Um olhar crítico, diferenciado e apurado fez toda a diferença na trajetória profissional da arquiteta e urbanista Daniela Pareja Garcia Sarmento ainda quando frequentava as aulas na Universidade Regional de Blumenau (FURB), curso concluído no ano 2000. Na faculdade se engajou em atividades desenvolvidas pelo IAB e FENEA, onde conheceu – e se envolveu – no debate sobre o papel social da arquitetura. “Na universidade, me envolvi com a questão da habitação social, participando de projetos de extensão. Esse envolvimento me trouxe uma consciência maior sobre o papel social do arquiteto e foi determinante para construir o meu olhar sobre a arquitetura”, conta Daniela, 44 anos, natural de Jesuítas (PR), presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina (CAU/SC) e ex-presidente do IAB – Núcleo Blumenau (2017-2019).

No trabalho de conclusão de curso ela já atuava em comunidade vulnerável de Blumenau e, na sequência, na pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano, continuou com o mesmo foco, só que dessa vez realizando sua pesquisa na escala regional. Em 2000 abriu escritório em sociedade, o que a puxou para uma atuação voltada a atender a demanda comercial da arquitetura. “Fui me afastando da temática original da faculdade, e passei a trabalhar em diferentes escalas de projeto”, relata. Mas o escritório nunca conseguiu fazer com que ela abandonasse um propósito nascido lá atrás ainda quando era estudante: era presença garantida nas atividades sobre o papel social da arquitetura junto a entidades de classe, especialmente o IAB.

Com a carreira a todo vapor, ainda em 2007 começou a lecionar na disciplina de Projeto na mesma faculdade em que se formou. “Na universidade pude resgatar e fomentar o debate sobre a arquitetura, aliando a academia com o exercício profissional.” Cerca de 15 anos depois conseguiu se organizar na carreira para se dedicar ao Mestrado na FURB, época que Daniela classifica como “um divisor bem profundo” em sua trajetória. “Comecei o mestrado em Desenvolvimento Regional na FURB, com enfoque no desenvolvimento sustentável, e nesta pesquisa, me deparei com a discussão do papel das mulheres como agentes de desenvolvimento, o que me levou a pesquisar a cidade trazendo a perspectiva da mulher e seu impacto quando ela assume seu papel de protagonista na cena urbana”, afirma.

Em sua dissertação em Desenvolvimento Regional na área de Urbanismo e Gênero ela não abordou tanto a ausência da cidade para as mulheres, mas a construção das cidades a partir da perspectiva feminina. Embora o tema urbanismo com perspectiva de gênero seja algo recente, a presidente do CAU/SC reforça que há bastante pesquisadoras a campo promovendo esse debate. Seu trabalho foi publicado em 2019 – ‘Lugares das mulheres – a participação da mulher na construção da cidade contemporânea’ traz uma reflexão sobre o direito das mulheres à cidade, frente à desigualdade de gênero em relação ao acesso e uso da infraestrutura urbana. A obra aponta para a relevância da discussão sobre a questão de gênero na elaboração de políticas públicas urbanas, uma vez que as mulheres utilizam a cidade de forma diferenciada. “Ainda não vemos este tema chegar na forma de políticas públicas como acontece em outros países. O Movimento Social de Mulheres vem levantando esse debate, mas é necessário maior intensidade”, pontua Daniela, para quem a base da mudança de paradigma no planejamento urbano parte de uma visão de experiência do cotidiano feminino.

“As mulheres usam a cidade de uma forma diferente da dos homens, pois acumulam culturalmente as tarefas de reprodução e, por isso, têm necessidades específicas”, afirma a arquiteta e urbanista. Um exemplo prático diz respeito ao transporte público urbano, pensado para atender ao fluxo econômico formado em sua maioria por homens, enquanto a mulher integra um fluxo casa-escola-médico-escola-casa. “A mulher, especialmente a da periferia, se movimenta para atender ao fluxo da família (levar para a escola, comprar alimentos, levar ao médico, buscar na escola) e, na maioria das vezes, são chefes de família e mães-solo nas áreas de maior risco social. Por exemplo, quando essa mulher precisa de um ônibus no meio da manhã, esse ônibus vai passar de uma em uma hora muitas vezes. E se tem que fazer um trajeto curto, ela não encontra um equipamento próximo a ela”, pontua Daniela, reforçando que esse movimento diário das mulheres está em uma camada invisível da sociedade. Perpetuada em seu trabalho de conclusão, a frase define bem o propósito profissional da arquiteta e urbanista Daniela: “pensar as cidades com perspectiva de gênero é resgatar o processo de humanização das cidades.”

O que elas querem das cidades

– Mobilidade urbana que atenda às necessidades do fluxo da reprodução e da família. Um transporte público em horários flexíveis para mulheres que levam e buscam os filhos para a escola, ao médico e a outras atividades do cotidiano.

– Banheiros públicos com infraestrutura e condições adequadas para o público feminino.

– Maior segurança nas cidades, uma vez que as ameaças são diferentes entre os gêneros. Enquanto a ameaça do homem é material (roubo), às mulheres recai o impacto da violação e da agressão física. Os espaços públicos não foram projetados e pensados para garantir a segurança das mulheres. Uma divisão cultural histórica insere o espaço público como lugar de homem e espaço privado (e protegido, vigiado e cuidado) como o espaço das mulheres.

Foto: José Sarmento