As diferentes realidades das cidades brasileiras serão os desafios do futuro próximo no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Para entender esses entraves e traçar possíveis panoramas, os arquitetos e urbanistas Eleonora Mascia, Nabil Bonduki, Ruskin Freitas, Shirley Dantas e Leila Marques, autores do livro “Coronavírus e as cidades no Brasil: Reflexões durante a pandemia”, expuseram suas visões durante live na sexta-feira (5/6), no canal Arquitetura em Movimento, no YouTube. Responsáveis por capítulos que trazem diferentes abordagens e regiões distintas do país, os profissionais falaram das singularidades das suas cidades e como os arquitetos e urbanistas podem atuar no enfrentamento do vírus.
Em sua fala, Eleonora Mascia, que é presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), abordou a importância de fazer com que a classe profissional e as entidades pautem a gestão pública quanto à questão das cidades, tanto de moradia digna quanto de habitação. Em Salvador (BA), Eleonora afirmou que o governo vem atuando com força no combate à pandemia, suspendendo, por exemplo, a circulação das linhas de ônibus municipais. “Passados quase 90 dias desde o primeiro caso, nos colocamos a avaliar essa crise de forma mais profunda. As nossas cidades estão se precarizando e os arquitetos precisam atuar e participar”, afirmou. No mesmo tom, Leila, uma dar organizadoras do livro, afirmou que a situação atual é de diagnóstico. “Você não vai ao médico depois que a doença passou. As nossas cidades estão doentes”, comparou.
Reforçando a necessidade de compromisso das entidades com as pautas de saneamento básico e habitação, Nabil Bonduki evidenciou algumas situações do município de São Paulo, como a superlotação de cômodos em cortiços nos bairros centrais que agravam a pandemia. Em seu capítulo do livro, o arquiteto e urbanista promove algumas ideias que poderiam ser aplicadas pelo Estado, como a ocupação de quartos de aluguel para pessoas de baixa renda, suspensão de ações de despejo por falta de pagamento de aluguel e instalação de caixas d’água em casas nas comunidades periféricas. “Estamos sofrendo as consequências da desestruturação do Estado”, afirmou Bonduki, que também é ex-secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.
Essa defasagem da atuação do poder público também foi destacada na fala da arquiteta e urbanista Shirley Dantas, que escreveu sobre a cidade de Aracaju (SE). “Temos um Plano Diretor de 2000 e um Plano de Habitação de 2010. Passa gestão, entra gestão e os planos não são revisados criteriosamente com diagnóstico, com mapeamento”, evidenciou. Para ela, se houvesse documentos atuais com detalhamento sobre as áreas de baixa renda da cidade, ações mais efetivas poderiam ter sido tomadas no intuito de frear o rápido crescimento da curva de contágio. “O legado que o coronavírus nos deixa é o de não abrir mão de ter dados, informação, multidisciplinaridade”, sentenciou.
Trazendo um breve panorama de Recife e relacionando sua participação no livro, o arquiteto e urbanista Ruskin Freitas chamou atenção para o fato de que o índice de contágio nos estados do Norte e Nordeste é menor, mas a taxa de mortalidade é maior se comparada com os percentuais do Sudeste. É esse, para ele, o detalhe que não se pode perder de vista. “Em Recife, temos população de 1,7 milhão de habitantes. Desses, 380 mil moram em favelas. Nesses locais, as habitações têm menos de 50 metros quadrados e, em sua maioria, moram mais pessoas que nas habitações da cidade formal”, explicou sobre a densidade dos espaços das periferias.
O arquiteto e urbanista levantou o conceito de blioclimatização que é essencial, na sua visão, para manter a saúde das moradias, principalmente nas zonas de baixa renda. “Muitas vezes não é valorizado pela legislação, pelos técnicos e pelo mercado”, afirmou sobre a técnica, que visa considerar características naturais do ambiente das construções para torná-las mais saudáveis, como iluminação e ventilação. “A pandemia revelou alguns problemas e enalteceu outros”, destacou.