O processo de reavaliação do Plano Diretor de Porto Alegre, conjunto de diretrizes que determina o planejamento arquitetônico e urbanístico da cidade, deve iniciar nesta semana, com a assinatura de um Memorando de Entendimentos entre Prefeitura, ONU Habitat e rede Pacto Alegre. Porém, o documento não passou pela instância deliberativa do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (CMDUA), órgão fundamental na construção do planejamento urbano da cidade. O encaminhamento foi criticado nesta dessa quarta-feira (07/8) pelo presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento RS (IAB-RS), Rafael Passos, durante o Seminário Olhares Sobre a Cidade.
O arquiteto e urbanista, que compõe o CMDUA, palestrou sobre o impacto dos grandes empreendimentos no contexto da Capital e a participação popular no planejamento urbano. O evento, realizado pelo Sindicato dos Arquitetos do RS (Saergs) e patrocinado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU/RS), reuniu cerca de 90 pessoas e ocorreu no Memorial Luiz Carlos Prestes, em Porto Alegre.
Conforme explicou Passos, o Plano Diretor de Porto Alegre não passa por reavaliação desde 2010, mesmo que a lei determine que seja feita no terceiro ano de cada gestão. Neste ano, a assinatura do Memorando dá início ao processo de revisão sem qualquer participação do CMDUA na sua construção. “Está sendo usurpado do Conselho o direito de saber como está sendo tratada essa revisão”, apontou. Nesse sentido, o palestrante denunciou a tendência economicista na qual o planejamento urbano vem sendo conduzido na Capital com a aprovação de grandes projetos que não seguem as regras básicas já estabelecidas no atual Plano, como a divulgação de informações sobre os empreendimentos e a realização de audiências e consultas públicas. “Sem transparência, não se conhece a informação. Sem a informação não se tem critérios para tomadas de decisão”, pontuou Passos.
Espaço público criminalizado é agravante da violência nas cidades
A criminalização dos espaços públicos vem sendo um fator de agravamento da violência nas cidades brasileiras e retroalimentando o próprio movimento de esvaziamento das cidades brasileiras. Segundo o sociólogo Adão Clóvis Martins dos Santos, o discurso de violência fortalece a sensação de insegurança, o que obriga a sociedade e colocar o direito à segurança acima de outros direitos, como o de acesso à cidade e de ir e vir. “Em nome do direito à segurança abrimos mão do direito de ir e vir e passamos a ter medo dos espaços públicos”.
Sociólogo Adão Clóvis Martins dos Santos
“Nos últimos anos, o retrato das cidades é composto de muros, cercas, condomínios fechados e do esvaziamento de espaço público. Tudo isso contradiz experiências históricas. Não há sistema de segurança melhor do que a ocupação das ruas”, completou Santos. Acompanhando os debates, a presidente do Saergs, Maria Teresa Peres de Souza, citou que esse movimento agrava, inclusive, a difusão da história das cidades, porque distancia os cidadãos dos prédios e monumentos históricos. O debate ainda tratou dos prejuízos visíveis em Porto Alegre com o fim do Orçamento Participativo, uma iniciativa pioneira realizada na Capital gaúcha e que serviu de modelo para diversas regiões do mundo.
O sociólogo ainda fez um panorama geral sobre a ascensão do capitalismo e do público e privado no mundo. Segundo Santos, com ampliação do poder dos sindicatos e sua posterior pressão nas bases das empresas de capital privado, governos também tomaram medidas para freá-los diante das políticas de bem-estar social, como a produção deliberada do desemprego em massa e a criação de reforma fiscal para desonerar o capital. “Essas medidas permitiram, num momento de queda do crescimento econômico, a elevação do lucro das empresas”, citou. Mas criar espaços públicos democráticos e que promovem a inclusão é um projeto que envolve poder público, profissionais e a própria sociedade. Segundo Adão Clóvis Martins dos Santos, o Plano Diretor de uma cidade só pode perseverar com arquitetos e urbanistas comprometidos com as cidades.
Divisões nas cidades reproduzem segregação de investimentos públicos e sociais
As desigualdades da sociedade também se reproduzem na infraestrutura das cidades e se agravam com a canalização de investimentos públicos nas áreas mais ricas e prósperas e não nas mais necessitadas. Os danos dessa política perversa foram alvo da palestra do professor da Universidade de São Paulo (USP) João Whitaker durante o seminário Olhares sobre a Cidade, realizado pelo Sindicato dos Arquitetos do RS (Saergs) com patrocínio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU/RS). “No Brasil, não temos o estado do bem-estar social. Temos o estado do deixa assim”, disse ele, lembrando que áreas mais ricas recebem a maior parte dos investimentos em infraestrutura enquanto as zonas periféricas mantem baixas condições e investimentos. “O nosso modelo econômico no Brasil não foi baseado em necessidade de distribuição de renda e isso se reflete nas cidades, sem necessidade de distribuição de recursos de forma homogênea”.
Whitaker citou que a prerrogativa de garantir o direito à moradia é do Estado, não dos movimentos sociais. “O movimento faz seu papel político, mas é uma tarefa que cabe ao estado”, frisou, lembrando que é unindo forças com o poder público que se consegue avanços consistentes em uma política habitacional mais inclusiva. O professor ainda citou a relevância de adotar políticas habitacionais que operem com ações diferentes para um leque de rendas diversas. Só assim, acredita ele, é possível evitar o que aconteceu com o antigo Banco Nacional de Habitação (BNH) que acabou financiando moradia para a classe média em detrimento dos mais pobres. “O Brasil é um Estado patrimonialista, que defende os direitos dos proprietários. Ao invés de olhar para as pessoas que ocupam prédios vazios como uma solução habitacional, as encara como invasoras” E completou enfaticamente lembrando que estruturas abandonas são focos de doenças e perigos estruturais: “O problema não são as ocupações, são os prédios vazios”.
Foto: Vitorya Paulo