Os trabalhadores da cultura estão em greve. No comunicado de greve, a sociedade termina com a divisa: “não existe política pública sem servidor público” (ver postagem anterior). De fato, a existência de uma política-pública requer instituições públicas para implementá-la e a instituição pública se constitui: por um marco legal que define a abrangência social da sua atuação; por um corpo técnico; e por uma estrutura interna, também definida em lei, que define a relação efetiva do corpo técnico com o marco legal.

 

Considerando, portanto, que o corpo técnico é um dos elementos que constituem uma instituição pública e que as instituições públicas são elementos relevantes das políticas públicas, pode-se tomar as reivindicações dos trabalhadores da cultura em greve como elemento para se refletir sobre a política pública de cultura no Brasil.

 

Os funcionários reivindicam, por um lado, o pagamento de gratificações atrasadas e cumprimento de acordos já firmados e, por outro lado, equiparações salariais, especificamente a relacionada à lei 12.277 e a referente a retribuição de titulação e qualificação.

 

A Lei 12.277 criou exclusivamente para 16 economistas, engenheiros e arquitetos do Ministério da Cultura salários diferenciados e muito superiores aos salários pagos ao conjunto dos demais economistas, engenheiros e arquitetos do Ministério da Cultura. Essa é uma questão com impacto especialmente forte no IPHAN, instituição com um importante trabalho realizado no campo da arquitetura, onde trabalharam arquitetos como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que tem a identidade do seu corpo técnico, fortemente vinculada à identidade profissional do arquiteto no Brasil.

 

No caso das retribuições de titulação e qualificação, a referência da reivindicação é a Casa de Rui Barbosa, instituição que, estando vinculada ao Ministério da Cultura, do ponto de vista da carreira e dos salários está vinculada à carreira de ciência e tecnologia, recebendo por isso melhores salários, tendo direito a progressão em carreira e a retribuição de titulação, que os demais servidores do Ministério da Cultura não têm.

 

Evidentemente, que resulta um cenário de servidores públicos de 1ª e 2ª classe, arquitetos de 1ª e 2ª classe, mestres e doutores de 1ª e 2ª classe; conseqüentemente, serviços públicos de 1ª e 2ª classe; serviços públicos que devem funcionar bem e outros que não importa; um cenário corrosivo da capacidade profissional dos corpos técnicos das instituições do Ministério da Cultura.

 

Para essa análise, não se trata de colocar em pauta o princípio jurídico da isonomia, mas sim a idéia presente na economia política segundo a qual a legitimidade da relação salarial é condição para a adesão efetiva do trabalhador ao processo de trabalho. Esta perspectiva fica potencializada num contexto de uma instituição pública, especialmente ali onde as tarefas de trabalho estão, no mais das vezes, mediadas pela criatividade do trabalhador.

 

Assim, a sensação de acordos não cumpridos e a corrosão da legitimidade da relação salarial estarão necessariamente conduzindo um processo de comprometimento e debilitação dos corpos técnicos e, conseqüentemente, das instituições e da política pública de cultura no Brasil. Cabe perguntar se a sociedade brasileira está de acordo com isso.