O Projeto de Lei (PL) 5069/2013, de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) – e endossado pela maioria dos parlamentares – representa um antigo imaginário social construído, e infelizmente mantido até hoje, de obscurantismo em relação às mulheres. Nosso corpo feminino, ao longo dos séculos, foi construído culturalmente como algo que se deve ter “cuidado”, porque pode enganar, trair, seduzir. E, ao exigir das vítimas de estupro a submissão a exame de corpo de delito e registro de boletim de ocorrência para comprovar a violência sexual, é institucionalizada uma visão retrógrada, sustentada também em um pensamento social misógino que visa legitimar esse PL que segue tramitando na Câmara.

 

Acrescenta-se, portanto, uma segunda violência e violação à vítima, justamente das instituições que deveriam resguardar e garantir o respeito a integridade e o reparo aos danos físicos e psicológicos dessas mulheres, retirando o direito pleno à verdade e aos seus próprios corpos, punindo e vigiando os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres brasileiras. Além disso, mesmo quando órgão nacionais e internacionais como, por exemplo, a Anistia Internacional, defenda o aborto seja tratado como questão de saúde pública e de direitos humanos – e não criminalizado – já que, somente no Brasil, estima-se que um milhão de abortos sejam realizados clandestinamente todo ano, vitimando 200 mil mulheres, o Congresso Nacional ainda insista em leis obscurantistas e criminalizadoras.

 

Essa lógica aviltante se circunscreve em uma conjuntura maior de conservadorismo do Congresso Nacional. Há muitos exemplos que revelam essa perversidade política. Já foi aprovado o Estatuto da Família pela Comissão Especial da Câmara Federal, que dificultará as uniões homoafetivas, enquanto ainda persiste a violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais; foi aprovada a redução da maioridade penal – também não importando que o sistema prisional brasileiro não contribua para a reinserção dos jovens na sociedade e que adolescentes em condições sociais vulneráveis serão as maiores vítimas –; também foi aprovada a terceirização da atividade-fim – pouco importando se ao implantar a terceirização trabalhadores receberão menos e estarão em situação ainda mais precarizada – e tantos outros projetos retrógrados. Mas de uma coisa sabemos: não dá para ficarmos mais caladas. Mais ainda: não podemos ficar paradas!

 

Grupo de Trabalho Mulheres na Arquitetura (GTMA),
do Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (SASP)

 

Saiba mais sobre o PL 5069/2013

 

No dia 21 de outubro de 2015, o PL 5069/2013 foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados por 37 votos a favor e 14 contra. A proposta, que tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto, modifica a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual, dificultando o acesso de vítimas de estupro a medicamentos como a pílula do dia seguinte e torna crime o anúncio de meios ou métodos considerados abortivos. O PL foi encaminhado ao plenário da Câmara, onde será votado.

 

Para a Federação Nacional dos Arquitetos (FNA), a proposta é um atentado à liberdade e autonomia das mulheres. A FNA apoia a causa e o manifesto do Grupo de Trabalho Mulheres na Arquitetura (GTMA), do Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (SASP), que discute a questão de gênero. “Temos que colocar em pauta a questão. Embora não se trate de uma questão específica dos arquitetos e urbanistas, atinge todas as mulheres”, pondera o presidente da FNA, Jeferson Salazar.

 

Nos termos do Artº. 196 da Constituição Federal Brasileira, a saúde é um direito universal, sendo, portanto inconstitucional condicionar o atendimento de qualquer pessoa ao serviço Público de Saúde, conforme pretende a proposta. É inconstitucional porque viola a dignidade humana das mulheres no direito ao acesso ao atendimento de emergência. Estupro é agressão e o atendimento de saúde deve ser prioritário ao atendimento policial.