A 5ª. Conferência das Cidades 2013 e o debate da política urbana brasileira.

A 1ª Conferência Nacional das Cidades, de 2003, 10 anos atrás, fundou uma nova dimensão nacional de debates e discutiu os parâmetros para uma Política de Desenvolvimento Urbano integrada às políticas setoriais, dos princípios para a construção do Direito à Cidade, do cumprimento da função social da cidade e da propriedade, do combate à segregação sócio-espacial, acesso universal à moradia digna, ao saneamento básico, ao transporte público e acessibilidade, gestão descentralizada e democrática, acesso à informação, participação social na formulação, decisão, implementação e avaliação dessa política.
Na 2ª Conferência das Cidades aprovou-se o princípio da gestão democrática, da participação e do controle social como uma das diretrizes da política de planejamento urbano. Já na 3ª Conferência Nacional a opção foi avançar na construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, construir Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano e a criação de uma Política de Regularização Fundiária e de uma Política de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos. A 4ª edição da Conferência debateu caminhos na melhoria das políticas públicas para habitação, saneamento, infraestrutura e mobilidade urbana. Restou ainda aprovar a criação de conselhos das cidades, de planos, de fundos e de seus conselhos gestores nos níveis federal, estadual, municipal e no Distrito Federal.
Para essa 5ª. CNC, devemos fazer observações iniciais no sentido de que mais do que avaliações e análises fundamentadas em dados objetivos e analíticos dessa trajetória de 10 anos de Política Urbana, visualizarmos as impressões acerca dessa politica urbana em curso no país, no que pensamos constituir alguns de seus limites e dilemas permanentemente renovados.
O objetivo desse texto, produzido para o movimento sindical dos arquitetos e urbanistas – sindicatos e Federação FNA, certamente não representa maiores novidades para este campo, mas ainda assim, esperamos que ajudem no sentido de formar massa critica a contribuir e acumular para o debate em vista da 5ª. Conferencia das Cidades em novembro próximo.

1. A iniciativa politica e, por consequência, também econômica, da politica urbana no Brasil nesta conjuntura de primeiro governo Dilma Roussef, pós Minha Casa Minha Vida – (MCMV) e PAC2, está mais fortemente ainda, recrudescida, nas mãos das coalizões formadas entre capital imobiliário, proprietários urbanos, grandes empreiteiras e políticos a elas associados e consorciados. O quadro político dessas coalizões se reproduz em escala nos estados e municípios, alimentado que foi apropriação das regras do PMCMV, e pela logica de prebenda (favores e transferências politicamente negociadas) do PAC 1 e 2. E, sobretudo, pelo fato da política urbana efetivamente não ter entrado na agenda da politica publica nacional; ainda que os dois grandes programas anticíclicos e desenvolvimentistas possuam óbvios impactos na estrutura urbana eles não se estruturam como uma politica urbana.
2. O Ministério das Cidades continua e aprofunda ainda mais o seu modelo de atuação por emendas parlamentares, sob controle de uma direção política cada vez mais desimportante e acomodado na lógica conservadora da base aliada, sem capacidade articuladora de qualquer política urbana com estados e municípios, e na mesma toada das politicas e programas setoriais desarticulados e fragmentados com recursos minguantes operados como prebendas;
3. No nível municipal, onde está o embate principal da política urbana, não há embates na política urbana em boa parte dos planos diretores aprovados na última década, como demonstra a pesquisa feita pela Rede de Avaliação de Planos Diretores Participativos, enquanto os instrumentos que poderiam ser apropriados pelo mercado imobiliário foram todos regulamentados para viabilizar sua aplicabilidade, os artigos destinados à combater a acumulação e retenção especulativa da terra e aqueles destinados à moradia dos mais pobres parecem ter sido literalmente esquecidos. Mais recentemente, nessa leva de Planos Municipais de Habitação produzidos para dar acesso aos recursos do FNHIS, na maioria dos casos, salvo raras exceções, os Planos não apresentaram estratégias de política fundiária publica para a viabilização de terras para habitação popular o que na pratica inviabiliza qualquer possibilidade de acesso à terra urbanizada e bem localizada para moradia popular, usando inclusive os instrumentos de política urbana como ZEIS, demarcação urbanística, etc, que muitos Planos previram mas não implementaram.
4. Há que se politizar a luta pela Reforma Urbana – que nunca foi apolítica, mas que parece passar por um período de despolitização recente – o que passa por algumas tarefas, talvez campanhas políticas, como plataformas básicas a serem atualizadas ou renovadas.
5. Para sermos propositivos queremos contribuir com ações e propostas, algumas nem tão originais, mas talvez pertinentes para o debate da 5ª. Conferência das Cidades, e não necessariamente nessa ordem:
· Campanha para que o Ministério das Cidades amplie o seu poder decisório e a incidência politica do Conselho das Cidades nas políticas, programas e ações;
· Campanha para mudar e ajustar os processos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), não só retomar o patamar de recursos anterior.
· Campanha para implantar os Instrumentos de Reforma Urbana como IPTU progressivo e parcelamento, edificação e uso compulsório, e não só aqueles instrumentos que foram e são tradicionalmente apropriados pelas coalizões empreendedoras do capital imobiliário financeiro localmente como operações urbanas e outorgas onerosas. Especialmente destacando a moradia em área central, a regularização de favelas, conjuntos habitacionais e assentamentos precários;
· Campanha para a Implementação de Políticas Fundiárias locais que contraponham as valorizações imobiliárias desmedidas provocadas pelas implantações do PMCMV, e se articulem aos programas de implementação de ZEIS em áreas vazias e ocupadas.
· Campanha para inserir a politica de reforma urbana na pauta das eleições de 2014, como fez o Fórum Nacional da Reforma Urbana em eleições anteriores especialmente as municipais;
· Campanha pela Implementação da Lei 11.888/08 da Assistência Técnic
a Publica e Gratuita na perspectiva de um Programa Nacional de Assistência Técnica de envergadura nacional;

· Fortalecer a pauta de politicas metropolitanas integradas voltadas não só para planos metropolitanos, (como vimos a experiência recente interessante do Plano metropolitano de BH coordenado pelo CEDEPLAR/UFMG), mas para a gestão dos recursos voltados ao desenvolvimento urbano na escala metropolitana operando serviços e equipamentos no âmbito regional de forma cooperada;
· Enfrentar, criticamente, o debate da Lei federal recentíssima que cria critérios para criação, desmembramento e fusão de municípios, que vai estimular mais de 150 novos e artificiais municípios. Propor uma estratégia para os pequenos municípios (mais de 4.000 mil) com alternativas de apoio às iniciativas embrionárias de planejamento urbano e politica fundiária e habitacional, com destaque para aqueles turísticos com base no patrimônio histórico e ambiental;
· Articular no âmbito da CUT, por meio da Plataforma de Programa de Governo, oferecida pela Central em 2010 e que se renova em 2014 uma cobrança das lideranças quando a presidente Dilma homologou sua candidatura à presidência pelo PT destacou explicitamente como um de seus pontos programáticos seu compromisso com a “continuidade” de implementação de uma reforma urbana no Brasil.

Por fim, esta 5ª. Conferencia das Cidades é oportunidade para cobrarmos a reafirmação desse compromisso de implementar a Reforma Urbana Já, antes que se apresente mais uma leva de projetos que possam apenas passar exclusivamente pela ampliação e eventual requalificação dos programas MCMV e PAC.

Ângelo Marcos Vieira de Arruda
Professor de Planejamento Urbano e Regional da UFMS
2. Vice Presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas – FNA