Palco de lutas pela moradia social urbana, a Ocupação 9 de Julho, no Centro de São Paulo, mobilizou no último domingo (4) seus moradores, comunidade, movimentos populares, artistas e apoiadores para o festival em defesa da Feira Nacional da Reforma Agrária. O dia foi marcado para denunciar a intransigência do governo Doria e da prefeitura de São Paulo em não liberar um local para a realização da 4ª edição da feira. O evento iniciou ao meio-dia com um banquetaço de pratos elaborados por importantes cozinheiros de São Paulo, todos feitos a partir de alimentos produzidos por assentamentos e acampamentos do MST. A programação se estendeu até às 22h, com apresentações culturais de diversos artistas.

A escolha do local para reivindicar direitos junto ao Poder Público não foi aleatória. A Ocupação 9 de Julho é hoje um dos símbolos nacionais da luta pelo direito à moradia social e, desde 2016, abre suas portas para receber milhares de pessoas em almoços, festas juninas, debates e exibições culturais. Nas últimas duas décadas o prédio que pertenceu ao INSS – e inabitado há mais de 30 anos – é considerado um ícone pelo direito à moradia pelas famílias de baixa renda. Seus 14 andares são habitados por mais de 400 pessoas, e o processo de ocupação é organizado pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC). “Morar é uma questão de direito e a luta dessas famílias é legítima. Estão ali em razão das circunstâncias e têm, assim como todos nós, direito à cidade, conforme consagrado na Constituição”, afirma Cicero Alvarez, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA).

Recentemente, a Ocupação 9 de Julho foi alvo de pedido de reintegração de posse pelo INSS, solicitação contestada pelo MSTC na esfera judicial. E a festa realizada no domingo foi a oportunidade também para comemorar a extinção do pedido de desocupação expedida pela 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, no último dia 15 de julho. Durante o processo em análise na Justiça, a posse do imóvel passou para o IPREM (Instituto de Previdência Municipal) que foi intimando duas vezes a se manifestar, mas não respondeu as intimações. O fato, no entendimento do juiz, foi suficiente para gerar a extinção do pedido.

Representantes de diversos movimentos também chamaram a atenção para as prisões arbitrárias de Angélica dos Santos Lima, Janice Ferreira (a Preta), Ednalva Franco e Sidney Ferreira, lideranças de movimentos por moradia social que estão respondendo a uma suposta acusação de ‘extorsão’ de integrantes das ocupações. “A criminalização indevida dos movimentos sociais é um ataque à função social da propriedade ao direito de moradia”, destaca Eleonora Mascia, vice-presidente da FNA.

Ainda foi levantada a preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 80/2019), que pretende alterar os artigos 182 e 186 da Constituição Federal, que tratam da função social da propriedade urbana e rural, respectivamente. A PEC considerada inconstitucional por juristas e arquitetos e urbanistas já leva a assinatura de 28 senadores e propõe intervir no Direito Urbanístico, consolidando-se como uma ameaça à função social da propriedade.

“A PEC, com um forte viés patrimonialista, tem a proposta para alterar o artigo 182 da Constituição Federal, desfigurando o capítulo da Política Urbana”, pontua Eleonora. O princípio central deste artigo, resultado de uma emenda popular sobre a Reforma Urbana, subscrita por centenas de milhares de cidadãos, é garantir a função social da propriedade, através da aplicação de instrumentos que foram regulamentados a partir do Estatuto das Cidades, em 2001. Segundo Eleonora, se for aprovada a emenda constitucional que altera o caráter social e da responsabilidade urbana, ficará a cargo única exclusivamente do proprietário a decisão sobre a função dada à propriedade, sem qualquer submissão à legislação que busca garantir o interesse social e de uma coletividade sobre o solo urbano. “Claramente, a proposta apresentada defende uma visão liberal, sem qualquer regulamentação sobre a propriedade, visando preservar privilégios, com concentração de renda e aprofundamento das desigualdades sociais.”

Fotos: Eleonora Mascia