No último dia 20 de maio (sexta-feira), o auditório do 9º andar do prédio da OAB foi palco de uma audiência pública com a relatora especial para o Direito à Moradia da ONU, a Professora Raquel Rolnik. O momento não poderia ser mais oportuno: às vésperas da realização de dois megaeventos esportivos no Rio de Janeiro – a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 -, diversas comunidades têm sofrido com constantes ameaças de remoção forçada dos locais onde vivem há décadas. Algumas inclusive já foram removidas de maneira bastante truculenta. Por conta disso, foi organizada uma missão da ONU no Brasil para apurar as denúncias de violações ao direito humano à moradia nessa cidade. A atividade na OAB, organizada a partir da iniciativa de um amplo conjunto de movimentos sociais, foi um espaço em que os envolvidos na missão da ONU puderam contar sua experiência ao longo daqueles três dias no Rio de Janeiro – e, como não poderia deixar de ser, ouviram de vários dos presentes um número ainda maior de denúncias de violações.

        A mesa da atividade foi bastante ampla e heterogênea. Dela participaram, além da própria Raquel Rolnik: Nara Saraiva, da Comissão de Direitos Humanos da OAB; Marcelo Edmundo, do Comitê Popular da Copa; Érica Rocha, da Pastoral de Favelas; Orlando Júnior e Cristiano Müller, relatores da Plataforma Dhesca Brasil; Arquimedes Paiva, da Coordenação de Conflitos do Ministério das Cidades; Wanderley de Oliveira, do Conselho das Cidades; Alexandre Almeida, da Rede Contra a Violência; Claudete, do Conselho Popular.

       A Professora Raquel Rolnik iniciou sua intervenção explicando como funciona o seu trabalho junto à Organização das Nações Unidas. Segundo ela, a tarefa que lhe cabe é basicamente relatar ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em que medida os países estão implementando os tratados e acordos que assinaram no que tange ao direito à moradia adequada. Raquel Rolnik contou que desde o ano passado tem recebido uma série de denúncias de violações a esse direito em nosso país. Por conta disso, fez contato com o governo brasileiro em dezembro de 2010 solicitando explicações. Quatro meses depois, ainda sem nenhuma resposta por parte das autoridades brasileiras, ela fez declarações internacionais sobre as denúncias recebidas. Em suas próprias palavras, “não é porque vão sediar megaeventos esportivos que os países podem violar o direito à moradia digna, desalojando comunidades inteiras de maneira arbitrária. Infelizmente, é isto o que temos visto. É preciso promover um amplo processo de discussão sobre o projeto de remoções hoje em curso no Brasil. Só assim poderemos mudar o comportamento das autoridades com relação a este tema.”

         Orlando Júnior, que também participou da missão da ONU no Rio de Janeiro, falou sobre a seletividade das intervenções urbanas que têm sido feitas na cidade visando prepará-la para receber a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016: “o que vemos é o avanço do poder público sobre áreas hoje desvalorizadas ocupadas por classes populares. Os moradores dessas localidades sequer sabem ao certo o que será feito nos locais de onde a prefeitura quer removê-los porque os projetos de intervenção urbana não são discutidos com as comunidades. As negociações entre poder público e moradores são sempre individualizadas e arbitrárias. Hoje existe um padrão de intervenção urbana no Rio de Janeiro por conta da proximidade da Copa e das Olimpíadas. Esse padrão precisa mudar o quanto antes, porque parece que voltamos ao século XIX. Por isso, estamos investindo na constituição de um grupo institucional de mediação de conflitos, para promover o diálogo entre o poder público e os moradores dessas comunidades que hoje estão ameaçadas de remoção.”

        Um dos poucos representantes do poder público presentes à atividade, Arquimedes Paiva, do Ministério das Cidades, limitou-se a informar que existe um grupo de seis ministros discutindo a maneira como as remoções têm sido feitas em nosso país. Segundo ele, em breve esse grupo interministerial fará um pronunciamento a respeito.

        Ao final das falas dos componentes da mesa, foi aberto um espaço para intervenções dos representantes das comunidades atingidas pelas remoções. Vila Harmonia, Vila Autódromo, Favela do Metrô, Campinho, Morro da Providência, Manguinhos, Livramento… de todos esses lugares, partiam relatos que davam conta de um sem-número de arbitrariedades cometidas por agentes do poder público durante processos de remoção forçada. Indignação, revolta, desespero, dor, tristeza… tudo isso esteve presente nas falas dos banidos de um Rio de Janeiro pré-olímpico. Apesar de todas as dificuldades, é necessário que essas pessoas se mobilizem para, em conjunto com os movimentos sociais organizados, exigir que seja respeitado o seu direito à cidade e à moradia adequada.  

 

Missão da ONU faz recomendações ao poder público municipal

 

 

        A missão da ONU no Rio de Janeiro, realizada entre os dias 18 e 20 de maio de 2011, produziu um conjunto de recomendações gerais a serem feitas ao poder público municipal. São elas:

 
1. A constituição de um espaço institucional de prevenção e mediação de conflitos no município do Rio de Janeiro.

 


2. A imediata divulgação de todos os projetos de intervenção urbana, envolvendo reassentamentos e remoções, vinculados às intervenções da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas de 2016.

 


3. A promoção de audiências públicas nas comunidades envolvidas, com o objetivo de discutir os projetos de intervenção urbana, conforme determina o Estatuto das Cidades.

4. A revogação das normativas legais (decretos ou outros instrumentos legais) que impedem o poder público de indenizar o terreno urbano ocupado e caracterizado como posse irregular – tendo em vista seu caráter inconstitucional – e a determinação de que esses terrenos sejam indenizados pelos preços médios praticados pelo mercado, para fins de habitação de interesse social.

 


5. A suspensão de todos os despejos previstos até que os conflitos a eles relacionados sejam negociados e as soluções alternativas discutidas com as comunidades.

6. No caso das remoções e reassentamentos executados pelo poder público, as casas vazias não devem ser demolidas até que toda a comunidade seja reassentada (quando prevista), e, no caso de haver as demolições, os escombros devem ser imediatamente retirados de forma a garantir a segurança dos moradores, até que o projeto de reassentamento ou urbanização seja concluído. De forma especial, reivindica-se a imediata retirada dos escombros nas comunidades Estradinhas (Ladeira Tabajaras) e do Metrô (Maracanã).

 

 
7. No caso das remoções promovidas pelo poder público, é necessário o cumprimento dos procedimentos recomendados pela resolução da ONU, da qual o Brasil é signatário.