Nessa tarde me vem à memória o verso de Drummond no “Canto ao homem do povo Charlie Chaplin”: “Como quem oferece uma flor ao inventor dos jardins”. Sob o sol, Brasília estendeu as mãos repletas de silêncios, de carinho, de acenos, ao homem que nos habituou a considera-lo imortal. Para dizer-lhe que ele tinha razão. Sim: Oscar Niemeyer é imortal. Enquanto houver uma construção humana que se possa chamar de Civilização Brasileira será lembrado seu nome, seu traço, seu talento, sua desmedida capacidade de invenção.

 

O cortejo se deslocou da Base Aérea de Brasília até ao Palácio do Planalto. O féretro transportado por um carro do Corpo de Bombeiros, num ritmo lento, como convém a quem vem se despedir. Aqui não prevalece o tempo digital, penso. O tempo da vertigem. Aqui, o que conta é o tempo da contemplação. Quando a criatura alada erguida sobre o traço leve de Lúcio Costa, vestida do verde intenso deste dezembro, se curva diante do corpo do homem que lhe moldou a fisionomia.

 

Da janela do micro-ônibus que me transporta com alguns familiares e outros companheiros do Governo do Distrito Federal, registro, ainda na via de acesso a Aeroporto Presidente Juscelino Kubistchek, um operário que desliga o motor da pequena escavadeira em que trabalha, sobe na máquina, talvez para melhor visualizar o féretro sobre o carro do Corpo de Bombeiros, tira o capacete e saúda o corpo que passa. Penso: essa terá sido, sem dúvida, uma das mais significativas manifestações de reconhecimento para um homem – um militante comunista – que dedicou vida e talento para criar beleza tendo como referência permanente o mudo do trabalho.

 

No Eixão Sul, o verde devora o verde, sob as fogueiras do sol das duas da tarde. Abrigados sob as árvores cidadãos e cidadãs de Brasília, crianças, idosos, jovens, se alinham ao longo do gramado para saudar o corpo de Niemeyer. Aqui uma senhora ergue os braços numa prece para um homem que se afirmava ateu; mais adiante uma jovem que busca o ângulo para capturar a imagem do cortejo pela câmera do celular e enviar essa imagem instantaneamente para as redes sociais; ali um senhor de cabelos brancos – um pioneiro, talvez – se curva com a mão no peito; cabelos longos, barba, um meia-oito típico improvisa com uma camiseta vermelha uma bandeira vermelha para saudar com o punho erguido, o homem que passa. Assim, diversa a gente do povo expressa carinho, admiração, respeito.

 

O desmedido sol dos cerrados, um sol que cega, mal nos permite fixar os dedos brancos da Catedral erguidos para a transparência do céu. No candelabro os sinos dobram à passagem do corpo que um dia concebeu sua leveza contra o azul e a entregou ao cálculo do poeta invisível – Joaquim Cardozo – capaz sustenta-la diante do espanto dos olhos do mundo.

 

Cumpriu, este homem, que desafiou o século, venceu as fragilidades da vida, prolongando-a; que desafiou os limites da física para criar uma cidade que flutua no ar; que reinventou a curva inspirado na paisagem e nas mulheres do seu país, a promessa que sempre fez a si mesmo: “Na vida, o que vale é o espanto”.

 

Brasília, 15 de dezembro de 2012.

Hamilton Pereira – Secretário de Cultura do Distrito Federal