Texto: Patrícia Feiten*

O incêndio que consumiu o Museu Nacional do Rio Janeiro, no domingo (2/09), deixa um prejuízo cultural inestimável, pois além de ter transformado em cinzas praticamente todos os tesouros históricos da instituição, impactará a produção científica dentro e fora do Brasil, avalia o arquiteto e urbanista Jeferson Roselo Mota Salazar, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ). “Perderam-se peças que eram únicas no mundo. O museu recebia pesquisadores do mundo inteiro, prestava um enorme serviço à comunidade científica internacional”, diz Jeferson, que também faz parte do conselho Consultivo da FNA e do quadro permanente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), à qual a instituição era vinculada.

O museu vinha sofrendo cortes orçamentários há pelo menos três anos, o que impedia investimentos em manutenção. De acordo com um levantamento da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, a instituição recebeu R$ 643,5 mil em 2017. Neste ano (até agosto), os repasses foram de apenas R$ 98.115. “O museu estava à míngua havia muito tempo e isso era visível para os visitantes”, afirma Jeferson.

O presidente do CAU-RJ lembra que, em junho, quando completou 200 anos, a instituição havia assinado com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) um acordo para a liberação de cerca de R$ 22 bilhões, financiados pela Lei Rouanet, para a revitalização do prédio, incluindo obras de prevenção de incêndio. “Não houve o repasse, simplesmente nem houve tempo”, disse o arquiteto. “Agora, diversas entidades estão se mobilizando para fornecer ajuda especializada. Terá de se verificar o que sobrou, o que dá para restaurar. É um trabalho que precisa ser muito bem planejado e executado”, acrescentou.

Hoje (4/09), o governo federal anunciou medidas para reconstruir o prédio. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) destinará, em editar a ser lançado até o fim do mês, R$ 25 milhões para projetos de segurança, prevenção de incêndios e melhorias em museus. Também será publicada uma medida provisória criando a Lei dos Fundos Patrimoniais, que possibilitará um fundo específico para o Museu Nacional.

Comoção internacional

Instituições estrangeiras manifestaram pesar pela tragédia e prometeram apoio. O Conselho Internacional de Museus (ICOM) informou, em comunicado publicado em seu site, que mobilizará seu Comitê Permanente sobre Gestão de Risco de Desastres (DRMC), seus Comitês Internacionais para Museus Universitários (UMAC), Documentação (CIDOC) e História Natural (NATHIST), além de outras entidades, para reunir “todos os tipos de especialização necessários para superar este desastre”. “Embora nos sintamos aliviados porque este desastre não causou nenhuma morte, lamentamos a perda da inestimável coleção do museu, que incluía importantes coleções de história natural, mineralógicas, paleontológicas, arqueológicas, etnográficas e documentais, que chegam a 20 milhões de itens”, diz a nota. “Neste dia sombrio, não apenas para o patrimônio brasileiro, mas também para o patrimônio mundial, queremos reiterar a nossa crença inabalável na resiliência e no profissionalismo dos profissionais de museus do Brasil e nossa a fé na sua capacidade de se recuperarem desse doloroso acontecimento.”

Em sua conta no Twitter, o Louvre, maior museu do mundo, disse que o incêndio “é uma grande perda para o Brasil e para o patrimônio mundial”. “É com profunda tristeza que soubemos do incêndio dramático que afetou o @museunacional do Rio de Janeiro. O Louvre manifesta sua máxima solidariedade com o museu e suas equipes.” Também pelo Twitter, o Museu de História Natural de Londres expressou condolências. “Nossos pensamentos vão para todos no @MuseuNacional e para todos no Brasil. É uma terrível notícia e uma perda devastadora para o patrimônio e a ciência”, disse a instituição.

O presidente da França, Emmanuel Macron, disse, pelo Twitter, que “a França colocará seus especialistas a serviço do povo brasileiro para auxiliar na reconstrução”. Em comunicado no seu site, o Ministério Cultura da França afirmou que a titular da pasta, Françoise Nyssen, assegurou ao embaixador brasileiro no país europeu “todo o conhecimento dos agentes do Ministério da Cultura, seja em termos museografia, conservação ou gestão de coleções e arquivos”. “As equipes dos museus franceses estão à inteira disposição das equipes brasileiras, em coordenação com os serviços da Embaixada da França no Brasil”, reforçou o comunicado.

O Museu Nacional está situado no bairro imperial de São Cristóvão, zona norte do Rio, e já foi residência oficial da família imperial brasileira. Em 1818, Dom João VI inaugurou a instituição cultural com o nome de Museu Real, que funcionou inicialmente no Campo de Santana, no centro do Rio. Em 1946, o museu foi incorporado à UFRJ. Considerado o mais importante do gênero na América do Sul, era a principal base de pesquisas desenvolvidas no Brasil e em outras partes do mundo. Com um acervo de mais de 20 milhões de itens, também oferecia cursos de extensão, especialização e pós-graduação em diversas áreas.

“Um orçamento de menos de R$ 14 mil mensais para a manutenção de um equipamento dessa importância é representativo da ausência de compreensão da sua importância para a história, a cultura e as ciências brasileiras. Demonstra ainda a escassa aplicação de recursos no custeio das políticas culturais e científicas, um cenário que tende a se agravar com medidas de austeridade que congelam investimentos nestes setores pelas próximas décadas”, disse o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Nivaldo Vieira de Andrade Junior, em comunicado.

Alguns dos principais itens do acervo

– Um fóssil de mulher, batizado de Luzia, encontrado em Lagoa Santa, em Minas Gerais, em 1974, e considerado o maior tesouro arqueológico do país. Integrante da coleção de antropologia, o fóssil teria mais de 11 mil anos e seria a habitante mais antiga das Américas.

– O maior meteorito já encontrado no Brasil, chamado de Bendegó, com peso de 5,36 toneladas. A pedra havia sido encontrada em 1784, na localidade de Monte Santo, na Bahia.

– A maior coleção de múmias egípcias da América Latina, a maioria proveniente da região de Tebas. As peças foram arrematadas por Dom Pedro II em 1826.

– Um trono pertencente ao rei Adandozan, do reino de Daomé (atual Benin), na África.

– O maior e mais importante acervo indígena do Brasil.

– Uma das bibliotecas de antropologia mais ricas do país.

– Um diário da Imperatriz Leopoldina.

– Uma das maiores bibliotecas especializadas em ciências naturais do país, com mais de 470 mil volumes e 2,4 mil obras raras.

Confira parte do acervo neste vídeo neste link

*Com informações da Agência Brasil

Fotos
Tomaz Silva/Agência Brasil/Agência Brasil