O mestrado na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi um divisor de águas na trajetória profissional de Carina Guedes, vencedora do 13º Prêmio Arquiteto e Urbanista do Ano – categoria Setor Privado -, da Federação Nacional dos Arquitetos (FNA).  “Me sentia incomodada de exercer uma profissão que atendia uma camada restrita da população”, conta a mineira de 34 anos, que receberá a distinção, em Brasília, no próximo dia 23 de novembro.  A inquietação com a carreira a levou de volta à universidade em 2013 para uma especialização focada na identificação dos motivos que impediam o acesso da população aos serviços prestados por arquitetos e urbanistas. “Como eu poderia exercer minha profissão de forma que meus serviços chegassem aos moradores das periferias”, questionava-se.

O ponto de interrogação foi se dissipando com o nascimento do projeto Arquitetura na Periferia (AnP) durante pesquisa de mestrado orientada pela professora Silke Kapp que contou com o apoio do grupo de pesquisa Morar de Outras Maneiras. “Com esse apoio, desenvolvi um método de assessoria técnica para a melhoria das condições de moradia de mulheres das periferias”, afirma Carina, que destaca a falta de políticas públicas eficazes que atendam, de fato, às famílias mais necessitadas e a ausência de investimentos na área. “Ter contato com um grupo de pesquisa com um repertório técnico, teórico e prático relacionados à arquitetura no atendimento de demandas sociais foi um grande estímulo, pois me forneceu o embasamento teórico e algumas ferramentas para concretizar o meu projeto e colocá-lo em prática ainda durante o mestrado”, relata.

O projeto Arquitetura na Periferia já passou por três comunidades de Belo Horizonte, capacitou 31 mulheres e beneficiou diretamente 155 pessoas. É desenvolvido em três etapas: mobilização, planejamento e acompanhamento. A primeira consiste na formação de um grupo com três a seis integrantes, que passa por reuniões e rodas de conversas nas comunidades. A segunda etapa, com duração de quatro a seis meses, exige encontros semanais com as participantes para a realização de oficinas. São feitos desenhos, medições, levantamentos quantitativos, planejamento de obras, discussões de projeto, oficinas de construção e analisadas as finanças pessoais das famílias. Já a terceira e última etapa ocorre quando se iniciam as obras. “Nesta fase, as mulheres recebem um pequeno empréstimo, compram os materiais e fazemos o acompanhamento das construções. Temos promovido também mutirões, onde um grupo de pessoas interessadas em contribuir com o projeto se junta para ajudar na construção de uma das participantes”, relata a idealizadora do projeto.

As mulheres selecionadas para participar do AnP passam por um processo onde elas mesmas aprendem a planejar a obra. “Queremos que elas consigam se programar para terem os recursos necessários para a realização dos seus sonhos”, pontua Carina. Para isso, é vinculado ao projeto um pequeno empréstimo sem juros para que as participantes possam ter uma garantia mínima de que será concretizado o que foi idealizado durante as oficinas. Os recursos captados podem ser utilizados para a compra de materiais ou para a contratação de serviços de mão de obra. “Temos o apoio de empresas parceiras que fazem doações de materiais de construção”, destaca a arquiteta e urbanista.

A sustentabilidade financeira permanece como um dos desafios da ação, mas que vem sendo conquistado com um trabalho intenso e em equipe. “O maior desafio de todos é o enfrentamento ao machismo estrutural brasileiro. Apesar de a mulher ainda ser a principal responsável pela manutenção dos espaços de moradia e pelos cuidados com a família, é excluída dos processos de decisão acerca da construção dos mesmos. E o nosso trabalho vai justamente contra essa lógica”, destaca Carina, que manifesta satisfação pela rotina semanal marcada pelos encontros nas comunidades. “Outro aspecto interessante desse trabalho é que pude exercer minha maternidade ao mesmo tempo em que desenvolvia o projeto, já que, quando necessário, posso trabalhar em casa ou levar a minha filha. Isso é um privilégio, já que, infelizmente, muitas mães não possuem esta alternativa.”

 

Foto: Bruna Piantino