As mulheres precisam ganhar voz nos debates essenciais para o futuro das cidades brasileiras e não apenas em questões de gênero e assédio. A urgência em medidas que democratizem o diálogo sobre o futuro da sociedade fervilhou nas falas que ecoaram no Espaço Cultural da Barroquinha, prédio histórico no Centro de Salvador, Bahia. Jovem com apenas 23 anos, a estudante e coordenadora da Fenea, Beatriz Valentim, frisou que elas precisam se inserir em temas mais amplos e não apenas se resignarem a debates sobre seus próprios problemas. Isso, porque, os dilemas das mulheres são vetores dos vividos por toda sociedade. E citou como exemplo o fato de que mulheres passeando desacompanhadas e  despreocupadas são sinônimo de territórios seguros. “É uma luta que precisa ser travada entre nós para baixar nossas barreiras. Precisamos parar de chamar as mulheres de minoria. Temos que transformar a maioria populacional em maioria política”, enfatizou a arquiteta e urbanista e ex-presidente da FNA Valeska Peres Pinto.

Segundo a presidente do CAU/BA, Gilcinéia Barbosa da Conceição,  é preciso pensar as cidades sobre o uso das mulheres, o que envolve questões essenciais relacionadas à mobilidade, assédio no transporte público e, inclusive, os próprios projetos de Athis sobre a perspectiva feminina. “Precisamos enfrentar os desafio para vivermos em cidades mais seguras e sustentáveis para todas as cidadãs brasileiras”, salientou. Uma tendência vivida na prática pela representante da União Nacional de Moradia Popular, Marli Carrara, que emocionou a plateia ao conclamar que a vontade das mulheres seja ouvida na produção de espaços públicos. “As mães querem pracinhas perto de suas casas para que possam ver seus filhos”, exemplificou.  Uma verdade referendada pela coordenadora do CEAU, Luciana Schenk, que sugeriu que as “cidades têm que ter olhos”.

O evento faz parte de série de eventos organizada pelo CAU, que será replicado em outras cidades brasileiras ao longo de 2020. A ideia é que as falas contribuam para a criação de uma política de equidade de gênero no CAU e que deve, inclusive, transcender o universo do conselho e ganhar espaço na sociedade.

Em um discurso inflamado, a deputada Olívia Santana fez eco às falas de suas antecessoras, lembrando que as cidades são construídas e governadas pela lógica dos homens. Um contracenso que precisa ser levado em conta uma vez que são as mulheres que cuidam da sociedade e carregam o peso de jornada dupla de trabalho fora e dentro de casa. Segundo ela, muitas estão, inclusive, instrumentalizadas pelo pensamento machista. “Se fala que a mulher é minoria . As políticas têm que ser feitas pelo pensamento da maioria. E as mulheres são a maioria”.

A conselheira do CAU Loris Brantes afirmou que as desigualdades em Salvador são imensas. Professor da Unijorge, disse que essa diferença fica evidente ao avaliar a leva de estudantes que chegaram às universidades sem a bagagem necessária.  Falando sobre o poder libertador do ensino, a estudante Ananda Oliveira, integrante da diretoria da Fenea, garante que a educação é uma ferramenta de subversão .

O evento ainda abordou o papel das mulheres na política. Segundo dados apresentados na mesa, apesar de representar 51% da população, elas  comandam apenas 12% das prefeituras brasileiras. As mulheres negras perfazem 27% da população e governam apenas 3% dos municípios. Discrepância que é mais severa no Sul do Brasil (7%) do que no Norte (15%), Nordeste (16%) e Centro-Oeste (13%) e Sudeste 9%.

Marli Carrara ainda aprofundou o debate ao pontuar que muitas mulheres, para se sobressaírem, perdem a beleza do feminino. “Usar os mesmos argumentos masculinos é um veneno”, ressaltou.

Foto: Carolina Jardine