A abertura do 35º ENSA aconteceu na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, no Salão Pedro Ernesto. Além da palestra da Professora Ermínia Maricato, os presentes puderam ouvir o vereador Eliomar Coelho (PSOL), o presidente do SARJ, Izidoro Rocha; o conselheiro federal do CAU/RJ, Paulo Saad; o presidente do CAU/BR, Haroldo Pinheiro; e o presidente da FNA, Jéferson Salazar. Depois, houve ainda homenagem aos ex-presidentes do SARJ e ao arquiteto Antônio da Costa Santos, que foi assassinado quando era prefeito de Campinas. Ao final um coquetel de confraternização, que emoldurou a festa num momento de descontração.

        O vereador Eliomar Coelho saudou a realização do Encontro no Rio de Janeiro num momento em que a cidade vive verdadeiro estado de exceção por conta dos megaeventos esportivos. “Hoje, vivemos nessa cidade um cenário de remoções truculentas e violação do direito à moradia digna. Por isso, a escolha do Rio para sediar o ENSA foi muito feliz.”

        Izidoro Rocha saudou o encontro: “é muito importante isto que estamos nos propondo a fazer, que é atualizar o debate da Reforma Urbana. Para mim, é uma honra estar presidindo o SARJ quando ele completa 40 anos.”

        Nas palavras de Paulo Saad, “a grande tarefa do encontro é traçar nossa tática e estratégia para pensar as questões duras por que passam as cidades, já que hoje vivemos imersos na lógica da cidade-espetáculo. Caberá a nós através do CAU resgatar o planejamento como forma de a sociedade pensar seu futuro.”

        Haroldo Pinheiro não escondeu a alegria de estar presente na abertura do ENSA: “essa é a primeira vez que sou chamado de presidente do CAU/BR, o que é um grande orgulho. A união das entidades do CBA foi fundamental para tornar o CAU uma realidade. Agora, mais do que nunca, é necessário manter essa união.”

As homenagens

        Encerrando esse momento das saudações iniciais do encontro, Jéferson Salazar agradeceu a Eliomar a possibilidade de fazer a abertura do evento na Câmara, abordando ainda a longa História de lutas travadas para que o CAU pudesse finalmente se concretizar: “esse encontro vai para além dos sindicatos. O CAU representa o resultado de uma luta de mais de 50 anos, na qual muitos tombaram pelo caminho. Espero que ele possa ser de fato um instrumento da sociedade e de valorização profissional dos arquitetos. Que a arquitetura seja um bem apropriado por todos.”

        Em seguida, foi feita uma homenagem a todos os ex-presidentes do SARJ, que completa agora 40 anos de existência. Ainda no rol das homenagens, também mereceu lembrança o arquiteto Antônio da Costa Santos, que foi assassinado há dez anos quando era prefeito de Campinas. Sua esposa recebeu a homenagem e falou um pouco sobre o significado das lutas travadas por seu marido: “Antônio era um arquiteto com projeto político de cidade e morreu por isso. Morreu por ser arquiteto e urbanista.” Por fim, ela pediu que o ENSA aprovasse uma moção em defesa da federalização da investigação do assassinato de seu marido, visto que já se passaram 10 anos com a investigação realizada em nível estadual sem resultados.

“Estamos no fim de um ciclo e início de outro”

        Assim começou a palestra da Professora Ermínia Maricato, da USP. Ela se referia à luta pela Reforma Urbana, que no Brasil entra agora em sua terceira fase. Para introduzir o raciocínio que desejava desenvolver, a professora afirmou que na Europa, ao contrário do que ocorre no Brasil, muitas propriedades rurais não possuem cercas nem muros e há um controle absoluto e rígido dos Estados sobre o espaço.

 

        Em seguida, ela afirmou que no Brasil 10% da população concentra hoje 75% de toda a riqueza porque nos últimos anos houve queda da renda do trabalho e aumento da concentração de riqueza. “A distribuição de renda não é suficiente para fazer boas cidades. É preciso distribuir terras e imóveis”, pontuou. Mais uma vez, trouxe para o debate o exemplo da Europa, afirmando que na Holanda não existe latifúndio, o planejamento não faz distinção entre urbano e rural e as leis são de fato aplicadas.

 

        “Temos que inovar porque uma parte significativa da nossa sociedade está fora da lei hoje: São Paulo tem de 1,5 a 2 milhões de pessoas vivendo dentro de áreas de proteção aos mananciais, mas isto é invisível porque a única coisa que conta é o mercado imobiliário. No Rio, 50% dos imóveis são ilegais”, problematizou.

 

         Depois, ela falou sobre os diferentes estágios do debate da Reforma Urbana até os dias de hoje. Afirmou que em 1963 os arquitetos fizeram uma proposta de Reforma Urbana centrada na questão da terra, mas ela foi por água abaixo com o golpe de 64. O segundo ciclo do debate sobre a Reforma Urbana se inicia em 1979, por iniciativa da Igreja, que dá o pontapé inicial nas discussões que levaram à criação do Fórum Nacional de Reforma Urbana, espaço importante porque foi capaz de reunir políticos, pesquisadores e entidades. Nessa época, algumas prefeituras fizeram sucesso graças ao know-how que adquiriram em termos de urbanização de favelas. Todos invejavam o movimento pela Reforma Urbana, cuja questão central ainda era a terra, razão pela qual lutamos pelo Estatuto das Cidades. Graças a esse período, temos uma série de conquistas consagradas em leis e planos – que nem sempre são aplicados. Apesar de tudo isso, a professora avalia que fomos derrotados no debate da Reforma Urbana: “percebi isto quando vi que o ‘Minha Casa, Minha Vida’ causou impacto. Alguns movimentos sociais de luta pela moradia se aliaram aos empresários da especulação imobiliária para ampliação do teto mínimo do programa. Temos planos sem obras e obras sem planos, além de problemas imensos porque os municípios têm muito poder na questão da habitação e o governo federal está transferindo dinheiro para a especulação imobiliária através de seu principal programa para a pasta. Nós temos um papel fundamental na transformação desse estado de coisas. Querer transformar liderança em intelectual não dá. Movimento social tem que se mobilizar, e não dizer como a prefeitura tem que fazer para resolver o seu problema. Temos que fazer cumprir o Estatuto das Cidades.”