Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e da Universidade de Campinas, Ermínia Maricato é uma das principais referências do debate sobre reforma urbana no Brasil. Ministra adjunta das Cidades entre 2003 e 2005, primeiros anos do governo Lula, é autora de diversos artigos e livros sobre a questão, e recentemente teve um deles incluído na coletânea Cidades Rebeldes, livro editado pela Boitempo com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo e que aborda alguns dos aspectos das chamadas “Jornadas de junho”, as enormes manifestações que tomaram conta do Brasil durante a realização da Copa das Confederações da Fifa.
Para desenvolver alguns dos pontos abordados neste artigo e também analisar a atual conjuntura da questão urbana no Brasil, cenário tornado ainda mais completo por conta dos megaeventos que o país sediará, Maricato recebeu a reportagem da Fundação Rosa Luxemburgo em uma padaria de São Paulo, onde acabara de tomar café da manhã com suas colegas de Tai Chi Chuan. De lá, suas amigas seguiriam para uma sessão de meditação; a sua, felizmente, Ermínia compartilhou conosco.
É possível afirmar que a questão urbana explodiu nas ruas em junho?
Olha, eu acho que a questão urbana tem um papel muito importante nesse cenário por vários motivos. Primeiro porque ela está sendo ignorada há décadas – nós tivemos um período dourado durante a primeira década do PT, com as prefeituras conquistadas pelo partido num momento em que chegavam no Brasil os impactos mais fortes da globalização neoliberal, período de recuo nos investimentos em políticas sociais. As prefeituras petistas representaram uma bolha de mudanças nas prioridades, no poder local. Porque a gente não tinha nenhum poder em outras esferas de governo, era local. E no local houve coisas muito interessantes. Mas o fato é que a partir de um certo momento, da eleição do Lula, isso precisa ser estudado melhor mas parece que a questão local desapareceu como esfera importante de luta social.
Para os movimentos sociais também?
Assim como os partidos de um modo geral, os movimentos sofreram um processo de institucionalização e ao mesmo tempo de subordinação a uma forma atrasada de fazer política. É muito difícil você superar essa marca patrimonialista e clientelista no Brasil, a política do favor é a forma universal por aqui, é a relação universal.
A cidade foi um espaço importante da luta de classes, foi o espaço por exemplo de sustentação das greves operárias do final da década de 1970, esse período de formação dos novos partidos, centrais sindicais, centrais de movimentos sociais – em contradição com o movimento internacional que recuava, aqui no Brasil na década de 1980 a gente estava ganhando espaço. Finalmente a gente derrotou a ditadura, e tivemos esse período rico de política urbana. Mas ele realmente acabou, a ponto da gente poder dizer que as cidades foram assaltadas pelos capitais, pelos interesses diretos da reprodução do capital e da acumulação de capital. A partir de 1980 o que se desenvolveu no Brasil foi o agronegócio, a globalização começou a tomar conta no Brasil a partir do campo. Esse campo foi conformado para produzir commodities. Mas as cidades não, elas se tornaram presas desses capitais na década de 1980.
E essa questão do campo também teve papel nisso, não?
Isso eu não sei te dizer. O que eu sei é que pra você superar o atraso do Brasil você precisa fazer uma reforma que envolve terra, no campo e na cidade. Mas eu não sei se há uma ligação direta entre os capitais do campo e da cidade, isso eu não vejo claramente. O que eu vejo é que você tem o agronegócio, com as grandes multinacionais de agrotóxicos, toda a indústria química, o financiamento em cima de grãos, carne, celulose, etanol, grandes interesses multinacionais, e que você tem na cidade primeiro o interesse de um capital nacional, que está e sempre esteve no mercado imobiliário. Existem estudos que mostram que há uma abertura de capitais na bolsa e que há uma entrada de capital internacional, mas ainda não posso dizer que o capital internacional entrou rasgando nas cidades brasileiras. Quando você pega o que são as megaobras, que acontecem em áreas que não são prioritárias e que esfolam os fundos públicos, você vê capital nacional, é isso que é engraçado. É Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Gafisa. Você tem uma presença nacional muito forte na área de construção, infraestrutura e edificações. Mas talvez a gente possa dizer que outro ponto desse fenômeno é a prioridade ao automóvel, com exoneração fiscal. Então aí você pode falar que isso é favorecer multinacional, mas também tem o interesse das centrais sindicais. E a indústria automobilística interfere em apenas 15% do PIB.
É um cenário em que as empresas financiam os gestores estatais pra que eles depois viabilizem essas obras que, como você mesma disse, não são prioritárias para o povo.
Eu acho que é tão grande o Caixa dois no Brasil… Claro, o principal é o financiamento de campanha, mas ele deve servir pra muitas coisas. Agora que a gente está vendo essa concorrência da Siemens e da Alstom, do Metrô, estamos vendo é que existe uma gordura de 30%, um acréscimo de 30% pra poder fazer o negócio. Se isso for um padrão, se eu pegar na tarifa do ônibus, na limpeza pública, é muito dinheiro. E aí os caras ficam falando que precisa cortar despesa pública. O discurso da mídia mainstream é inflação, é cortar políticas sociais, previdência social, e ninguém olha pra esse ralo que é gigantesco. Da onde o Estado brasileiro vai tirar pra ampliar aquilo que os movimentos estão exigindo, que é mais política social? Olha, a partir de junho muita coisa já aconteceu. Você pode instituir corredores sem gastar muito dinheiro, você pode melhorar a circulação sem mexer necessariamente em grandes rubricas orçamentárias, você pode instituir programas sem maioria na Câmara. Claro, pode ser que um prefeito que faça isso não se eleja mais. Porque a Erundina não se elegeu mais como prefeita. Mas as nossas marcas daquela época estão ai até hoje, é interessante ver como isso sobrevive.
A tarifa zero, por exemplo.
É, é impressionante! Tudo que a gente fez tá de volta, como paradigma. Então o que é melhor: você fazer acordos pra se reeleger e fazer política social ou você não se reeleger e isso ficar na memória coletiva como algo a ser conquistado?
E, aparentemente, esses problemas que não foram enfrentados há vinte anos agora estão cobrando a conta, não é?
Exatamente. Eles estão aí. Tem muita gente daquela época no Conselho da Cidade, e estamos de volta com as propostas, com as experiências que a gente fez. Pra mostrar que dá pra fazer direito à cidade, direito à arquitetura, outra política de saúde. Você tem uma discussão no Brasil, mesmo no setor sindical, que não consegue enxergar a cidade como espaço da luta de classes. A luta de classes pra eles é só capital versus trabalho, no chão de fábrica. E de repente eu vi tão claramente tudo aquilo que eu tinha estudado na academia, meu doutorado está fazendo trinta anos: Manuel Castells falava que cidade é reprodução da força de trabalho, por isso é espaço por excelência dos movimentos sociais. Ela não é só isso, ela é espaço de luta capital versus trabalho. Você vê claramente agora: um túnel que o ex-prefeito deixou licitado e que não passa ônibus, só automóvel. E custa três bilhões de reais. É metade do orçamento da secretaria municipal de saúde! Ou é túnel ou é saúde!
Mas você vai falar bom, mas isso não é luta capital-trabalho. É sim. Porque aumento de salário não traz saúde coletiva, não traz saneamento básico pra todo mundo. Então na cidade essa infraestrutura, esses serviços coletivos, são uma espécie de uma complementação salarial, é uma reprodução ampliada da força de trabalho. Se eu tiver distribuição de renda e salários maiores isso não resolve o problema do saneamento que todo mundo precisa, da água que todo mundo tem que tomar, do afastamento do esgoto, da despoluição dos rios…
Então essa já é um pouco uma resposta para quem olha de longe e se pergunta por que as pessoas estão revoltadas no Brasil se a economia, na teoria, vai bem.
Se você não fizer certas reformas não adianta. O que era a reforma urbana – um movimento que infelizmente ficou velho precocemente – cuja proposta vem de 1963? É a questão fundiária, imobiliária, é o controle do Estado sobre o uso do solo, sobre a produção do espaço. E você não tem – e isso ficou invisível de repente. Eu fiquei perplexa, o que aconteceu com nossa luta de mais de trinta anos? Simplesmente o capital imobiliário tomou conta de um jeito que ninguém enxerga.
E é interessante ver como no Brasil essa coisa, capital imobiliário, é tomada como desenvolvimento. O aumento do preço da terra é desenvolvimento? Isso é especulação rentista fortíssima. Então isso empobrece todo mundo, especulação rentista não é nem aquele capitalismo central, que tem alguma eficiência, entre aspas, na reprodução da força de trabalho, na reprodução do capital. Aqui não. De vez em quando você tem assaltos. As cidades são tomadas por interesses privados tão disparatados que às vezes contrariam o próprio interesse da reprodução do capital. Quem é que quer um transito como esse daqui de São Paulo? A quem ele favorece senão apenas à indústria automobilística? Porque o custo dele é altíssimo, como agora está aparecendo. Em vidas, em tempo, em poluição, em saúde, em saúde mental inclusive, tudo isso agora está aparecendo.
Agora, na hora em que o governo federal desonerou a indústria automobilística ele condenou as cidades. Mais ainda. Porque parte do destino trágico tomado pelas cidades é municipal, pela Constituição brasileira, mas a exoneração dos automóveis ela é federal. Os governos municipais, estaduais e federal não enxergam as cidades, puta que pariu! E não enxergam por que? Por que é uma questão que está fora da luta de classes, fora da questão do desenvolvimento? Ela está no centro!
Em qualquer das perspectivas?
No centro! Reprodução da força de trabalho, está no centro. Quanto da força de trabalho está nas metrópoles e está dependente de um bom transporte público? Pela desoneração dos produtos desindustrializados e pelo aumento do salário eles podem comprar carro ou moto, mas não podem melhorar a vida. É uma cidade que está criando neurose coletiva, criando pessoas doentes, está tudo cientificamente comprovado. Inclusive segundo o Paulo Saldiva está diminuindo o tempo de vida! Enquanto na história do Brasil nós estamos aumentando a expectativa de vida, a metrópole de são Paulo está mostrando que graças a essa ausência de uma política voltada para o interesse da maioria ela está diminuindo o tempo de vida das pessoas. Então tem muita gente que me fala que a vida melhorou, para eu olhar os indicadores. Não é verdade, é só ver os dados. É preciso entrar na questão urbana.
E você acha que junho coloca as questões em outros termos?
Eu às vezes sinto que a reforma urbana virou um fetiche, agora por exemplo ela foi colocada no documento que o PT soltou recentemente, ela virou um fetiche. Ninguém sabe muito bem o que ela é. Virou uma palavra de ordem. Por isso acho que a gente tem que desmontar isso pra ir de novo ao que interessa. Infelizmente, com esse boom imobiliário que tivemos os pobres foram empurrados pra fora da cidade, estamos inaugurando uma nova periferia, inclusive na área de proteção a mananciais. O que é uma das piores coisas que a elite brasileira construiu, a ocupação de áreas que são estratégicas pra vida da metrópole, como a água que a gente bebe. Mas pra elite tudo bem, contanto que ela mantenha um mercado altamente especulativo pra poucos tudo bem jogar o povo pra fora. Em São Paulo estamos falando de 20% da população em favelas e loteamentos ilegais, em certas metrópoles brasileiras isso passa de 50%. Então às vezes não é exceção, é regra. Mas toda legislação urbanística trabalha com a cidade formal, a cidade capitalista – capitalista em termos, patrimonialista. E é muito difícil na discussão urbanística aparecer isso, a parte do ilegal e de como ela vai entrar na cidade, porque você tem que quebrar a organização desse mercado, a taxa de lucro dele, etc. Porque você não vai incorporar os pobres que caem fora da cidade sem que você transforme ela.
E a partir de junho nós conquistamos coisas que eu estou perplexa disso ter sido possível em tão pouco tempo. Só na área de transporte na cidade de São Paulo nós conquistamos: os vinte centavos da tarifa, uma CPI dos transportes, a suspensão de uma licitação que tivemos sorte de estar em aberto quando estourou, teve o cancelamento desse túnel criminoso e imobiliário, que não tem nada a ver com a mobilidade da cidade, só tem a ver com financiamento de campanha, e também o prefeito adotou uma auditoria internacional sobre a tarifa, além da instalação de corredores de ônibus ter sido apressada.
No Rio de Janeiro tivemos duas conquistas que para mim foram fantásticas, quem diria alguns meses atrás que isso iria acontecer. A privatização do Maracanã não é só a privatização do estádio, era também a demolição de dois parques esportivos que servem a moradores do entorno, renda média e baixa. Ia ser destruído isso, e o governo voltou atrás. Isso é de uma importância enorme, é mais um assalto que evitamos. E finalmente a Vila Autódromo, esse governo que ele sim é vândalo, isso é um governo de vândalos, também desistiu da remoção dos moradores. É um processo de gentrificação a toque de caixa feito pelo Estado, no Rio de Janeiro mais de cem mil pessoas estão sendo transferidas do centro pra periferia.
Estou impressionada, é muita coisa que se conseguiu. Depois de anos vendo só o aprofundamento desse controle sobre a cidade, desse poder maluco de rapinagem, agora as coisas começam a mostrar ganhos fantásticos. Mudou comandante da polícia, da UPP, é muita coisa. Onde vai dar eu não sei. É natural que tenha algum refluxo, mas por enquanto não está tendo, esses novíssimos atores não pararam. É uma moçada muito diferente da minha geração. A minha geração queria pensar holisticamente: grandes reformas, a revolução socialista, o apocalipse… Essa moçada não, ela elege coisas pontuais mas que não são pontuais, a repercussão é bárbara.
No seu artigo publicado no livro Cidades Rebeldes você classifica o papel dos megaeventos como o de jogar lenha na fogueira.
Tem muita gente que está combatendo a Copa como se ela fosse a responsável por tudo. Na verdade, é como se tivéssemos um paciente já doente: o megaevento só aumenta a febre. Eles são mais um álibi pra aprofundar esse projeto de cidade.
Em relação aos protestos e às mobilizações, a Copa talvez tenha ganhado um status próximo ao do transporte, não acha? Ou seja, são reivindicações pontuais mas que destrincham uma série de problemas complexos e profundos, você fala de Copa mas fala também de especulação imobiliária, corrupção, privatização do que é comum, violência policial…
A Copa em qualquer lugar do mundo produz elefantes brancos, que depois todo mundo fica discutindo o que fazer. Na África do Sul existe uma discussão sobre a implosão de estádios! Veja bem, um país com uma população incrivelmente pobre, com lugares em que não se tem água, você constrói um estádio pra depois implodir? Na China ninguém sabe o que fazer com o Ninho de Pássaro. Então você tem um tsunami de capitais que vêm, engordam e vão embora, deixando essa herança. Em Natal destruíram um estádio que já tinha capacidade ociosa para construir um com o dobro de tamanho. Não é tudo muito evidente? Acho que a gente precisa pensar também na fabricação de alienação, porque ela é muito forte.
Mas é interessante, porque no começo essa fabricação pode ter funcionado, as pessoas comemoraram a escolha do Brasil pra Copa e do Rio pras Olimpíadas, mas isso acabou em junho, o governo ficou constrangido internacionalmente com o tamanho dos questionamentos e protestos…
O questionamento aí veio com essa coisa mais geral também, porque quando o questionamento era das pessoas atingidas pela Copa isso não estava aparecendo. Porque, olha, tinha ações no Brasil inteiro. Enquanto você não tem uma amarração geral em cima dessas questões elas não aparecem, quem é que quer saber se os programas da Copa estão desalojando cem mil pessoas? Agora quando não existe mobilidade na cidade isso não é problema de um nem de dois, é de todos, inclusive da classe média que anda de automóvel.
Um dos argumentos utilizados pelos defensores dos megaeventos é a questão do legado, a defesa de que eventos desse porte são uma oportunidade para se fazer melhorias nas cidades. Dava pra ser de outro jeito?
Dava, em algumas coisas dava. No Brasil nós não fizemos nada em relação a transportes urbanos nos últimos trinta anos. Eu estive no Ministério das Cidades no governo Lula, e a gente conseguiu retomar o financiamento de habitação e saneamento. Mas não retomamos transporte urbano. Não era visto como prioridade, nem como uma questão nacional, a competência é municipal. O transporte urbano foi retomado a partir da Copa, mas não pra produzir aquilo que a cidade mais precisa. E você vê isso nos outros países que tiveram Copa e Olimpíada no mundo periférico, você enxerga claramente que o transporte não é o principal. Desde 1980 nós estamos retomando essa discussão só agora.
Eu ouvi alguns atletas falarem na importância do legado, de você criar uma política de esportes na periferia, o que é fundamental pois o jovem da periferia vive exilado por falta de mobilidade, e dentro desse exílio ele está confrontado pela polícia violenta e pelo narcotráfico de outro lado. É uma coisa que vários filmes estão mostrando agora. Mas esse legado dos grandes estádios não passa por isso.
E nem mesmo as promessas feitas, que já não davam conta desses aspectos, estão sendo executadas. Ligação entre aeroportos e centros das cidades por exemplo, fora os estádios a impressão é que nada foi ou será feito.
Nem isso. Eu vi isso na África do Sul também, era incrível o número de pessoas andando a pé, um terço das viagens. Você vê pessoas nos acostamentos andando, e eles saem de favelas que ficam no meio do mato, você nem vê. A invisibilidade das favelas e dos pobres era uma coisa estratégica na política do apartheid e continua presente. Lá essa população que anda no acostamento não mereceu a prioridade da Copa, era hotel-aeroporto-estádio. E eles já pegam esses países como os nossos, pegaram a Grécia, vão pegar Rússia, Catar, que é pra fazer um assalto bem feito mesmo.
No fim das contas os únicos legado são os estádios e a militarização?
É, mas não só. Você tem gentrificação, é só olhar o entorno do Itaquerão, é bárbaro o que está acontecendo. É dinheiro público sendo colocado num projeto que todo mundo pensou que a iniciativa privada fosse pagar e não está pagando e ainda está inflacionando o preço de tudo em volta, começando, claro, pela base fundiária. Ela fornece uma base para o aumento de tudo, e para a expulsão. E isso dava pra ver nos outros países. Então você tem construção de megaobras, de infraestrutura, capital imobiliário, gentrificação, fornecedores de equipamentos…
No artigo do livro você comenta também sobre o aumento no preço da terra em cidades como São Paulo e Rio da Janeiro. Em São Paulo houve aumento de 153% entre 2009 e 2012, e no Rio de 184%. Até onde isso pode ir? Pode haver a explosão dessa bolha como aconteceu nos Estados Unidos e na Espanha por exemplo?
Os números são muito altos, realmente é possível que a economia e a sociedade não suportem. Mas isso está fora da discussão dos economistas, eu vejo as discussões sobre inflação e nunca vi ninguém falar sobre. Vejo aqui na Vila Madalena: abre loja, fecha loja, reformam, ficam dois, três anos e vão embora, porque o aluguel é um negócio bárbaro. Um lojista chegou a colocar um cartaz na porta: “Não resistimos ao aumentos dos aluguéis”. Tem um restaurante aí que paga 25 mil reais de aluguel, restaurante “alternativo”. Aumenta o preço dos alugueis, estacionamento, cafezinho… e ninguém fala de inflação? Não tem nenhum economista que olha a questão fundiária e imobiliária?
Você falou que o movimento da reforma urbana ficou velho. Acha que agora está colocada a possibilidade de repensá-lo e avançar?
Eu acho que com essa moçada nova claro que está colocada uma perspectiva da luta urbana avançar para um novo capítulo, uma nova condição, acho que é óbvio que isso vai acontecer. O que vai acontecer com o antigo movimento de reforma urbana, que eu fui uma das pessoas que ajudou a fundar, eu não sei. Porque não é só isso que está em discussão, são os partidos. E mais importante até talvez do que vai acontecer com o movimento de reforma urbana é o que vai acontecer com o PT, que é um partido muito importante na cena brasileira. E eu não tenho a menor ideia, não consigo nem pensar as hipóteses.
Mas eu estive em algumas dessas manifestações e fiquei encantada, é muito criativo, muito alegre. Eu vi samba da reforma agrária, da reforma urbana, tinha uma música da segurança alimentar que falava que eu queria falar, achei incrível, nunca pensei que eu pudesse ter tanta identidade com gente com menos de vinte anos como tive nessas manifestações.