Um choque de realidade sacudiu o então estudante de Arquitetura e Urbanismo Cassius Baumgarten e o levou a repensar sua função como profissional antes mesmo de sair da faculdade. Foi durante uma atividade de extensão da disciplina de habitação e interesse social na Universidade Católica de Pelotas (UCPel) que Cassius se defrontou com a realidade – e a precariedade habitacional – das condições de vida de moradores de uma comunidade em Pelotas. Ele ainda cursava o 6° semestre, mas foi quando decidiu que sua atuação como arquiteto seria voltada à habitação de interesse social.
Na saída a campo dentro do projeto de extensão do curso, que ocorria aos sábados, a turma tinha como atividade construir uma biblioteca comunitária em um assentamento irregular. “Enquanto carregávamos o aterro para a área onde seria construída a biblioteca, as crianças da comunidade pegavam seus baldinhos para nos ajudar. Essa atitude me marcou muito, vi in loco as condições habitacionais daquelas famílias e, a partir daquela experiência, os questionamentos sobre minha atuação como arquiteto e urbanista começaram a surgir”, relata.
E foi quando ainda cursava Arquitetura e Urbanismo em Pelotas, sua cidade natal, que Cassius projetou a primeira unidade habitacional de baixo custo para famílias carentes, tudo fruto da sensibilização com as condições de vida com as quais se deparou na atividade de campo. “Saí de lá pensando em como resolver o problema daquelas crianças. Foi quando idealizei o projeto da Casa Pallet, com custo acessível e montada com pallets descartados de uma indústria na qual eu trabalhava na época”, conta. O projeto se constituiu em uma forma alternativa de ofertar moradia às famílias e também sustentável, já que a construção utilizava materiais como embalagens tetra pak, garrafas pet e pneus, por exemplo. A primeira casa foi ocupada por uma família formada por sete crianças órfãs – que na época ficou conhecida como a Casa das 7 Meninas. O custo da Casa Pallet foi de R$ 5 mil apenas em função do banheiro de alvenaria, caso contrário, o valor teria sido praticamente zero, uma vez que o material utilizado foi fruto de reutilização.
Formado no final de 2013, Cassius seguiu pensando em como ajudar as famílias carentes de habitação em áreas da periferia de Pelotas. Hoje, aos 39 anos, como servidor público da Prefeitura de Pelotas, suas ideias ganham visibilidade ainda maior com o seu mais novo projeto, o Casa Prisma, considerado uma evolução da Casa Pallet e pensado para se tornar um projeto de habitação inserido como uma política pública para as cidades. A habitação é de módulo único e formado por piso, parede e cobertura. De acordo com o arquiteto e urbanista, a Casa Prisma foi elaborada para ser de fácil montagem, sem a necessidade de mão de obra especializada. “O projeto que é fruto de um design de uma política habitacional que foi desenhado para se tornar parte de uma política pública, apesar de ser uma ação minha, foi criado para que gestões municipais atendam a mais famílias”, afirma. Aqui, vale ressaltar que o custo da Casa Prisma, de R$ 8 a 10 mil por unidade, foi capitaneado por ele mesmo e alguns parceiros.
A primeira Casa Prisma foi erguida em dezembro de 2016, no bairro São Gonçalo, e contemplou uma família que teve sua casa incendiada. A segunda, em dezembro de 2020, também é considerada uma evolução da primeira, tem sua construção de forma mais rápida, em torno de 50 dias, com capacidade de escalabilidade, com a mão de obra de duas pessoas apenas.
Novamente, a escolha da família que seria contemplada com a segunda Casa Prisma seguiu os critérios da prefeitura, dentro do Pacto Pelotas pela Paz. O Pacto Pelotas pela Paz é uma política pública de segurança onde possui um programa chamado ‘Cada Jovem Conta’, onde foram mapeadas 200 crianças com histórico de déficit escolar. Dentro desse trabalho realizado por assistentes sociais, foram diagnosticadas 13 crianças com relatos de evasão por conta de problemas ligados à moradia precária que impediam a permanência dos jovens na escola. “Foi aí que chegamos à família de um menino chamado Samuel, que não ia mais à escola porque sofria bullying dos colegas, pois ia sempre sujo e mal cheiroso.” O motivo? Sua casa não possui banheiro. “Quando chegamos lá, vimos que não era só o banheiro que faltava, mas sim uma casa adequada. Eles viviam em um cômodo, amontoados sobre um colchão de casal. Esta ação se deu independentemente da gestão pública, pelo fato de a gestão não possuir serviços que contemplem essas demandas habitacionais. Assim, atendemos às necessidades do Samuel e de sua família”, conta Cassius.
O projeto da Casa Prisma tem dois grandes diferenciais: conta com trabalho técnico social antes, durante e pós-ocupação, e a moradia não se resume apenas à entrega do espaço físico. “O projeto é baseado nos sete elementos que sustentam a moradia adequada, que são a segurança jurídica da posse, habitabilidade, infraestrutura básica, economicidade, acessibilidade, adequação cultural e localização”, pontua Cassius.
O trabalho social, por sua vez, acontece desde o início do projeto, com a identificação das necessidades das famílias, com o trabalho de apoio durante a ocupação, educação para uso da moradia e se estende no pós-ocupação, fase em que é visto se a moradia precisa de algum ajuste para que atenda novas necessidades.
Até agora, o pensar e projetar de Cassius Baumgarten voltado à moradia popular em Pelotas levantou 4 casas, sendo duas no formato Casa Prisma. A divulgação recente da segunda unidade da Prisma ganhou visibilidade nacional a partir da transmissão por uma rede de televisão. Bastou para que a prefeitura de Pelotas e gestores de outras cidades (Capão do Leão, Tavares, Jaguarão, Entre-Ijuís e Santa Rosa) se interessassem pelo seu projeto – abrindo caminho para o tão sonhado plano profissional traçado lá atrás; o de trabalhar com habitação de interesse social e, mais do que isso, desenhar uma política pública habitacional para os municípios que não se resuma a apenas uma família contemplada diante do gargalo habitacional presente na maioria das cidades brasileiras. “Hoje me vejo desenhando política pública habitacional”, finaliza o arquiteto e urbanista.
Fotos: Rodrigo Chagas