a reforma foi efetivada é inadmissível para quem busca qualidade na educação. Em sua grande maioria, os professores demitidos em uma só canetada são justamente os guardiões da qualidade desses cursos: seus fundadores, diretores, pró-reitores, coordenadores, pesquisadores, extensionistas, enfim, trabalhadores que também em sala de aula são referências para todo o corpo docente e discente.
Sua demissão, além de ocorrer em uma idade crítica para se conseguir um novo emprego em meio à crise (configurando preconceito de idade segundo interpretação inicial do ministério público), impacta não apenas em suas próprias vidas, mas também na de todos os envolvidos em seus cursos e na qualidade dos projetos criados e carregados por eles durante muito tempo. Anos que lhes conferiram uma experiência acumulada que é muito mais cara a suas instituições do que o custo de seus — ainda defasados — salários (embora, com muita justiça, superiores aos de professores menos experientes).
Ou seja, no momento em que a camada mais vulnerável da população finalmente é incluída em nosso sistema educacional superior, corta-se pela raiz o caminho que se construiu arduamente para isso. Acaba-se com a qualidade dos cursos privados sem qualquer discussão dentro do universo acadêmico (entre professores, estudantes e administradores) com o simples argumento de que é preciso equilibrar as contas e aumentar extravagantemente a margem de lucro, como em qualquer empresa. A questão é que uma universidade não é como qualquer empresa, necessita de concessão do governo justamente por ser o setor mais estratégico para o desenvolvimento do país.
Enquanto isso, o sistema público de ensino superior, historicamente um ensino de excelência — e até há pouco tempo contraditoriamente acessível sobretudo às elites — incorporou, no início desse século, por meio do sistema de cotas, considerável contingente de estudantes desse setor mais excluído da nossa sociedade. E justamente neste momento, a Universidade pública, gratuita e de qualidade sofre um deliberado estrangulamento financeiro de todos os níveis de governo e um massacre diário nos meios de comunicação, que não medem esforços em desqualificar os grandes méritos e conquistas que seguem acontecendo, apesar desse abafamento financeiro.
Recente relatório do Banco Mundial, com sugestões mais complexas do que se anunciou nos meios de comunicação, mas que incluíam de fato a sugestão do fim da gratuidade no sistema público de ensino, usavam dados defasados para sugerir que o dinheiro público está sendo gasto com uma minoria que poderia pagar seus estudos, quando a recente política de cotas já alterou essa realidade, com mais da metade dos estudantes das universidades públicas e gratuitas, hoje, sendo de fato oriunda de famílias de baixa renda. Ou seja, novamente, no momento em que a lógica excludente começa a ser alterada e mostrar resultados, estas instituições passam a sofrer um massacre midiático que, como de praxe, inclui estratégias de sucatear para, em seguida, privatizar e de repetir mentiras até que se tornem verdades.
Embora seja difícil imaginar algo mais grave, o clima policialesco que tomou conta do país também invadiu as universidades públicas neste fim de ano, com reitores e vice-reitores sendo truculentamente levados em conduções coercitivas em desacordo com a constituição (por serem empreendidas sem prévia convocação que não tenha sido atendida e, portanto, sem motivo) e até em prisões preventivas sem qualquer indício palatável de irregularidade, que já culminaram no suicídio de um reitor. Para completar, essas operações são batizadas ironicamente, como
em Minas Gerais, onde ganhou o nome de “esperança equilibrista”, hino da resistência à ditadura, num sadismo próprio de quem já não esconde a proximidade que estamos de um regime de exceção.
Por tudo isso, se faz necessário entender a quem interessa o desmonte do sistema de ensino nacional. Grupos internacionais já perceberam o potencial econômico do setor, quando livre de um controle mais rígido, como só é possível no estado mínimo que ora tenta-se implantar no país. A classe política, acuada pelo recente aumento de consciência e compreensão da população em relação ao cruel sistema de proteção aos privilégios em que vivemos, dá as mãos a esses grupos numa tentativa desesperada de “mudar para permanecer igual”. E na outra ponta, só a atuação conjunta da comunidade acadêmica, com coesão e
compreensão da urgência da situação, pode voltar a equilibrar esse jogo.
Por todas as razões expostas, a ABEA repudia o modo como o governo federal vem tratando o estratégico setor educacional brasileiro ao permitir que empresas com objetivos unicamente financeiros subtraiam de toda uma geração a possibilidade de mobilidade social através de um ensino de qualidade tanto nas instituições privadas quanto nas necessárias universidades públicas e gratuitas.
Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
www.abea.org.br