A jornalista Conceição Freitas vem dedicando em seu blog, no Correio Braziliense, inúmeras críticas ao Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). Confira o último texto da autora com o título  “As espertezas do PPCUB”


“Depois de atravessar as 86 páginas do PPCUB, o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, na versão apresentada no site da Câmara Legislativa, e as dezenas de planilhas da versão disponível no site da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedhab), fiquei com duas fortes, contraditórias e sucessivas impressões. A primeira: que bela defesa dos princípios que fundamentam o projeto do doutor Lucio. A segunda: Acho que estão querendo nos enganar.

Por certo, os autores do texto do PPCUB têm muito nítido o ideário urbanístico de Brasília e têm mais nítido ainda o mapa das possibilidades de explorar ainda mais o tesouro territorial da área tombada. Em mais de dois terços do texto, o projeto se apresenta como um instrumento, que, finalmente, vai proteger Brasília da insanidade da especulação imobiliária e da negligência dos sucessivos governos.
Pois vejam: já no Capítulo III, o Dos princípios do plano, o projeto assegura o “reconhecimento do valor patrimonial do sítio urbano de Brasília pela singularidade da sua concepção urbanística, da sua expressão arquitetônica e paisagística, da qual decorre sua condição de bem cultural tombado”. Logo adiante promete “controle da evolução do Conjunto Urbanístico de Brasília e áreas próximas da Bacia do Lago Paranoá, tendo em vista as características fundamentais do Plano Piloto”.

A retórica se repete à exaustão, como um mantra de um pretenso monge protetor da cidade tombada. Páginas e páginas, artigos e artigos, parágrafos e parágrafos cantam a música que os ouvidos brasilienses gostam de ouvir: a de defesa inegociável das características fundantes do sítio tombado. O texto chega às minúcias no suposto desejo de proteger o patrimônio da humanidade. Inclui, no item IX do artigo 14, do capítulo 2, ‘a identificação e valorização de vestígios de antigas fazendas e ocupações nas AE (área de entorno) anteriores à construção de Brasília.’

Bela viola, pão bolorento. Ou, como denunciou o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-DF) em manifesto divulgado na semana passada: ‘As normas relativas à preservação foram isoladas em inócuas declarações de princípios, sem nenhuma efetividade legal, deixando-se os artigos mais eficazes para a promoção das alterações de interesse de segmentos econômicos’.

O IAB aponta as mais graves das alterações propostas pelo PPCUB: loteamento do lado oeste do Eixo Monumental; privatização, por meio de concessão pública, de lotes da Unidade de Vizinhança destinados a escolas e equipamentos públicos; manutenção da 901 Norte, desconhecendo os pareceres do Iphan a respeito; e transformação de clubes em hotéis na orla do Lago Paranoá, que darão lugar a condomínios fechados.

O mais surpreendente, para esta leitora do texto do PPCUB, foi perceber que, quem propõe as alterações mais devastadoras ao sítio tombado, conhece Brasília como a palma da mão e sabe, muito bem, utilizar os conceitos substantivos que ergueram a cidade para tentar tirar dela o proveito que a voracidade imobiliária e política tanto espera e pela qual tanto negocia.”

O IAB já havia se posicionado sobre a audiência pública que discutiu o tema, no dia 17 de outubro de 2013. Leia a nota:

MANIFESTO À AUDIÊNCIA PÚBLICA DO PPCUB 17 de outubro de 2013

O PPCUB está em vias de ser transformado em lei sem que a população conheça seu conteúdo e seja suficientemente informada sobre seus efeitos.

Na verdade, o atual projeto do PPCUB trata menos da preservação das características que elevaram o Plano Piloto ao patamar de Patrimônio Cultural da Humanidade do que de criar mais facilidades para a produção imobiliária na região mais cobiçada pela indústria da construção civil no território do Distrito Federal.

As normas relativas à preservação foram isoladas em inócuas declarações de princípios, sem nenhuma efetividade legal, deixando-se os artigos mais eficazes para a promoção das alterações de interesse de segmentos econômicos.

Essa deformação não apenas se afasta da idéia essencial de atender às demandas sociais e culturais da atualidade sem prejuízo da concepção urbanística original, como também acentua os problemas que a concentração de atividades na área tombada provoca.

Ao estimular adensamentos e até promover loteamentos em áreas livres do Plano Piloto, o PPCUB contribui para agravar a concentração excessiva da oferta de empregos e da circulação de veículos, pessoas e cargas na região central, em prejuízo dos demais núcleos urbanos do Distrito Federal.
Dentre outros graves problemas desse projeto de lei, podem ser destacados os seguintes:
 
1.     Loteamento da porção oeste do Eixo Monumental permitindo usos questionáveis como, por exemplo, Centros de Treinamento;

2.     Privatização por meio de concessão pública de lotes da unidade de vizinhança destinados a Escolas e equipamentos públicos dentro das Superquadras e nas Entrequadras;

3.     Transformação de clubes em hotéis na orla do Lago Paranoá que darão lugar a condomínios residenciais fechados com o metro quadrado mais caro de Brasília;

4.     Não há ações concretas para viabilizar e requalificar o acesso público à orla do Lago Paranoá;

5.     Permite a alteração de grandes áreas de forma vaga sem estabelecer parâmetros o que resulta em um cheque em branco para a cidade ser planejada posteriormente por decretos;

6. &nb
sp;   Não atende às recomendações da UNESCO de criar uma gestão compartilhada, instância única de preservação em contato estrito com o IPHAN. Ao contrário cria mais instâncias de conselhos e câmaras técnicas, complicando as decisões estratégicas;

7.     Não estabelece parâmetros para a 901 norte, desconhecendo os pareceres do IPHAN que já se posicionaram quanto às normas ali condizentes;

8.     O GDF ignora, desde início de 2012, a Recomendação 36 da Missão da UNESCO que solicitou a paralisação do PPCUB e sua revisão por comissão com presença da UnB, Iphan, IAB, Icomos e sociedade civil.
 
Por fim, e talvez o mais importante (porque dificulta a compreensão sobre as graves alterações propostas), o PPCUB não apresenta nem ao menos uma tabela comparativa entre a situação atual e aquela que resultaria das alterações de uso e de gabarito constantes do projeto de lei.

Por isso, as entidades e pessoas físicas abaixo assinadas reivindicam a paralisação na tramitação do presente Projeto de Lei Complementar que permita um debate sério e público esclarecendo os porquês e intenções acerca de tantas mudanças que ferem e ameaçam a preservação e a qualidade de vida de nossa cidade.
 
 
IAB-DF – Instituto de Arquitetos do Brasil departamento Distrito Federal
Sinarq-DF – Sindicato dos Arquitetos do Distrito Federal
IHG-DF – Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB
CAU/UCB – Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília
CAFAU – Centro Acadêmico da FAU/UnB
Associação Civil Rodas da PAZ
ICOMOS/BRASIL – Conselho Internacional de Monumentos e sítios
Conselho Comunitário da Asa Sul
Movimento Urbanistas por Brasília
Henrique Oswaldo de Andrade – Produtor Cultural
Profº e Arq. Benny Schvarsberg – conselheiro do CONPLAN – representante da UnB
Arqº Paulo Henrique Paranhos – conselheiro do CONPLAN – representante do IAB-DF
Arqº Alberto de Faria – conselheiro do CONPLAN – representante do CAU/DF