As pessoas querem viver a cidade e não serem engolidas por ela. É nessa perspectiva que o atual presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Estado do Espírito Santo (Sindarq-ES), José Carlos Neves Loureiro, reforça um dos principais desafios do setor: encontrar um novo modelo de planejamento urbano que abrace as pessoas a atenda ao que elas realmente precisam. Em entrevista a FNA, Loureiro defende a inclusão efetiva do profissional de arquitetura no poder público municipal como princípio básico para se pensar e discutir o desenvolvimento urbanístico. Também aborda questões como exclusão socioespacial e mobilidade urbana. À frente do Sindarq-ES, ele defende um modelo de cidade que permita ao cidadão aprender mais, conviver com as diferenças e lutar pelo bem comum. Enfim, perder tempo pode significar ganhar vida.
Como você avalia o atual momento econômico do País, e como isso impacta nos projetos sociais?
Segundo os economistas, o quadro atual da economia brasileira é de estagnação em um contexto mundial de crise, decorrente ainda de sobras da crise de 2008, somada à queda do preço do petróleo e ao aumento da concentração de renda no mundo. O Brasil poderia passar por esta crise de uma forma mais tranquila, considerando as mudanças estruturais implantadas na última década que retiraram o país do Mapa da Fome, fortaleceram o mercado interno e reduziram a taxa de desemprego. Porém, a oposição derrotada nas últimas eleições, com apoio da mídia, do Congresso mais reacionário e conservador da história política brasileira e aliada a interesses internacionais no pré-sal, resolveu aproveitar o momento econômico mundial e vendê-lo como uma crise local resultante de um processo de incompetência e corrupção. Assim, construiu-se um quadro de instabilidade política, medo e ódio, com o objetivo claro de chegar ao poder a qualquer custo. Diante de um quadro como este, é lógico que há um impacto negativo forte na economia do país. O curioso, porém, é que os projetos sociais hoje estão mais ameaçados pelo conservadorismo reacionário que domina o Congresso do que pela crise econômica em si.
Qual é o caminho fundamental para o desenvolvimento urbanístico das cidades?
Esse caminho é o “Santo Graal” que todos os urbanistas estão buscando neste momento de incertezas. Há consenso quanto ao esgotamento do urbanismo racionalista nas cidades hoje, mas ainda não se consolidou um novo modelo de referência. O que tem norteado as novas propostas são diretrizes como a “sustentabilidade” e o “foco nas pessoas” que merecem, de fato, atenção e urgência. Nosso planeta não suporta mais um modelo de desenvolvimento predatório das reservas naturais e a utilização de sistemas infraestruturais poluentes, de alto custo e baixa eficiência. Além disso, as pessoas querem viver a cidade e não serem engolidos por ela. Engarrafamento, poluição, ausência de espaços de convivência e lazer indutores de patologias como estresse, depressão, solidão, etc. são perdas de qualidade de vida que podem e devem ser alteradas por um novo modelo de planejamento urbano.
Felizmente, muitos valores incutidos na nossa sociedade pelo sistema capitalista estão sendo questionados, como “tempo é dinheiro” e “o trabalho enobrece o homem”. Perder tempo nunca foi perder dinheiro e sim vida, e o que enobrece o homem é a educação, a cultura e, principalmente, o amor ao próximo traduzido na solidariedade, no respeito as diferenças e na luta pelo bem comum. O trabalho é apenas uma necessidade. É interessante observar que ideias lançadas no passado estão no centro das discussões atuais sobre o mundo do trabalho e a qualidade de vida nas cidades como, por exemplo, as levantadas pelo manifesto “O Direito à Preguiça” (1880) de Paul Lafargue e pelo livro “Vida e Morte das Grandes Cidades Americanas” (1961) de Jane Jacobs.
Como a entidade está pensando o desenvolvimento urbanístico das cidades hoje?
Ainda temos um passivo enorme de exclusão socioespacial em nossas cidades, que é um grande campo de trabalho para o arquiteto e urbanista. Encontrar formas de atuar neste mercado é hoje, para mim, o maior desafio das entidades representativas dos arquitetos e urbanistas – em especial, dos sindicatos. Alterar este quadro de exclusão significa ganho expressivo na qualidade de vida nas cidades e acessar este mercado significa um aumento de trabalho para o arquiteto e urbanista. Todos ganham.
Como você vê a participação de Arquitetos e Urbanistas nos projetos de planejamento urbanos a longo prazo das cidades?
Para responder a esta pergunta é importante expor o seguinte: Hely Lopes Meirelles, saudoso jurista brasileiro, um dos principais expoentes do Direito Urbanístico, definiu urbanismo como sendo “o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida na comunidade” e cita ainda que “entenda-se por espaços habitáveis todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação e recreação”. O inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal, que determina o que compete aos Municípios, está posto: “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.
Planejamento Urbano é atividade exclusiva dos arquitetos e urbanistas.
O sistema de geo do CAU/BR mostra que 56,85% (ago/2015) dos municípios brasileiros não possuem arquitetos e urbanistas, e nos demais que possuem arquitetos e urbanistas não temos a informação se algum trabalha na Prefeitura. O mais provável, por conta de o poder público não ser obrigado a pagar o piso salarial da categoria, é que a maioria não possua arquitetos e urbanistas no seu quadro de pessoal.
Bom, considerando que urbanismo é uma atividade eminentemente pública, de responsabilidade do Município e de competência do arquiteto e urbanista, para discutirmos a nossa participação no planejamento urbano a longo prazo nas cidades é preciso que primeiro as cidades tenham arquitetos e urbanistas trabalhando no poder público municipal. Da mesma forma que fica difícil discutir atendimento na saúde sem médicos, é complicado discutir planejamento urbano nas cidades sem arquitetos e urbanistas.
Recentemente a FNA apresentou uma proposta ao Ministério das Cidades visando a alteração deste quadro.
Quais são os maiores desafios da mobilidade no país neste momento delicado da economia e quais seriam alternativas viáveis para contorná-los?
A mais importante medida a ser tomada para a melhoria da mobilidade nas cidades é a inclusão no Plano Diretor Municipal de medidas que levem a redução do número de viagens e sob este aspecto, o urbanismo racionalista com a sua separação espacial de serviços e funções está na contramão da solução. Junto a esta medida, outras duas, a meu ver, são fundamentais: a diversificação dos modais de transporte e a priorização por um sistema de transporte público eficiente, não poluente e com tarifa subsidiada.