As parcas políticas habitacionais existentes hoje no Brasil hidratam a conta-gotas projetos pontuais de acesso à moradia mas, geralmente, não garantem a essas famílias acesso à cidade. Em uma noite de críticas duras à falta de verbas para assegurar dignidade ao povo brasileiro, a 12ª live da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) reuniu arquitetos e urbanistas de diferentes regiões do país nesta quinta-feira (15/10) para debater a atuação dos profissionais em Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (Athis). Em uma fala contundente, a arquiteta e urbanista e diretora do Sindicato dos Arquitetos no Distrito Federal (ArquitetosDF) Mariana Bomtempo ponderou que, apesar de as linhas de crédito para moradia subsidiarem projetos para baixa renda, geralmente, as construtoras os carregam para territórios mais baratos, o que garante direito à moradia sem direito à cidade. “O Minha Casa Minha Vida foi desenhado pelo Ministério da Fazenda e não pelo Ministério das Cidades. Foi desenhado para as construtoras e não como uma estratégia para atender o direito à moradia”.
Ela conclamou os colegas que tanto dizem ter interesse pela área a se somarem nesse “trabalho de formiguinha”: “assistência técnica precisa de gente”. Mas alertou: “quando temos um governo que chama os movimentos sociais de grupos terroristas, pronto: não vamos ter dinheiro de ordem federal”, sacramentou, lembrando que cabe às entidades cobrarem políticas públicas mais robustas para a área. Mariana ainda teceu crítica às escolas de Arquitetura que, segundo ela, se alimentam dessa mística de elitismo da profissão. “As escolas não abrem espaço para que se converse sobre autoconstrução e esquecem que 85% das nossas cidades foram construídas sem os arquitetos”. E disse mais: “A autoconstrução é uma realidade. Precisamos lidar com ela e aprender a construir com ela”.
A falta de crédito que viabilize projetos na área de Athis também foi alvo da fala da arquiteta e urbanista e dirigente do Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande do Sul (Saergs), Karla Moroso. Mediando o debate, ela lembrou que o Brasil é um país gigante com uma demanda por assistência enorme e, por outro lado, são poucos os profissionais dispostos a se dedicar a ela. “Não é uma demanda que vem até o escritório. Ninguém bate na porta da gente. As coisas não funcionam assim. Sabemos que, muitas vezes, se essas pessoas tiverem que escolher entre comprar tijolos e cimento ou contratar um arquiteto, vão comprar cimento e tijolo”, reconheceu.
Atuando em um escritório com atuação forte no que chama de uma assistência técnica de um modo híbrido, Karla mencionou que atende demandas um pouco diferentes do que o que revê a Lei nº 11.888. Entre eles, estão projetos enquadrados no Minha Casa Minha Vida Entidades para reciclagem de prédios que não estão cumprindo com sua função social. “É um trabalho que nos exige dispor de muitas das nossas atribuições”. O desafio central a quem atua com a Athis, segue ela, é quem paga a conta desse trabalho de forma a que ele não se torne um voluntariado e reforce e precarização do trabalho do arquiteto. “Temos que estar atentos para demandas da habitação de interesse sociais e entender o papel do arquiteto nesse contexto. Arquiteto é insumo da planilha de custos?”, questionou.
Representando a Associação Nacional dos Engenheiros e Arquitetos da Caixa Econômica Federal (Aneac), Sotter Gouveia citou que a Caixa Econômica Federal é apenas o agente de repasse e que há diferentes fundos de origem que possuem regras próprias para financiar projetos em Athis. Segundo ele, um dos entraves no acesso à verbas é a falta de conhecimento sobre os trâmites burocráticos para obtê-los. “Cada dono do dinheiro tem a sua regra. Nossa maior dificuldade é passar isso para as pessoas”. Um dos caminhos sugeridos por ele é atuar no convencimento junto às prefeituras. “Precisa-se vender o peixe de que não é gasto, é investimento”.