Usando como gancho a recente nomeação para a presidência do IPHAN, medida classificada por ele como ‘terraplanista”, o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cláudio Ribeiro, deu início à live promovida pelo Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Estado do Rio de Janeiro (SARJ), que abordou o tema ‘Direito à cidade e precarização do trabalho na pandemia”.
A citação ao momento pelo qual passa o IPHAN aconteceu no sentido de mostrar a necessidade cada vez maior que espaços de trabalho como o IPHAN sejam ocupados também por profissionais arquitetos e urbanistas. “Não é um local de trabalho exclusivo para a classe, mas essencial para a arquitetura e urbanismo e à memória cultural, que vêm sofrendo ataques em uma escala assustadora”, afirmou. “O atual momento do IPHAN suscita a pensar sobre qual é o lugar do arquiteto e urbanista no campo profissional e, com base na realidade que tem como exemplo prático o desmantelamento da instituição pelo atual governo, se exige um levante da categoria sobre o ‘pensar’ que esse deveria ser um dos nossos lugares”, pontuou o professor. Ele destaca como ponto de partida uma reflexão sobre a ocupação no campo público da arquitetura e urbanismo em órgãos que atuam com a memória e a cultura.
Segundo Ribeiro, um dos grandes problemas da categoria na atualidade é que ela está mais voltada ao campo liberal, com o entendimento que o profissional se tornará um empresário do ramo. “Esquecem que há um esfacelamento do campo de trabalho e que não há direitos trabalhistas diante de um cenário catastrófico que, para além da pandemia, está sendo usado para catapultar diversas contrarreformas para o trabalhador”, pontuou.
O cenário foi traçado diante da realidade que mostra que por muito anos os profissionais arquitetos e urbanistas se estabilizaram com uma visão limitada do seu campo de trabalho. “Não refletiram sobre o seu papel como arquiteto e urbanista, não pensaram sobre o direito à cidade e não se enxergaram como trabalhadores que precisam de direitos”, destacou Ribeiro.
Na mediação do debate, o presidente do SARJ, Rodrigo Bertamé, lembrou de levantamento recente que apontou que milhares de moradias no Brasil não possuem sequer banheiros. Segundo ele, a realidade reforça o entendimento que, no viés de atuação do mercado liberal, construir banheiros se torna algo pejorativo em uma profissão que desde sempre foi incitada à formação para a construção de “grandes maravilhas e mega intervenções”. O simples, o básico, o estar na comunidade viram subterfúgio. “A ideologia do grande arquiteto é vendida, quando na verdade tudo isso é um processo industrial de grandes empresas que muitas vezes utilizam colaboradores que trabalham de graça. Essa é a lógica do capital”, provocou Bertamé.
“Cria-se a ilusão de que todos vão se tornar empresários arquitetos, o que é algo inconcebível”, disse Ribeiro, lembrando que expectativas neste sentido inibem o outro lado da formação, que é aquele voltado aos problemas reais da cidade. “Esses implicam transformações do cotidiano e dos espaços públicos, que vão muito além do capital e do velho desejo do grande projeto.”
Para o professor da UFRJ, um empresário arquiteto e urbanista nada mais é do que um trabalhador informal. “O capital tem a tendência de afastar o trabalhador do seu campo de atuação. E no caso do arquiteto e urbanista, ele acaba se distanciando de sua própria realidade, do seu espaço, se tornando cada vez mais refém de uma atuação não reflexiva e um operador que muitas vezes reproduz algo que nem sabe o que é”, pondera Ribeiro.
Para Bertamé, o debate foi elucidativo ao mostrar o impacto do capital na precarização da categoria. “Nos utiliza como ferramenta de produção de mercadoria, nos afasta de nosso lugar de trabalho e da nossa realidade. Nos mostra como os processos de alienação do trabalho do arquiteto pela técnica tem servido para nos tornar informais e para produzir cidades cada vez mais segregadas e dirigidas pelos sistemas de financeirização”, pontuou. Segundo o presidente do SARJ, uma das alternativas para fazer frente a essa realidade passa pelo entendimento da arquitetura e urbanismo como política pública, tendo como centro a função social dos espaços e a organização da categoria do trabalho e o fortalecimento dos sindicatos.
Foto: Reprodução