A necessidade dos profissionais de arquitetura e urbanismo trabalharem com uma ótica mais colaborativa e voltada à coletividade foi a tônica central da segunda oficina preparatória para o seminário “O Futuro da Profissão”, que será realizado em novembro, em Porto Alegre (RS). O fórum deste sábado (17/9) foi mediado pela arquiteta Gislaine Saibro e é uma promoção do Sindicato dos Arquitetos no Rio Grande do Sul (Saergs) e Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) com apoio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR).

Em sua intervenção, a arquiteta e urbanista Flávia Bastiani pontuou a importância de um trabalho colaborativo, que integra mais os profissionais com seus colegas e faça-os pensar na profissão menos com o olhar individualista de artista e mais como um trabalho. Ao narrar um pouco de sua experiência com projetos de interiores, salientou que a ação profissional deve levar em conta o papel de educador do cliente, uma vez que cabe ao arquiteto fazer com as pessoas pensem em suas intervenções na sociedade e reflitam sobre modo de consumo, evitando desperdício. “É um valor da profissão e, especificamente, na arquitetura de interiores. É preciso educar o cliente para um consumo consciente, fazer ele se questionar e saber onde isso impacta na cidade”, afirmou.

Infelizmente, lamentou ela, ainda há muito forte no mercado a ideia de que o profissional de arquitetura e urbanismo é um luxo. “Muitas vezes há uma sobreposição de papéis com profissionais como designs de interiores. Isso acontece principalmente quando os profissionais não conseguem se posicionar”. Segundo ela, os arquitetos precisam se apropriar da bandeira do “eu consigo resolver” e adquirir maior segurança em sua formação. Usando as capacidades técnicas de que dispõem, o profissional conseguirá elevar a categoria. “Precisamos trabalhar de mãos dadas. Não temos como resolver tudo”, pontuou citando a união como o caminho da valorização.

A coletividade também foi alvo da manifestação da arquiteta Camila Thiesen, jovem profissional que tem seu escritório em um prédio em Porto Alegre onde há outros seis escritórios de arquitetura. Com perfil empreendedor, a profissional defendeu parcerias para viabilizar aos novos escritórios acesso a grandes projetos e ressaltou a interação que ocorre nesses ambientes de uso comum. O caminho, citou ela, é a realização de concursos que permitam uma análise criteriosa das propostas e não apenas uma escolha por portfólios. Mais do que colocar os profissionais em uma situação de igualdade, também pode ser uma ferramenta de maior interação com a sociedade e divulgação da relevância da profissão.

Camila ressaltou a importância de se estabelecer parcerias saudáveis de forma a evitar que os arquitetos parceiros aviltem preços ou espremam os colegas assim como fazem os clientes. “Acredito que, acima de tudo, temos que ter otimismo, trabalhar em prol da boa arquitetura e criar uma rede que nos permita um trabalho em equipe maior. Para isso, não precisamos estar no mesmo espaço físico. O arquiteto vai ter que ser multidisciplinar e trabalhar com marketing para que possa passar uma imagem de forma adequada”.

Sobre o futuro da profissão, ela acredita que esteja ligado a projetos de coautoria. “É um momento de dividir ideias e responsabilidades e não tirar corpo fora com relação aos problemas da cidade”. Nesse trabalho, Camila defendeu o fortalecimento de uma rede de arquitetos que aumente o debate sobre a cidade, integrando, inclusive, as diferentes entidades que representam os arquitetos. E lembrou a importância de se pensar em questões simples do dia a dia junto com a sociedade e outros profissionais. Como colaboração citou o impacto do envelhecimento da população brasileira nas edificações nos próximos anos tendo em vista o aumento na demanda por empreendimentos adaptados. E como sugestão desse pensar e agir coletivo trouxe exemplo internacional em que os projetos antes de serem aprovados são debatidos com os vizinhos com vista a minimizar o impacto do novo projeto nas redondezas.

Em seus quatro anos de experiência no mercado, ela diz que ainda não se limitou a uma área de atuação. Fazer diferentes trabalhos seja para o cliente seja para a cidade lhe motiva, porque lhe permite fazer várias coisas. “Assim consigo ter o cliente direto e também buscar atingir a cidade e a sociedade com trabalhos maiores. São coisas que trazem dinamismo”, frisou.

Otimismo também embalou a fala do arquiteto e urbanista Luiz Merino Xavier, do alto de seus 27 de serviço público, com passagem por projetos como o Monumento que restaurou prédios públicos e privados no Centro de Porto Alegre. Apesar de citar o privilégio dado a quem trabalha com patrimônio, disse que a maioria dos colegas do serviço público se vê engessada em Planos Diretores que poderíamos ser melhor trabalhados. “O Plano diretor transforma o arquiteto em alguém que verifica o checklist e que não debate novos questionamentos nem a cidade como um todo. Isso faz com que muitos colegas saiam frustrados”.

E foi além. Segundo o profissional, o cerne dessa crise do arquiteto está em uma crise do setor público que não é essa mais recente que vivemos. “É uma crise mais profunda que vem desde o final da ditadura. A política foi avançando, mas o setor público não teve um repensar. As práticas da ditadura continuaram, com o tecnicismo em que os técnicos tinham poder. Não houve um momento em que isso foi rompido”. E continuou: “Na sociedade, não é mais assim que as coisas funcionam. Não houve uma reflexão de como introduzir democracia e debate nas questões do setor público. Há uma grande confusão de papéis”.

Para ele, como a imagem do setor público é a pior possível, os profissionais de arquitetura e urbanismo não se veem trabalhando em um lugar onde se tem orgulho de atuar. “O arquiteto tem que se desculpar por querer preservar o prédio, para abrir um buraco. Não se tem respaldo para brigar pelo que é público”, reforçou, citando o bombardeamento neoliberal enfrentado e que os Planos Diretores estão no centro de todo esse processo. “São documentos ineficazes que não permitem que ideias de colaboração e que não viabilizam a interação entre os arquitetos públicos e iniciativa privada”.

Entusista da carreira, ele propôs um modelo de gestão que fatie e repense as cidades com base em um olhar coletivo das diferentes zonas. Sugeriu que a mesma atenção dada ao patrimônio histórico seja estendida à cidade como um todo, a prédios modernos, espaços públicos. “Todas as cidades tinham que ter áreas especiais onde se discutisse com a comunidade, morfologia, espaços abertos, demandas de usos, prédios a serem preservados, demolidos em um acerto morfológico coletivo”. Para desempenhar essa tarefa, ele acredita na força do ambiente acadêmico para avançar no mundo das ideias com conjunto com a iniciativa privada. “Os cursos de especialização e concurso criam o ambiente colaborativo para criação de uma rede preciosa de parceria e mudança, em uma grande oxigenação do mercado”. E concluiu lembrando que, hoje, as redes sociais são o palco dos grandes debates sobre a cidade. “Precisamos sair do mundo virtual para o real”, conclamou.