O desenho urbano das cidades, os grandes aglomerados urbanos e a exclusão social, o uso dos espaços públicos e a qualidade de vida são alguns dos temas abordados em entrevista com o arquiteto e urbanista José Vanildo de Oliveira Júnior, conhecido como Oliveira Junior. Mestre em Engenharia Urbana, Arquitetura e Urbanismo, ele é professor no Instituto de Educação Superior da Paraíba (IESP) e sócio da 7S34W Studio – o nome faz referência à localização geográfica de João Pessoa, que há 24 anos trabalha com projetos de Arquitetura, Urbanismo e Design de Interiores.

 

Diretor do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Estado da Paraíba (Sindarq-PB), Oliveira coordena a realização de evento online inédito na área de arquitetura: o Fórum Online de Arquitetura na América Latina – FOAAL, que se inicia na terça-feira (8/9) e vai reunir 32 especialistas de oito países. Confira, abaixo, como surgiu esta ideia.


1. Como você vê o desenho urbano das grandes cidades brasileiras hoje?

 

Historicamente os grandes aglomerados urbanos surgiram em virtude da revolução industrial ocorrida na Europa e que, posteriormente, foi disseminada por todo o mundo. O processo de industrialização desarticulou o modo de produção artesanal que mantinha as famílias vinculadas ao meio rural, e provocou uma evasão em massa da população do campo em buscas de facilidades e oportunidades, principalmente de trabalho, decantadas pelas cidades. Ao longo do tempo a urbe cresceu na mesma proporção em que aumentou a escala de produção dos bens de consumo produzidos pela indústria. Os efeitos negativos da alta densidade populacional dos centros urbanos, especialmente na América Latina, podem ser mensurados pela carência de serviços urbanos de qualidade, por uma infraestrutura ineficiente, pelos desperdícios de tempo nos deslocamentos, pelas altas taxas de criminalidade, pela falta de oportunidades e exclusão social, pela exploração dos exércitos de mão de obra de reserva, etc.

 

O desenho urbano das cidades brasileiras em geral ainda é ditado por políticas públicas que corroboram com a especulação imobiliária, com a gentrificação e com o interesse de pequenos grupos sociais. Nos grandes centros urbanos do país ainda perdura a cultura do automóvel particular em detrimento do uso de alternativas de transporte público coletivo, cicloviário e pedestrianismo. Neste modelo a cidade espetáculo se sobrepõe a cidade para pessoas.

2. Quais os desafios, daqui pra frente, para melhorar o uso dos espaços públicos e a qualidade de vida nas cidades do Brasil?

 

Diante deste cenário que se apresenta, os desafios do desenho urbano nas cidades contemporâneas consistem em promover uma intermediação e uma sincronização entre as necessidades da população e as políticas públicas de planejamento urbano.

 

No Rio de Janeiro, por exemplo, há inciativas públicas como o “Favela Bairro” e o “Morar Carioca” que, utilizaram o instrumento democrático do concurso público de projetos, para se debruçar sobre questões fundamentais para as áreas pobres do Estado como acessibilidade, mobilidade, urbanidade, habitabilidade e cidadania. São Paulo ensaia grandes avanços no planejamento urbano ao incluir o conceito de fachadas ativas no plano diretor, como forma de fomentar a diversidade de usos nos térreos dos novos edifícios, corroborando para a urbanidade e a vida espacial nos bairros da metrópole; e ampliar a malha de cicloviária da cidade e o incentivo aos meios alternativos e sustentáveis de transporte individual.

 

Ainda há muito que se fazer para atingirmos um parâmetro adequado de qualidade de vida e eficiência nas nossas cidades. O custo do desenvolvimento urbano e social passa por uma mudança cultural de uma cidade segregada para uma cidade mais plural, inclusiva e democrática.

 

3. Em outros países da América Latina, como é a preocupação dos governos com planejamento urbano?

 

Os pontos cruciais praticados pelas cidades com melhor desempenho urbano na América Latina consistem, substancialmente, na mudança de paradigmas sobre a aplicação de recursos públicos no desenvolvimento urbano. Cidades como Medellin e Bogotá são referências de que os investimento nas áreas críticas e periféricas das cidades latino-americanas devem ser urgentemente priorizados. Nos últimos anos, por uma mudança de postura e decisão política, essas cidades deixaram de ser referência para o narcotráfico, a violência e a miséria para se tornarem exemplos internacionais de boas práticas de planejamento e desenvolvimento urbano por aplicarem os maiores recursos públicos municipais em áreas pobres e alto risco social. Com a implantação de equipamentos públicos nas áreas mais vulneráveis dessas cidades ocorreu uma significativa elevação na qualidade de vida da população em geral.

 

4. Como surgiu a ideia de realizar o Fórum Online de Arquitetura na América Latina – FOAAL?

 

O FOAAL surgiu como uma evolução natural de uma série de experiências vivenciadas ou assimiladas. Em meados de 2006 observando a ausência de publicações sobre a arquitetura produzida mais ao Norte do Brasil resolvi lancar um blog chamado ArqPB com o intuito de divulgar projetos e obras realizadas por arquitetos do Norte e Nordeste. Na mesma época, passei a acompanhar o Blog Parede de Meia, do professor Fernando Lara, que se dedicava à discussão sobre arquitetura contemporânea.

 

O trabalho à frente do ArqPB acabou me rendendo alguma visibilidade e foi por meio do blog que acabei conhecendo o arquiteto cearense Bruno Braga que me convidou para participar em 2011 do Fórum Jovens Arquitetos Latino-americanos. Durante o FJAL fiz amizade com destacados escritórios de arquitetura brasileiros e de outros países da América Latina como Alvaro Puntoni, Yuri Vital, Al Borde, Estúdio Paralelo, MAAM, Arquitetos Associados, Plan B, Sebastian e Rua Arquitetos. O professor Fernando Lara não pode comparecer ao FJAL e fez uma apresentação gravada em vídeo no Texas que foi enviada e exibida na abertura do evento.

 

Os anos se passaram, as amizades se consolidaram e tive a oportunidade de participar de diversos eventos pelo país e reencontrar muitos dos arquitetos que conheci durante o FJAL.

 

Os últimos meses foram decisivos para a criação do FOAAL. Fui desligado de uma faculdade em que eu lecionava há mais de 10 anos e comecei a observar melhor o horizonte e a buscar oportunidades de como canalizar minha experiência docente e profissional em algo que realmente pudesse me proporcionar grande realização. Foi aí que eu percebi um enorme movimento em direção à educação à distância e a efervescência dos “congressos online”, inclusive sobre arquitetura. Então pensei que seria uma excelente oportunidade de reunir toda uma rede de relacionamentos de arquitetos latino-americanos que eu havia consolidado e convidar novos arquitetos para ampliar essa rede e promover um debate transversal online em escala internacional.

 

A ideia embrionária do FOAAL 2015 não teria ganhado corpo sem a parceria com o amigo e arquiteto Alan Araújo que já havia realizado um “congresso” específico sobre a tecnologia BIM e possui a experiência técnica e logística fundamental para o sucesso do Fórum. À medida em que o Fórum foi ganhando corpo outros colegas se voluntariaram a colaborar, como os arquitetos Pedro Rossi, Daniel Celegatti, Sylvia Jabour e Peterson Brito e os acadêmicos Thálita Zavaski, Vítor Nery, Jackson Mendes, Amanda Costa, Cláudio Coelho e Bruna Macêdo.

 

5. Enquanto professor universitário, de que forma avalia a contribuição dos debates acadêmicos para a formação dos arquitetos e urbanistas do futuro?

 

Dentro de uma ótica pedagógica, os debates são peças chave na formação dos arquitetos e urbanistas por se tratarem de um momento de embate de ideias e estimularem a autonomia crítico reflexiva tão desejada no ambiente acadêmico. Sendo o conhecimento um elemento dinâmico e mutável, e a universidade é o espaço por excelência do contraditório, é por meio do debate que os alunos aprendem a valorizar o embasamento teórico e a experiência prática como ferramentas de persuasão dos ideais e conceitos que fundamentam as decisões de projeto.

 

Com o FOAAL é a primeira vez em que teremos a oportunidade de promover um debate online e gratuito sobre arquitetura em escala latino-americana. Como professor e idealizador, acredito que proporcionaremos um recorte significativo sobre a diversidade da produção arquitetônica e os modos de fazer arquitetura na América Latina e que será bastante útil na formação acadêmicos dos cursos de arquitetura do continente. Trata-se de uma oportunidade ímpar de olharmos para nós mesmos e percebermos o quanto temos de valor a compartilhar em termos de soluções conceituais, espaciais, urbanísticas, tecnológicas e políticas para as cidades latino-americanas.