Texto: Camila Silva

O gás radônio é o segundo maior causador de câncer de pulmão no mundo – 10% dos casos estão ligados à sua incidência, perdendo apenas para o tabagismo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Invisível e inodoro, o gás atua sobre o corpo humano ao emanar do solo diretamente para as construções localizadas acima do terreno onde se encontra, seja uma residência, um escritório, um parque etc. Quanto maior o nível de radônio no solo, maior será sua presença nas edificações implantadas acima dele – fato que acende um alerta especialmente quando imaginamos seu impacto no local onde famílias descansam e compartilham bons momentos. Além do radônio, as edificações ficam expostas às diversas fontes de radiação naturais e/ou artificiais que podem impactar a saúde dos usuários em médio e longo prazo.

Mas, afinal, qual a relação entre a emissão desse gás com a arquitetura e o urbanismo? Se algumas medidas forem tomadas durante a fase de projeto, os níveis radioativos podem diminuir sensivelmente. Além de sustentáveis, as casas estão se tornando cada vez mais saudáveis, e um projeto arquitetônico que priorize boa ventilação e iluminação natural pode ser o pontapé inicial para a redução desses efeitos radioativos.

Vivemos submersos em um “mar de radiações”, segundo a publicação “O Grande Livro da Casa Saudável”, principal obra da arquitetura saudável, do espanhol Mariano Bueno. Lançada em 1995, a publicação enumera os perigos escondidos na construção de casas. Essa foi a inspiração do arquiteto e urbanista paranaense Ormy Hütner Júnior para iniciar – ainda durante a formação na Universidade Federal do Paraná (UFPR) – os estudos sobre arquitetura saudável. Já formado, Ormy assistiu a uma palestra sobre os efeitos da radiação e decidiu se aprofundar no tema.

O arquiteto destaca que existem algumas formas de reduzir os níveis de exposição em uma edificação. As que emanam de maneira natural – como o gás radônio – podem ser identificadas após a medição realizada no terreno onde será erguida a construção e também por meio da análise dos materiais que serão utilizados na obra, como granitos e outras pedras. “Caso esse material seja extraído de um solo que contém uma fonte radioativa, é possível que esteja presente no material”, explica Ormy. Para evitar ou minimizar os efeitos da radioatividade desses materiais, é necessário adotar medidas específicas: análise dos materiais que serão utilizados na construção (o laudo pode ser solicitado ao fabricante/fornecedor) e levantamento do histórico do terreno onde a casa será construída – caso não seja possível, é preciso realizar a medição com um contador Geiger.

Existem ainda outras fontes de radiação que são frequentes em todas as construções urbanas, como os campos eletromagnéticos (CEM), explica o arquiteto. Essas radiações, conhecidas como não ionizantes, são provenientes da rede elétrica e das estações rádio-base (antenas de celular). Os campos eletromagnéticos gerados naturalmente por linhas de alta tensão, transformadores e até instalações elétricas existentes nas casas são chamados de CEM de baixa frequência. Já os CEM provenientes das antenas de celular e aparelhos wi-fi são conhecidos como ondas eletromagnéticas de alta frequência, pois atuam na faixa de frequência de micro-ondas.

A primeira precaução deve ser tomada em relação à ao ambiente exterior, verificando se a construção não está perto de subestações de energia, linhas de alta tensão e transformadores. “No centro da cidade, é comum encontrar fontes geradoras de CEM com níveis altos de exposição, e é preciso realizar a medição desses níveis, que podem variar de acordo com a distância da edificação desses locais”, observa Ormy.

No projeto arquitetônico, é recomendável que o arquiteto tenha algum conhecimento de instalações elétricas, pois será preciso posicionar as tomadas de maneira mais segura. Entre os procedimentos mais inadequados – que geralmente fazem parte da lista de pedidos dos moradores –, está o de manter uma tomada próximo da cama, para conectar telefones ou outros tipos de equipamentos eletrônicos. A prática, no entanto, não é recomendada pelos profissionais, que se preocupam com os CEM gerados pelos condutores elétricos e aparelhos ligados a eles. Segundo Ormy, estudos mostram que a presença de CEM pode interagir com o metabolismo humano e, inclusive, fazer com que o corpo humano conduza corrente elétrica no momento de repouso.

Driblar os efeitos da poluição eletromagnética exige algumas medidas simples, como aterramento de todas as instalações elétricas, posicionamento correto das tomadas e instalação de equipamentos eletroeletrônicos afastados da cama.

As radiações de alta frequência, por sua vez, são produzidas por roteadores wi-fi, bluetooth e antenas de celular. Quanto ao sinal de wifi, a melhor medida é evitar posicionar roteadores perto dos quartos e, à noite, manter o hábito de desligar o aparelho de internet. No caso das antenas, Ormy, recomenda que, no projeto de arquitetura, as janelas dos quartos não sejam posicionadas em visada direta das antenas. Assim, é possível atenuar essas radiações com os sistemas construtivos da edificação. Quando não for possível o deslocamento de aberturas, a sugestão é usar venezianas metálicas ou cortinas próprias para reflexão dessas ondas.

“Nos ambientes onde descansamos nosso sistema imunológico, ficamos mais vulneráveis, por isso é indispensável projetar os quartos para ficar o mais livre possível de radiação”, diz o arquiteto.

Sócio Proprietário da empresa Tellus – Arquitetura Sustentável, em parceria com Adriane Cordoni Savi, Ormy desenvolve projetos baseados no conceito alemão de Biologia das Construções. Segundo o arquiteto, o desenvolvimento de um projeto saudável não o torna mais caro ou demorado. Ormy é profissional certificado com o Selo Casa Saudável (Healthy Building Certificate), do Instituto Healthy Building World, certificação exclusiva para projetos, materiais e ambientes construídos com materiais e técnicas que asseguram a saúde e o bem-estar de uma construção.

No Brasil, as leis que regulam os índices aceitáveis de radiação nas construções ainda são muito permissivas, com níveis que podem gerar alguma enfermidade às pessoas, segundo estudos feitos em vários países, afirma Ormy. Ele acredita que a conscientização dos profissionais da área sobre o tema acompanha o avanço das gerações. “Na minha época de estudante, os professores nem cogitavam analisar esses assuntos”, diz. Para o arquiteto, a profissão vai acompanhar a tendência social que caminha cada vez mais para uma vida saudável.

Para saber mais sobre o assunto:

O Institute of Building Biology + Sustainability é responsável pelo desenvolvimento de 25 princípios orientadores da biologia da construção. “Construir a biologia é criar edifícios saudáveis, bonitos e sustentáveis em comunidades ecologicamente corretas e socialmente conectadas. Na seleção de materiais e no design de ambientes vivos, aspectos ecológicos, econômicos e sociais são considerados”, diz o texto. Mais informações em https://buildingbiology.com/principles-of-baubiologie/

 

Fotos em destaque e ao centro: Levantamento de campos e ondas eletromagnéticas com equipamentos de medição (Divulgação/Tellus – Arquitetura Sustentável)
Fotos acima: Imagem destaca proximidade entre antenas (ERB) e o local da obra (DivulgaçãoTellus – Arquitetura Sustentável) e exemplo de projeto com layout elétrico, destacando as áreas livres de interferências de instalações elétricas, com exceção de telefone e interfone (Desenho: Juliana Hashizumi)