Os megaeventos esportivos também já fazem suas vítimas em Fortaleza, que será uma das 12 cidades-sede da Copa de 2014. Os movimentos sociais estimam que mais de 10 mil famílias deverão ser removidas dos locais em que vivem para a realização de obras ligadas à preparação da cidade para receber jogos do Mundial de 2014. Uma das obras que mais deslocará pessoas de seus atuais locais de moradia para outras regiões é o veículo leve sobre trilhos (VLT), que ligará o Porto de Mucuripe ao Castelão, cortando mais de 20 bairros e afetando mais de 7 mil famílias.

 

        Segundo Helena Martins, do Comitê Popular da Copa de Fortaleza, o governo do estado hoje descumpre determinação do Ministério Público de suspender as desapropriações para as obras do VLT até que o licenciamento ambiental do empreendimento seja concluído. Ela afirma que o que os movimentos sociais de Fortaleza desejam é que seja estudada uma alternativa ao VLT, já que a construção deste terá grandes impactos sobre a questão da moradia. No entanto, até o momento o governo do estado não esboçou nenhuma disposição nesse sentido. Aliás, muito pelo contrário.

 

Governador Cid Gomes é recebido com protestos na comunidade de Aldacir Barbosa

 

        As desapropriações seguem com marcações de casas e todo tipo de artifício intimidatório nas comunidades que se encontram no caminho do VLT. Uma delas é Aldacir Barbosa. Localizada numa área nobre da capital cearense, a comunidade foi visitada pelo governador Cid Gomes no último dia 02 de agosto. Sem nenhum aviso prévio, o governador apareceu em Aldacir Barbosa na calada da noite escoltado por seguranças. O objetivo da incursão era tentar “convencer” os moradores a concordarem com suas próprias desapropriações em troca de uma indenização que ou não ficou muito bem clara ou não se mostrou nada apropriada. O governador bateu de porta em porta para pressionar os moradores a abandonarem seus lares, aceitando a remoção. Certamente, não contava com a reação da comunidade: cerca de 500 pessoas fizeram uma manifestação contra a sua presença no local. Os manifestantes cantavam palavras-de-ordem como “daqui não saio, daqui ninguém me tira” e “Cid é terrorista”. Daí para frente, o que se viu foi muita gritaria e confusão, registrada em vídeo. Para assistir ao vídeo, clique aqui.

 

        O saldo da confusão foram dois boletins de ocorrência abertos por duas mulheres que relatam ter sido agredidas pelos seguranças de Cid Gomes. Para Helena Martins, a atitude do governador foi totalmente equivocada: “se o que ele quer é de fato dialogar com a comunidade, por que não marca uma audiência pública, uma reunião com os moradores? Disso ele foge até o fim! Prefere bater de porta em porta para tentar pressioná-los a deixar suas casas, numa atitude claramente intimidatória. Felizmente, as pessoas reagiram de maneira enérgica a esse absurdo.”

 

        Helena afirmou que alguns moradores da comunidade gostaram de receber a visita do governador e promessas de indenizações cujos valores variam entre 10 mil e 40 mil reais; outros, porém, acharam aquilo uma afronta e agora estão ainda mais engajados na resistência à remoção. Em que pese essa divisão, ela avalia que os movimentos sociais de Fortaleza vivem hoje um grande momento, com uma imensa pluralidade de sujeitos se insurgindo contra os desmandos do poder público estadual. Algumas comunidades se reúnem toda semana para discutir a questão das remoções, no que são auxiliadas por ONG´s e os mais variados tipos de movimentos sociais. “As pessoas estão resistindo para impedir que antigos projetos da burguesia que há muito tempo estavam guardados na gaveta ganhem legitimidade para ser implementados nesse período de preparação para a Copa. Elas estão se insurgindo contra esse processo de higienização social que se tenta realizar hoje em Fortaleza”, avalia Helena.

 

Vale até exoneração na tentativa de impor as remoções de 22 comunidades

 

        Em fevereiro deste ano, os funcionários do Escritório Frei Tito de Direitos Humanos – 3 advogados e 6 estagiários – foram todos exonerados pela Assembléia Legislativa do Ceará. O órgão, vinculado à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, existe há mais de 10 anos e tem uma atuação muito forte na defesa do direito à moradia. Como não poderia deixar de ser, neste momento seus funcionários estavam bastante engajados no combate às violações desse direito, tornadas corriqueiras nesse momento de preparação para a Copa de 2014. Resultado: acabaram sendo exonerados. Segundo o presidente da Assembléia, deputado Roberto Cláudio (PSB), a medida respondeu a uma necessidade de cortes de gastos. Suspeito, para dizer o mínimo.

 

        Patrícia Oliveira, uma das advogadas do escritório, nos contou que há muito tempo havia reiteradas tentativas de boicotar o trabalho realizado pelo órgão. “A exoneração dos funcionários foi só mais um capítulo dessa história. No entanto, conseguimos promover uma ampla articulação entre os movimentos sociais para reverter essa situação. No dia 05 de abril, fizemos uma manifestação com mais de 500 pessoas em frente à Assembléia. No final das contas, os novos funcionários selecionados para trabalhar no escritório acabaram tendo um perfil muito semelhante ao da equipe anterior, o que deve garantir a manutenção da combatividade do trabalho do Escritório Frei Tito de Direitos Humanos”, comemora Patrícia.

 

Núcleos de audiovisual têm a missão de manter viva a memória das comunidades que estão na mira das remoções

 

        Helena Martins nos informou que, no próximo dia 13 de setembro, serão lançados núcleos de audiovisual nas comunidades atingidas pelas remoções. Trata-se de uma iniciativa do Comitê Popular da Copa que visa manter viva a memória dessas comunidades que hoje o poder público visa destruir. Eis mais um ato louvável de resistência ao rolo compressor da Copa de 2014, que, por onde passa, desfaz laços e pertencimentos.