Renata Bittencourt não poderia imaginar que, após tantas experiências profissionais importantes, como no Ministério da Cultura, na Secretaria de Cultura de São Paulo, no Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e no Itaú Cultural, receberia uma missão tão grande e tão nobre como a de ser diretora executiva de um dos maiores símbolos de arte, arquitetura e paisagismo brasileiros e mundiais, como o Instituto Inhotim. Ela aceitou o desafio em abril deste ano, três meses após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), localizada a aproximadamente 20 quilômetros do instituto. Em entrevista concedida exclusivamente à Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Renata Bittencourt fala o papel da instituição como interlocutora cultural na reconstrução da cidade e da vida da comunidade local. Também conta como pretende conduzir sua gestão para recuperar o número de visitantes, que caiu cerca de 40% após a tragédia , e agregar um novo olhar sobre o trabalho e o incomensurável acervo cultural e paisagístico do Inhotim.

Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) – Você assumiu a diretoria executiva do Instituto Inhotim três meses após a tragédia de Brumadinho, em abril deste ano. O que lhe motivou a assumir este desafio?
Renata Bittencourt – Inhotim é uma instituição de grande potência. Mais de 400 pessoas de Brumadinho trabalham na instituição (cerca de 80% dos funcionários). Ocupam posições de gestão, cultivam as 4.500 espécies do Jardim Botânico, conservam as galerias e obras. Em primeiro lugar, é a força da cidade que vitaliza Inhotim. O bom funcionamento da instituição, hoje, é prova da energia das pessoas dessa cidade. Poder ser facilitadora de processos e relacionamentos, nesse contexto, é uma posição de grande responsabilidade, um desafio que toda a equipe está comprometida em honrar.

Mais de 400 pessoas de Brumadinho trabalham na instituição / Foto: William Gomes

FNA – Quais são suas metas à frente da diretoria executiva? Como se dará a reconexão com a comunidade local?
Renata – Queremos recuperar nossos números de visitação, aumentar os recursos de apoiadores e finalizar projetos de novas galerias e obras, que, sabemos, serão pontos de atratividade para o público e, consequentemente, contribuirão para dinamizar a economia da cidade. Mas a principal meta, agora, é estabelecer Inhotim como um espaço de convivência e desfrute para os moradores do território. Neste sentido, nossa perspectiva é menos matemática e mais sensível, embora já tenhamos quase 4 mil moradores cadastrados para visitação gratuita, em qualquer dia da semana, no programa “Nosso Inhotim”. Há muitas formas de fruição em Inhotim. É possível admirar obras de arte de artistas de grande expressão nos cenários brasileiro e internacional, descobrir soluções arquitetônicas ou espécies botânicas, e também deitar na grama, na sombra, ou no sol à beira de um lago. Desejamos tornar Inhotim um espaço de vivências restauradoras, onde os residentes da cidade podem passear, se encontrar e aproveitar o que está disponível. Esse estreitamento de relacionamento deve ser feito de modo sensível, e o tempo é também o do diálogo, em que há nossa escuta sobre os interesses das pessoas. Um exemplo é a constituição de um Comitê Curador, com membros da comunidade, para pensarmos, juntos, em uma programação no Inhotim e na cidade com artistas locais.

Áreas verdes são espaços bastante utilizados para convivência / Foto: William Gomes

FNA – Um dos desafios inesperados impostos à instituição foi a queda no número de visitantes do Instituto após a tragédia em Brumadinho. Em quantos % caiu em relação ao início do ano?
Renata – Desde a tragédia no fim de janeiro deste ano, tivemos uma queda de cerca de 40% de público em relação às nossas melhores médias de visitação. Mas temos grande expectativa com relação às férias de julho. Acreditamos que muita gente do país pretende apoiar a cidade com sua visitação, e compreende que acessos e serviços já estão normalizados. A visita a Inhotim e a Brumadinho é, hoje, um gesto de solidariedade importante, que movimenta pousadas, restaurantes, toda a rede de turismo que surgiu a partir da criação de Inhotim, por Bernardo Paz, garantindo a manutenção de um setor econômico que precisa fortalecer.

Galeria True Rouge traz conjunto de obras içadas do artista contemporâneo Tunga / Foto: Daniela Paoliello

FNA – Quais as estratégias adotadas para reverter este quadro?
Renata – A estratégia central é o convite para que aqueles que ainda não descobriram Inhotim como um espaço de experimentação artística e arquitetônica, um lugar de grande beleza natural, venham conferir porque a instituição tem a reputação internacional que a coloca entre as mais importantes do mundo. Aqueles que estiverem conosco podem conferir o que temos programado especialmente para este ano, e que pode agradar públicos de diferentes perfis. Além das inaugurações previstas para este ano, há uma agenda de shows vigorosa apoiada pelo Itaú Cultural. Acabamos de receber o Pato Fu com o show Música de Brinquedo 2, que nos deixou felizes ao ver o público numeroso de famílias.

Galeria Cosmococa, de Hélio Oiticica e Neville D’Almeida, é bastante procurada pelos visitantes/ Foto: Marcelo Coelho

FNA – Como você vê a relevância do instituto para arquitetos e urbanistas brasileiros?
Renata – As galerias de Inhotim evidenciam a inventividade da arquitetura brasileira e atraem a atenção dentro e fora do país. Um exemplo desse reconhecimento é o Centro de Educação e Cultura Burle Marx, projetado pelo escritório mineiro Arquitetos Associados, que foi indicado ao Prêmio das Américas Mies Crown Hall (MCHAP), do Instituto de Tecnologia de Illinois, foi ganhador da categoria Edifícios Institucionais, do 3º prêmio O Melhor da Arquitetura, da revista Arquitetura & Construção (Editora Abril), indicado ao 9º Prêmio Jovens Arquitetos 2009 do IAB SP; à 12ª premiação de arquitetura IAB MG. Esse é um exemplo interessante de integração entre arquitetura e arte, com a instalação, na parte de cima da edificação, da obra Narcissus garden Inhotim, 2009, da artista Yayoi Kusama, uma das mais queridas do público, com as esferas metálicas flutuando no espelho d’agua.

Centro de Educação e Cultura Burle Marx, projetado pelo escritório mineiro Arquitetos Associados, é local bastante procurado por arquitetos e urbanistas / Foto: Marcelo Coelho

Escritórios como Rodrigo Cerviño, Rizoma e Play Arquitetura também contribuíram com o desenho de pavilhões diversos, que dialogam com a natureza dos jardins e envolvem obras, criando situações únicas de fruição. Há soluções interessantes de conexão dos espaços externo e interno, e ambientes que atualizam ou buscam romper com os pressupostos do cubo branco, tradicional na concepção de museus e projetos expográficos.

Pavilhão Adriana Varejão, desenhado por Rodrigo Cerviño Lopez, atraem a atenção de ícones do cenário arquitetônico mundial / Foto: Eduardo Eckenfels

FNA – Vocês contam, atualmente, com algum patrocínio? Como devem proceder empresas que desejam colaborar com o instituto?
Renata – Contamos com empresas mecenas que compreendem a importância de fortalecer o cenário cultural e, mais ainda, de como a cultura pode ser vital para Brumadinho hoje. Precisamos atrair mais empresas que possam ser aliadas e esperamos que nos contatem para pensarmos juntos sobre os benefícios para suas marcas nessa associação. Será um prazer trocar ideias com parceiros a qualquer tempo!

Saiba mais sobre Renata Bittencourt:
A atual diretora executiva do instituto Inhotim é mestre e doutora em História da Arte pela Universidade Estadual de Campinas. Atuou como diretora de Processos Museais no Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, foi responsável pela gestão da Unidade de Formação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, e foi gerente do Núcleo de Educação do Itaú Cultural.

Saiba mais sobre o Instituto Inhotim:
O Instituto Inhotim é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Ainda como propriedade privada, começou a ser idealizado na década de 1980 pelo empresário mineiro Bernardo de Mello Paz. Desde então, estabeleceu relações multidimensionais com a cidade de Brumadinho, tanto como como local de trabalho para a população seja como agente propulsor de desenvolvimento social, educativo e cultural. Atualmente, é um dos mais relevantes acervos de arte contemporânea do mundo e possui uma coleção botânica que reúne espécies raras e de todos os continentes. É um local único que se consolida como propulsor do desenvolvimento humano sustentável. *
*www.inhotim.org.br

Foto em destaque: William Gomes