A moradia digna é um direito constitucional de todo cidadão brasileiro. Ainda assim, vivemos num país cujo déficit habitacional chega hoje à casa dos 7 milhões de unidades. O direito à moradia carece, portanto, de uma maior participação do Estado para que possa ser substancialmente ampliado. Apesar da aprovação da Lei 11.888/2008, que deveria assegurar às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, a verdade é que as classes populares ainda contam basicamente consigo mesmas na hora de construir suas casas. Por isso, estima-se que cerca de 80% das moradias existentes em nosso país tenham sido obra do improviso: construídas por seus próprios habitantes, elas não dialogam com o planejamento urbano e a realidade ambiental de cada lugar, o que evidentemente acarreta problemas individuais e coletivos.

 

        Em que pesem todas as dificuldades impostas por este cenário adverso, há por todo país experiências bem-sucedidas de grupos que trabalham com assistência técnica para projetos de habitação popular. Periodicamente, abriremos espaço no nosso boletim para mostrar algumas dessas experiências. Nesta edição, conheceremos um pouco do trabalho que tem sido desenvolvido pela Fundação Bento Rubião na comunidade de Nova Esperança, situada no Rio de Janeiro.

 

Nova Esperança: uma comunidade formada a partir do trabalho da Fundação Bento Rubião

 

          Para redigir esta matéria, visitamos a sede da Fundação Bento Rubião. Lá, conversamos com três arquitetos que participam do Programa Direito à Habitação: Sandra Kokudai, João Paulo Huguenin e Tiago Souza Bastos. Eles nos falaram um pouco sobre o histórico recente do trabalho desenvolvido pela Fundação em termos de assistência técnica a habitação de interesse social. Nas palavras de Tiago Bastos, “a fundação tem um papel importante na questão da assessoria multidisciplinar porque consegue ultrapassar a lógica da assistência técnica como mera prestação de serviços. Desenvolvemos uma militância conjunta com comunidades e movimentos sociais para garantir o acesso da população de baixa renda à moradia.”

 

        Sandra, João Paulo e Tiago nos contaram a história da comunidade Nova Esperança, formada a partir da união de três grupos distintos: despejados da Vila Alice, de Jacarepaguá e membros do Coletivo da Fundação Moradia Viva. A Bento Rubião ajudou na formação dessa comunidade e, através de um edital lançado em 2008 para assistência técnica a mobilização e organização comunitária, conseguiu recursos para a construção de casas para as famílias. Sandra explicou que as casas serão construídas em terreno público cedido na área onde ficava localizada a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá.

 

        A Fundação Bento Rubião trabalha com métodos baseados na autogestão e na ajuda mútua. Por isso, foram feitas diversas reuniões com os membros da comunidade Nova Esperança para a definição de como seriam as habitações a serem construídas. O primeiro passo, segundo Tiago, foi transferir às pessoas da maneira mais didática possível alguns conhecimentos técnicos sobre a construção de habitações. Em seguida, partiu-se para a fase do diagnóstico da área, em que a comunidade foi dividida em grupos que buscavam observar a infra-estrutura urbana existente nas imediações do terreno em que as casas serão construídas, identificando os serviços disponíveis, os problemas da região e as melhorias que precisavam ser reivindicadas junto ao poder público. Feito isso, a próxima etapa foi a discussão com a comunidade para definir como seriam as unidades habitacionais a serem construídas. “Inicialmente, o pessoal queria que construíssemos 80 casas. No entanto, mostramos para eles que, pelo próprio tamanho do terreno, só daria para construir 10 casas, o que deixaria muitas famílias de fora. Diante disso, acabaram optando pela verticalização das residências, o que permitirá a construção de 77 unidades habitacionais. Essa etapa do desenho participativo é interessante porque as próprias limitações de orçamento e tamanho do terreno acabam fazendo com que floresça a solidariedade entre as famílias”, contou João Paulo.

 

Apesar dos obstáculos no caminho…

 

        Não foi nada fácil obter definitivamente a posse do terreno onde serão construídas as casas para os membros da comunidade de Nova Esperança. Por se tratar de um lote de terra dentro de um terreno público, houve uma série de questões burocráticas a encaminhar antes que o espaço fosse efetivamente cedido para que a Fundação Bento Rubião pudesse começar as obras. Por conta da demora na liberação do terreno, a Caixa Econômica Federal acabou cancelando o contrato de financiamento das obras no último mês de maio. Isto significa que hoje não há recursos financeiros para tirar do papel as residências projetadas pelos arquitetos da Fundação Bento Rubião para a comunidade de Nova Esperança. Apesar de toda essa dificuldade, João Paulo afirma que o compromisso de construir as casas continua. Por isso, a fundação tem se empenhado na tentativa de reverter o cancelamento do contrato com a Caixa Econômica Federal.

 

        Sandra explicou que ainda falta à Caixa uma maior habilidade para lidar com a concessão de recursos para assistência técnica a projetos de habitação de interesse social. Afinal, o tempo de execução dessas obras não é o mesmo das realizadas por grandes construtoras que visam o lucro. Há uma série de problemas por vezes complicados de resolver e que acabam atrasando os trabalhos, como a questão da liberação de terrenos públicos. Isso sem falar na necessidade de construir junto com a comunidade o projeto, o que também leva tempo.

 

        Em que pesem todas essas dificuldades, Sandra qualifica como gratificante o trabalho que realiza na Fundação Bento Rubião: “nossa atividade nos permite lembrar a todo momento que a cidade é feita por gente. Como adotamos uma metodologia auto-gestionária desde o processo de elaboração do projeto, acabamos ajudando a construir uma relação entre as pessoas que morarão nas casas que estamos erguendo. É um aprendizado muito grande, tanto para nós quanto para as comunidades envolvidas. Essa vivência da ajuda mútua acaba criando nas pessoas um senso mais apurado de coletividade e cidadania.”

 

… a Esperança tem que continuar

 

        O trabalho desenvolvido pela Fundação Bento Rubião através de experiências bem-sucedidas de apoio a comunidades como Colméia, Shangri-lá, Ipiíba, Herbert de Souza e tantas outras demonstra que a assistência técnica para habitação de interesse social é viável, apesar dos entraves burocráticos que impedem o acesso aos recursos. No próximo boletim, além de outras experiências bem-sucedidas, apresentaremos os principais entraves e propostas de como superá-los.