Vai-Vai quer trocar o Bixiga pela Cracolândia
Escola de samba deseja revitalizar a região com a construção de uma quadra para 4 mil pessoas
Até a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, a Vai-Vai planeja construir na Cracolândia uma quadra para quatro mil pessoas (na atual, na Bela Vista, cabem 800 pessoas), que vislumbra ser um marco na revitalização da região. Há menos de uma semana, a escola de samba montou um grupo composto por arquitetos e engenheiros com o objetivo de produzir um estudo que será entregue à Prefeitura e ao governo estadual no começo de abril. O motivo da saída da agremiação da Bela Vista é a construção da Linha 6-Laranja do Metrô, que passará perto da atual quadra da escola.
Não é a primeira vez que um projeto pretende revitalizar a Cracolândia. Muitas outras tentativas frustradas já ocorreram. Em 3 de janeiro de 2012 foi lançada a Operação Integrada Centro Legal, uma parceria entre Prefeitura e governo do estado com ações de agentes de saúde e sociais, Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana. A operação foi uma “requentada” de projeto similar desenvolvido em 2008.
Em 2011 foi a vez do Projeto Nova Luz, lançado pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), com a pretensão de ser a transformação da Cracolândia. O projeto sofreu forte resistência da sociedade civil organizada e acabou engavetado pelo seu sucessor, o prefeito Fernando Haddad (PT), que alegou o alto custo, estimado em R$ 4 bilhões, como principal motivo do abandono. A internação compulsória de viciados organizada por Geraldo Alckmin (PSDB) no início do ano é outro programa que ao menos até agora não diminuiu a presença de usuários na Cracolândia.
Não é a salvação/ Na visão do presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Estado de São Paulo, Daniel Amor, uma das principais razões urbanísticas para o fracasso dos planos que foram implantados na Cracolândia até agora é a “visão de shopping”.
De acordo com o urbanista, os prédios culturais que circundam a Cracolândia, como a Sala São Paulo e Pinacoteca, não se complementam com a rua. “É preciso fazer com que as pessoas deixem os carros em estacionamentos que não fiquem ao lado ou dentro das casas culturais. Desse jeito, quem for assistir a uma apresentação ou fazer uma visitação teria de andar pelas ruas ao redor. Em Milão é assim”, disse Amor.
O arquiteto, porém, ressalta ser necessário uma força-tarefa envolvendo a segurança pública para dar condições de andar pelas ruas sem correr o risco de ser assaltado. Em relação à presença da Vai-Vai, Amor acha a iniciativa válida, porém, não milagrosa. “É preciso ter em mente que nenhuma medida por si só será capaz de solucionar a questão”, disse.
A falta de atenção ao entrocamento ferroviário em volta à Cracolândia é apontada pela coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Urbanas da PUC, Maura Vera, como uma das causas do fiasco das ações de revitalização. Ela, no entanto, acredita que a atual situação não é irreversível. “A presença da Vai-Vai pode contribuir.”
Entrevista
Neguitão_ presidente da Vai-Vai
‘Vai-Vai é muito mais do que Carnaval’
DIÁRIO_ Por que a Vai-Vai terá de sair da Bela Vista?
NEGUITÃO_ Porque a nossa quadra está no trajeto da nova linha do Metrô que passará no bairro.
Como a Vai-Vai se prepara para a mudança?
Contratamos com um grupo de arquitetos e engenheiros civis para fazer um estudo sobre como deverá ser a nossa nova casa. A nossa ideia é entregar o projeto para a Prefeitura e governo estadual no começo de abril.
Por que na Cracolândia?
Porque temos diversos trabalhos sociais. Num espaço pequeno como o nosso atendemos 500 famílias. Num espaço maior, podemos multiplicar esse número. O objetivo da Vai-Vai está além de fazer da nova quadra um reduto exclusivo do samba paulistano. A Vai-vai é muito mais do que Carnaval. A ideia é abrir espaço a ações sociais e culturais em geral, inclusive para a música clássica. Pretendemos fazer uma parceria com o maestro João Carlos Martins. A finalidade será ensinar crianças e adolescentes da comunidade a tocarem instrumentos como violinos, por exemplo. Vamos fazer da nossa nova quadra um reduto cultural, que agregará valor à Cracolândia. Além do mais, não abrimos mão de permanecer no Centro. Sair da Bela Vista já será doloroso. Sair do Centro, impossível.
O que faz a Vai-Vai crer que o poder público doará um terreno à agremiação?
Outras escolas da cidade já receberam terrenos doados pela Prefeitura. Acreditamos que na nossa vez também será seguida a mesma política.
A Vai-Vai já sabe onde será a nova quadra?
Não. O que sabemos é que será na região da Cracolândia, próximo à Sala São Paulo.
Vocês já foram notificados oficialmente pelo Metrô?
Não, mas sabemos que um dia ou outro isso vai acabar acontecendo.
Quando a Vai-Vai pretende se mudar?
Nosso objetivo é de que a escola esteja no novo endereço até o começo da Copa do Mundo. Quem sabe a inauguração seja num jogo do Brasil.
Haddad não sabe sobre a vontade da escola
O prefeito Fernando Haddad (PT) ainda não foi informado oficialmente sobre a mudança de endereço da Vai-Vai, que pretende convencer a administração municipal a doar um terreno para a agremiação na região da Cracolândia. Segundo a Prefeitura, na gestão de Gilberto Kassab (PSD) iniciaram-se conversas informais sobre o assunto. No entanto, desde que Haddad assumiu, as conversações não prosseguiram. Porém, a Prefeitura informou que, quando for notificada sobre a questão, pretende juntar alguns departamentos para analisar o tema, entre eles as secretarias de Planejamento e Habitação, além da São Paulo Turismo.
O Metrô limitou-se a dizer que a responsabilidade pela desapropriação é da iniciativa privada. O consórcio vencedor ainda não foi definido. Para a presidente da Associação de Moradores Apropriação da Luz, Paula Ribas, ainda é cedo fazer uma avaliação do que a presença da Vai-Vai significará para a região.
“Precisamos sentar junto com integrantes da escola de samba e ouvir deles quais são os planos, o que querem fazer na região. Toda tentativa de ajudar (a região) é válida ”, afirmou.