Autor: Arquiteto Ângelo Marcos Arruda, Presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas – CUT
O artigo 6º. da Constituição federal, que trata dos direitos sociais do povo brasileiro, garante o direito à moradia como um dos direitos fundamentais, juntamente com o direito à educação, saúde, assistência social, etc. O direito à moradia não constava do texto original de 1988, mas foi incluído no ano de 2000, através de uma emenda constitucional e, com isso, um tema social importante saiu das prateleiras da economia da construção e entrou na disputa do campo social.
De lá para cá, o Brasil continua se urbanizando e o movimento social da moradia acelerou as suas lutas e as demandas e vem tendo conquistas importantes no campo da habitação social ao ponto de ver aprovada uma proposta de projeto-de-lei de iniciativa popular de décadas atrás que instituiu o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, onde somente em 2008 e 2009 teve mais de 1 bilhão de reais. Outra conquista que surgiu foi a criação do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades que propiciou uma interlocução com a sociedade muito forte, trazendo o tema da habitação para o centro da discussão.
Essas conquistas vieram num raro momento brasileiro, de crescimento econômico e de priorização da aplicação de recursos públicos em infra-estrutura nacional e a habitação vem surgindo como uma das áreas prioritárias na injeção desses recursos de enorme volume e de grande quantidade. Nasceu o PAC do governo Lula e com ele o setor habitacional, que há décadas lutava para ser priorizado numa ação de governo, despontou com inúmeros projetos, com recursos do orçamento federal e dos estados e municípios, com a adesão do FGTS e de outros fundos, com o FDS. O Minha Casa Minha Vida, com 1 milhão de casas, veio coroar esse processo em curso.
Esse quadro ainda não é do conhecimento de todo o povo brasileiro, mas aqui e ali a imprensa nacional divulga que faltam operários especializados nas obras civis, principalmente engenheiros, arquitetos e outros profissionais especializados, por conta da quantidade de serviços contratados, com o país transformado num imenso canteiro de obras formais.
Mas há um outro país desconhecido, da informalidade, das pequenas obras de reforma, ampliação e até de construções nas mais diversas cidades do país, principalmente nas áreas mais periféricas, que não aparece nas estatísticas conjunturais por conta da imensa diversidade existente. Essa informalidade fez puxar para cima o consumo de determinados componentes da construção civil, como o cimento e o tijolo e possibilitando a abertura de inúmeras empresas comerciais fora dos centros urbanos das cidades brasileiras. Essa é uma realidade visível.
Essa informalidade carrega um antigo problema: a população constrói sem o auxílio técnico profissional, ou por que ele não está disponível aos seus olhos, próximos de sua casa ou porque seus serviços são caros e inviabilizam a sua contratação. Isso acontece com arquitetos e engenheiros que com seus escritórios mais centrais e com preços de serviços profissionais cobrados em valores para a classe média, inibem o acesso de pessoas de menor renda.
A saída então é construir de qualquer jeito, ajudado por um amigo construtor e elaborar uma planta arquitetônica que lhe sirva naquele momento. Levantamentos feitos pelos sindicatos de arquitetos e urbanistas de diversos estados demonstram que essas casas construídas sem assistência de um profissional têm, quase todas, o mesmo vício: são mais caras do que se tivessem sido construídas com a assistência de um profissional, há mais desperdícios e ainda mais, o conforto térmico, tão necessário numa construção habitacional não é tratado tecnicamente. Dormitórios construídos com janelas orientadas para o lado poente, que o sol da tarde castiga e é ruim para a saúde, é um desses problemas encontrados.
A outra falsa saída é fugir do controle urbano da Prefeitura, pois, na falta de um profissional arquiteto ou engenheiro para se responsabilizar pela obra, essa é considerada clandestina e ilegal e, portanto passível de multa, embargo e até demolição, como determina os códigos de obras das cidades brasileiras. Na ilegalidade, a construção não pode ser registrada em cartório e mais, não pode ser financiada numa eventual venda, pois a falta de habite-se, um documento essencial exigido nas transações imobiliárias, ela simplesmente não pode existir.
Esse cenário não é novo no nosso país, mas ele está bem próximo de ser resolvido. Tramitou no Congresso Nacional o projeto-de-lei n. 6.981 de 2006, de autoria do Deputado federal Arquiteto Zezéu Ribeiro- PT/BA que teve como início outro projeto do ex-deputado arquiteto Clóvis Ilgenfritz-PT/RS, que dispõe sobre a criação de um serviço de assistência técnica para a habitação social público, ou seja, é como um SUS para a arquitetura social. O cidadão de renda até 3 salários-mínimos vai ter direitos, gratuitamente, aos serviços de profissionais da arquitetura e da engenharia, que serão remunerados pelo Estado e ter seus sonhos de moradia, encaminhados. Esse PL foi aprovado e sancionado pelo Presidente Lula e virou a Lei federal n. 11.888 de 24 de dezembro de 2008 e entrou em vigor dia 24 de junho de 2009.
A prática de assistir tecnicamente a população com menor renda já é consagrada no direito, com a defensoria pública; na assistência social, na saúde, na educação e na segurança pública e agora, com a aprovação desse projeto, a moradia faz parte desse grupo de possibilidades para acesso do povo mais pobre.
Com a sanção do Presidente Lula, aquilo que era sonho virou realidade e direito legal. Com ele, mais de 1 milhão de pessoas, nos próximos anos, terão direito ao projeto, à obra nova ou de reforma e ampliação e aos serviços sociais e jurídicos essenciais, seja para a construção ou para a regularização fundiária.
Isso acontecendo, o Brasil será um dos poucos países do mundo que irá ofertar esse serviço ao povo, conforme determina a Constituição federal.
Dessa luta, que começou ainda nos anos 60 e que tomou corpo com o movimento pela reforma urbana, da qual a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas é fundadora e que teve diversas pessoas e entidades que fizeram chegar até aqui, muitos homenagens devem ser feitas, mas nenhuma pode esquecer que pela primeira vez um deputado arquiteto, baiano, soube levar a bandeira de um outro deputado arquiteto gaúcho e colocar todo o seu mandato à disposição dessa causa que irá beneficiar milhões de brasileiros.
Para os arquitetos brasileiros, será um novo marco profissional e de formação acadêmica se avizinha e esperamos que todos dele participem. Para as entidades sindicais do país, em especial a dos engenheiros, trabalhadores da construção civil, servidores públicos, urbanitários, do transporte, dentre outras, é um enorme avanço que deve ser consolidado, com a implantação do conteúdo da lei em todos os estados e municípios brasileiros e essa luta só depende de nós. A FNA e a CUT está fazendo a sua, investindo na divulgação da Lei 11.888/08, como a recente Revista Projetar n.1, lançada em agosto de 2009 em São Paulo, que pretende cobrir o universo sindical com informações e que teve a participação da Conticom, da Confetam e da Fisenge.