A preparação do Rio de Janeiro para sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 tem sido um processo traumático para diversas comunidades, que hoje sofrem com constantes ameaças de remoção forçada dos locais onde vivem há décadas. Essas pessoas moram em áreas que serão atingidas por grandes intervenções urbanísticas (Porto Maravilha, entorno do Sambódromo e do Maracanã) ou pelos chamados corredores Trans (Transcarioca, Transolímpica e Transoeste). Em função disso, têm sido vítimas de ações muitas vezes truculentas da prefeitura que visam, literalmente, tirá-las do caminho dos megaeventos esportivos. Casas são demolidas sem que os moradores tenham direito à defesa prévia e indenizações justas. Em alguns casos, os removidos são levados para locais a 50 km de suas antigas residências, destruindo assim empregos e relações sociais. Com o objetivo de investigar uma série de denúncias apresentadas ao seu mandato com relação a esse tema, o vereador Eliomar Coelho (PSOL) apresentou, em abril, um requerimento para a instalação da CPI das Remoções.

        De lá para cá, foram dois meses até conseguir coletar o número de assinaturas necessárias à instalação da Comissão. Finalmente, na sessão plenária realizada no dia 28 de junho, graças à presença massiva de moradores das comunidades atingidas pelas remoções nas galerias da Câmara, 19 vereadores assinaram o requerimento. Ou seja, foram conseguidas duas assinaturas a mais do que o que seria necessário para a instalação da CPI. O problema é que, graças a uma manobra regimental, os vereadores Tânia Bastos (PRB), Carlinhos Mecânico (PPS), Elton Babú (PT), Eduardo Moura (PSC) e Rubens Andrade (PSB) conseguiram retirar suas assinaturas do documento. Eduardo Moura e Tânia Bastos disseram inclusive que não leram o requerimento e que só souberam que haviam assinado depois dos agradecimentos do vereador Eliomar Coelho.

Entenda a manobra

        Para conseguirem retirar suas assinaturas do requerimento apresentado por Eliomar, os cinco vereadores citados se valeram de um precedente regimental de 2008 que diz que, se todas as folhas não forem rubricadas, o parlamentar tem o direito de retirar a assinatura, mesmo depois de o documento ter sido protocolado. Apesar disso, o regimento interno da Câmara é claro ao afirmar que o parlamentar não pode retirar a assinatura depois de o requerimento ter sido entregue à Mesa Diretora. Como foi exatamente isto o que aconteceu, Eliomar entrou com recurso na sessão plenária do dia 05 de julho contra a decisão do presidente da Câmara de rejeitar o requerimento pedindo a instalação da CPI. O parlamentar não deixou de registrar sua surpresa diante da retirada das assinaturas de alguns de seus colegas:

        – “Eu fiz uma coisa que não se faz nesta Casa, fiz pronunciamento e justifiquei porque solicitei a CPI das Remoções. Ao terminar o meu pronunciamento, pedi as assinaturas dos colegas. Além disso, entendo que os vereadores tenham lido o Diário Oficial da Câmara Municipal. Portanto, não é possível a justificativa de que os parlamentares não sabiam o que estavam assinando. Essa situação é lamentável.”

A reação das comunidades

        Diante da retirada das assinaturas, moradores das comunidades atingidas pelas remoções estiveram mais uma vez em peso nas galerias da Câmara durante a sessão do dia 05 de julho. Eram cerca de 150 pessoas que cantavam palavras-de-ordem e portavam faixas com dizeres como “senhores vereadores, assinem a CPI das Remoções ou não terão o nosso voto”. A pressão exercida sobre os parlamentares foi grande, porém incapaz de demover aqueles decididos a retirar suas assinaturas do requerimento da CPI. Ainda assim, houve uma nova adesão ao documento: a do vereador Argemiro Pimentel (PMDB).

        Com o término da sessão plenária, uma parte dos representantes das comunidades presentes decidiu conversar com alguns parlamentares para tentar conseguir as duas assinaturas que faltavam ao requerimento de instalação da CPI das Remoções. Para conseguir ter acesso aos gabinetes, foi necessário vencer a resistência despropositada imposta por um dos seguranças da Câmara. Com a ajuda de assessores do vereador Eliomar Coelho, esse obstáculo acabou sendo vencido e os representantes das comunidades se dirigiram a dois parlamentares: Roberto Monteiro (PCdoB) e Brizola Neto (PDT).

         O vereador Roberto Monteiro afirmou ser favorável à causa dos moradores das comunidades atingidas pelas remoções. Apesar disso, se negou a assinar o pedido de CPI por entender que este não seria o melhor instrumento de luta a ser usado nesse caso: “vocês têm que entender que quem joga aqui dentro faz luta política. CPI é o instrumento clássico de quem quer fazer oposição pela oposição. Não precisamos disso porque já temos a Comissão Especial de Habitação e Moradia Adequada, que se ocupa da questão das remoções.”

        Brizola Neto adotou uma linha de argumentação semelhante, afirmando que a CPI, além de esvaziar o sentido de existência da Comissão Especial de Habitação e Moradia Adequada, seria enterrada por PMDB, PSDB e DEM, que são os partidos com maioria na Câmara. “A comissão da Câmara é atuante, portanto o correto é ocupá-la”, afirmou.

        O interessante é que o vereador Reimont (PT), que é presidente da Comissão Especial de Habitação e Moradia Adequada, assinou o pedido de CPI. Na opinião dele, a CPI não só não esvazia os trabalhos da comissão por ele presidida, como até ajuda: “uma CPI tem muito mais visibilidade e poder investigativo. Afinal, quando ela convoca uma autoridade a depor, essa autoridade é obrigada a comparecer. A verdade é que as nossas comissões da Câmara não têm esse poder”, avaliou.

Impasse aumenta a indignação dos moradores

        Graças à manobra de retirada das assinaturas, a instalação da CPI das Remoções não acontecerá antes do retorno do recesso parlamentar. Afinal, a Câmara precisará julgar o recurso apresentado pelo vereador Eliomar, o que só ocorrerá em agosto. A verdade é que a prefeitura do Rio não tem o menor interesse nessa investigação e já começa a manobrar com seus aliados no legislativo municipal para que esta CPI não seja instalada ou, caso seja, não venha a desenvolver seus trabalhos.

        Diante dessa situação, os moradores das comunidades atingidas pelas remoções não esconderam a sua revolta. “O que eles querem é remover os pobres para cada vez mais longe, abrindo espaço para a ação da especulação imobiliária. A gente esperava que a CPI fosse criada para dar visibilidade a todos os abusos que têm sido cometidos nas remoções, que quase não aparecem na mídia”, afirmou Altair, morador de Vila Autódromo. “Quando o Eduardo Paes era candidato a deputado federal, ele vivia lá na nossa comunidade. Dizia até que era padrinho dela e que não seríamos removidos de lá porque Novo Recreio estava incluída no Projeto Bairrinho. Até IPTU com habite-se nós temos, e agora querem nos tirar do local onde vivemos”, revelou Marilza, moradora de Novo Recreio.

        Em que pesem todas as manobras realizadas pelos donos do poder na tentativa de esconder as arbitrariedades que cometem, é necessário que as comunidades atingidas pelas remoções continuem na luta pelo direito à moradia adequada. A batalha pela instalação da CPI é um capítulo desta luta, mas está longe de ser o desfecho final.