Reunidos no 27º Congresso Mundial de Arquitetos UIA2021RIO para debater o futuro das cidades e a cidade do futuro, arquitetos, urbanistas, planejadores, paisagistas, entidades de arquitetura e urbanismo, representantes da sociedade civil, professores, pesquisadores, estudantes, pensadores da cidade e cidadãos apresentam suas propostas para construir um mundo justo, solidário, generoso, de natureza pujante e de cidades acolhedoras.
No momento em que a degradação do habitat e o desperdício de recursos colocam em risco a humanidade, e a pandemia de COVID 19 ameaça concretamente a nossa existência, expressamos nosso pesar por todos os atingidos por essa tragédia sanitária, em especial os que perderam a vida e seus familiares.
A pandemia evidenciou, sobretudo, a relação de interdependência entre as dimensões política, econômica, social, cultural e ambiental na configuração dos territórios e das cidades e a urgência de se promover políticas públicas inclusivas, para que daí emane a Cidade 21, atenta ao clima, aos bons espaços, à saúde pública, à dignidade da moradia e à redução das desigualdades.
Conclamamos a todos aqueles que desejam fortalecer os laços de cidadania que contribuam para construir cidades acolhedoras, onde povos e culturas diversas possam conviver em paz, saudáveis e em harmonia.
Considerando
que a pandemia de COVID 19 escancarou as fragilidades de milhares de cidades de todo mundo, em especial dos países pobres e em desenvolvimento;
que a crescente hegemonia do capitalismo financeiro desfez a base do bem-estar social, como política pública vigente em inúmeros países, e seu caráter autoritário e predatório tem preponderado sobre as formas de organização das sociedades, em especial das cidades;
que relações de trabalho e condições de vida foram precarizados pela submissão dos meios científicos e tecnológicos ao interesse das grandes corporações na obtenção de altos rendimentos, contribuindo para a redução dos empregos e extinção de profissões;
que as grandes corporações industriais e financeiras se tornaram hegemônicas no desenvolvimento econômico mundial, subordinando o aparelho de Estado aos interesses das elites socioeconômicas, e contribuindo para a construção de cidades segregadas e excludentes;
que o modelo de urbanização extensiva, observado em várias cidades do mundo, resulta em assimetrias socioespaciais que se expressam, na maioria das vezes, no avanço ilegal e predatório da ocupação urbana sobre terras agriculturáveis, mananciais de água e áreas de proteção ambiental;
que em escala global, a face mais perversa desse processo está na vulnerabilidade a que estão sujeitas milhões de pessoas em todo o mundo que vivem em moradias precárias em áreas desprovidas de infraestrutura e sem a presença do Estado;
que aos habitantes de ocupações urbanas informais somam-se os milhões de refugiados abrigados − quando o são − em cidades-acampamento, muitas vezes em condições sub-humanas;
que as cidades e o território atingiram tal desequilíbrio, a ponto de a sobrevivência humana se ver ameaçada pelo esgotamento de recursos vitais, pela falta de água potável, pelos efeitos perversos da mudança climática, degradação dos ecossistemas e problemas de saúde pública;
que o aumento da expectativa de vida, a redução das taxas de natalidade, as mudanças nos modos de produção e consumo e nas relações de trabalho e convívio exigem a ressignificação dos espaços da moradia e da cidade e da relação da arquitetura com os aspectos primordiais da saúde pública;
que o racismo, a homofobia, a xenofobia e a misoginia são incompatíveis com a redução das desigualdades e com a construção de cidades justas e saudáveis;
que o esvaziamento do pensamento crítico e do debate político e a descrença nos conhecimentos científicos favorece a manipulação da opinião pública, a desfiguração dos processos democráticos e o ressurgimento de regimes autocráticos;
que a educação é fundamental para a formação dos profissionais que produzirão as cidades do futuro;
que o arquiteto e urbanista, por sua formação humanista, tem compromisso inerente com a coletividade, o respeito aos direitos dos cidadãos e à democracia;
que a UIA, fundada após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando se fez necessário reunir esforços para reerguer cidades arruinadas, propugna a tolerância a um propósito comum que transcenda fronteiras, o progresso humano por meio do conhecimento, a valorização e o respeito pelas artes e ciências, o desenvolvimento e o uso da tecnologia apropriada às necessidades humanas.
O 27º Congresso Mundial de Arquitetos – UIA2021RIO,
a partir das diretrizes emanadas pela ONU, a ONU-Habitat e a Unesco, expressas na Agenda 2030 e seus Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e na Nova Agenda Urbana, apresenta as “PROPOSTAS PARA A CIDADE 21” sistematizadas nas quatro linhas temáticas que nortearam a pauta dos seus debates:
- DIVERSIDADE E MISTURA
A cidade entendida como lócus do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, deve ser acolhedora para todos os cidadãos. Nesse contexto, a universalização dos serviços públicos é condição fundamental.
- É necessário reconhecer que a cidade é interdependente, é receptiva e ativa, dos diversos fatores constituintes da vida em sociedade. Não haverá desenvolvimento sem cidades ajustadas às exigências contemporâneas.
- Não há uma só forma urbana, assim como não existe uma só cultura. É preciso reconhecer as diversas formas de produção das cidades, incluindo as favelas e periferias, e promover programas de adequação dessas áreas às exigências de infraestrutura e de serviços públicos.
- O Centro das cidades representa o território da cidadania, patrimônio histórico e cultural da sociedade, símbolo do espaço democrático e lugar de expressão da diversidade. Os centros precisam ser permanentemente cuidados e valorizados, para evitar seu esvaziamento simbólico, econômico, político e social.
- As políticas de desenvolvimento urbano sustentável e duradouro devem ser acessíveis e atender as pessoas em suas peculiaridades, contradições, interesses e necessidades, considerando as questões etárias, raciais, socioambientais, culturais, de gênero, de conforto, bem-estar e trabalho na produção do abrigo humano em suas diversas escalas.
- É urgente modificar as bases conceituais e práticas do planejamento, do urbanismo e da arquitetura, de modo a abarcar ações e processos que respondam às demandas dos grupos mais vulneráveis, integrando questões de renda, gênero e sexualidade, raça, das culturas tradicionais e dos imigrantes.
- As decisões arquitetônicas e urbanísticas devem levar em conta estratégias de enfrentamento das desigualdades, de redução da pobreza e do fortalecimento da gestão democrática do território, dos processos de participação popular e das ações que aprofundem a interdisciplinaridade e a intersetorialidade, dando voz à pluralidade de realidades e às diversidades sociais, étnicas e de gênero.
- A licitação de obras públicas a partir de projetos completos é elemento fundamental para a qualidade da construção, da infraestrutura e usufruto dos espaços urbanos.
- FRAGILIDADES E DESIGUALDADES
A cidade contemporânea deve ter como princípio a construção de um espaço urbano coletivo, planejado e administrado como função de Estado por meio de políticas públicas democráticas e inclusivas, com foco no combate às fragilidades e desigualdades.
- As crises ambientais e as emergências sanitárias afetam desigualmente os territórios e populações, o que exige que as ações de planejamento priorizem territórios mais vulneráveis, fortalecendo a economia local, apoiando e valorizando as iniciativas de base comunitária.
- É preciso promover a implementação de políticas públicas integradas e democráticas que garantam o direito à cidade a toda sociedade, valorizem o patrimônio histórico e cultural, reconheçam as preexistências e preservem o ambiente para gerações futuras.
- Moradia digna e saudável e com localização adequada para todos, por meio do financiamento sujeito às possibilidades das famílias mais carentes é uma questão de justiça social e de saúde pública.
- A universalização dos serviços públicos – de infraestrutura, de saneamento, de transporte e de segurança – é condição essencial para a redução das fragilidades e desigualdades da sociedade e para a promoção de cidades saudáveis e sustentáveis.
- O conhecimento técnico dos arquitetos e urbanistas deve dialogar e compartilhar com o saber popular dos diversos agentes que atuam no território, levar em conta estratégias de redução da pobreza e das iniquidades em saúde, o respeito aos direitos sociais e o fortalecimento da gestão democrática, compartilhada e participativa.
- A assistência e assessoria técnica para habitação de interesse social deve ser considerada como um serviço público, permanente e acessível a toda sociedade, valorizando as possibilidades de articulação intersetorial e de atuação integral sobre os diversos aspectos da realidade.
- O orçamento público em nível global deve expressar o compromisso com o financiamento das políticas públicas na redução das fragilidades e desigualdades e no combate à pobreza. Devem ser privilegiados a parceria entre arquitetos e organizações locais apoiados por fundos públicos.
- MUDANÇAS E EMERGÊNCIAS
A boa cidade é aquela que tem como foco a condição humana, o respeito ao meio ambiente, a valorização do patrimônio natural, histórico e cultural, e densidade demográfica coerente com a oferta e manutenção de serviços públicos essenciais.
- A cidade contemporânea deve ser entendida como parceira do esforço mundial de atenção ao clima e ao planeta. É necessário promover políticas públicas que evitem a expansão da ocupação urbana, que ampliem a resiliência e a adaptabilidade do ambiente construído, que estimulem a mobilidade não poluidora, a recuperação dos recursos hídricos e a redução dos efeitos adversos da mudança climática, de forma harmônica com os ciclos naturais de cada lugar.
- A promoção de “cidades criativas e inteligentes” deve aliar instrumentos urbanos à tecnologia e à universalização dos serviços públicos de modo equitativo e includente, revertendo a expansão não planejada, a degradação do meio ambiente, os riscos e as desigualdades socioespaciais.
- Os vazios urbanos da cidade consolidada devem ser ocupados por arquiteturas diversas que combinem adensamento, usos mistos, espaços e serviços públicos, áreas verdes, novas tecnologias e diversidades social, econômica e cultural.
- O adensamento consciente de áreas infraestruturadas, sem comprometer a qualidade da textura urbana, é um instrumento de inclusão social, pois atende as necessidades habitacionais, oportuniza maior diversidade social e de usos e contribui para potencializar o espaço público como lugar de interação social.
- Arquitetos, urbanistas, governos, instituições e agentes sociais podem e devem atuar junto e de forma pactuada com as populações locais no sentido de dotar moradias precárias de condições de segurança, de salubridade e de infraestrutura, reduzindo situações de riscos e emergências sanitárias;
- A Arquitetura deve ser provida a partir de materiais locais, evitando desperdícios de recursos, valorizando a qualificação da mão de obra local, os saberes, os costumes e a cultura das comunidades e diversidades de climas.
- Os determinantes socioambientais da saúde devem ser orientadores da formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas, considerando ampla perspectiva intersetorial e participativa.
- TRANSITORIEDADE E FLUXOS
A cidade inclusiva e sustentável provê espaços e meios de deslocamentos eficientes e com qualidade para atender satisfatoriamente as necessidades das pessoas, os fluxos de materiais e informações que a contemporaneidade exige.
- A mobilidade urbana deveser tratada segundo as exigências contemporâneas, tanto na dimensão dos recursos ambientais como no atendimento às necessidades das populações em seus deslocamentos quotidianos.
- A multiplicidade de modos de transporte, com ênfase no transporte público e nos meios de transporte ativos – peadonal, bicicleta, entre outros, é condição para a promoção da mobilidade urbana, com vistas à equidade social e à promoção de cidades saudáveis e sustentáveis.
- O planejamento do uso e ocupação do solo e da mobilidade devem ser instrumentos integrados para a promoção da justa distribuição dos benefícios da urbanização e para o controle da expansão urbana.
- O pedestre é o principal protagonista da cidade. Os espaços dos fluxos devem ser desenhados como espaços do cotidiano do pedestre e de inclusão de pessoas com mobilidade reduzida, faixas etárias e classes sociais distintas.
- Os espaços de transição devem ser planejados e projetados integrados à paisagem urbana e cultural, ampliando o acesso à cidade e aos seus equipamentos, sem priorizar soluções absolutas.
- O espaço público é o lugar do encontro, das práticas de cidadania. O desenho urbano é uma ferramenta não apenas para se construir o espaço público, mas para pensar soluções democráticas e inclusivas.
- A arquitetura e o urbanismo são instrumentos para o acolhimento e o enfrentamento do fenômeno migratório contemporâneo, colaborando para a inclusão social, econômica e cultural das populações migrantes e refugiadas.
A Arquitetura e o Urbanismo têm um papel fundamental na construção contínua de cidades melhores, mais justas e equitativas. O projeto é um instrumento essencial para contribuir com o adequado planejamento das cidades, materializar ideias, promover o debate e viabilizar transformações.
Todos os mundos, um só mundo. Arquitetura e Cidade 21.
Por um mundo melhor.
Assinam as Entidades:
IAB; IAB-RJ; CAU-BR; CAU-RJ; FNA; ABEA; ASBEA; ABAP; FENEA;CEAU-RJ,ANPARQ; ANPUR; ABDEH; DOCOMOMO Brasil; FIOCRUZ; ICOMOS Brasil.
Comissão responsável:
Angélica Benatti Alvim, Elisabete França, Luís Fernando Janot, Igor Vetyemy, Maria Elisa Baptista, Nivaldo Andrade, Sérgio Ferraz Magalhães