Inquieta. É assim que a arquiteta e urbanista mineira Gabriela de Matos definia seu estado de espírito quando decidiu Iiniciar, em 2018, a pesquisa que mudaria os rumos da sua profissão e atuação: o Projeto Arquitetas Negras. A iniciativa já possibilitou o mapeamento de 370 profissionais negras no Brasil nas áreas de arquitetura, design e urbanismo. “Eu não conseguia encontrar o trabalho dessas mulheres”, justifica Gabriela, que é vice-presidente do Instituto dos Arquitetos em São Paulo (IAB-SP), sobre a formação do grupo.

Graduada pela PUC Minas desde 2010, a arquiteta e urbanista saiu de Governador Valadares (MG), cidade onde nasceu e cresceu, para estudar em Belo Horizonte. Foi na capital que teve experiências profissionais no âmbito público e privado, como a prefeitura de Contagem (MG), onde começou a trabalhar em 2011. “Lá, pude entender melhor quem regula a cidade, quem cria e como funcionam normas”, afirma.

Porém, em 2017, Gabriela se deparou com uma importante fase na vida da maioria das mulheres: a de gerar um filho. Quando descobriu que estava grávida de Aurora, passou a trabalhar como autônoma, sempre conectada às atividades de pesquisa acadêmica. “Por eu ter uma trajetória próxima do movimento negro, decidi trazer as discussões para a atividade profissional”, lembra.

Assim, no ano seguinte, o Projeto Arquitetas Negras foi criado. Desde então, já coleciona produções importantes, como o primeiro volume do livro Arquitetas Negras, que reúne, em 133 páginas, ensaios e artigos de mulheres relacionadas à área que debatem sobre o racismo, as práticas arquitetônicas e a construção das cidades. O projeto foi aprovado no edital Negras Potências, parceria da plataforma Benfeitoria, o Fundo para Equidade Racial Baobá e o Instituto Coca Cola. Por meio de financiamento coletivo online, a iniciativa conquistou mais de R$ 90.000,00 para a sua confecção. Para ela, a questão racial está intrinsecamente ligada à formação das cidades, pois é a população negra, sobretudo as mulheres, que mais sofre com os efeitos do mau planejamento. “Tudo o que atinge as mulheres em geral chega com mais força nas negras. São elas a maioria na periferia, na subalternidade”, afirma.

Por essa razão, Gabriela sente que é essencial encontrar e divulgar o trabalho de mulheres não só na área da Arquitetura e Urbanismo, mas todas as outras. “Temos que trazer pessoas não arquitetas para esse debate, tirar do âmbito apenas técnico”, opina. Um dos exemplos que a profissional evidencia, nesse sentido, é o do horário das creches públicas. “Às vezes, encerra o período às 16h. Não foi pensado para uma mulher ou uma pessoa que necessite desse serviço. Como uma mãe pode trabalhar em turno integral dessa maneira?”, questiona, destacando que é necessário ter mulheres em posições de comando, pensando nesses detalhes e tomando decisões.

O que elas querem das cidades

– Investimento em iluminação pública
– Planejamento de segurança com foco na permeabilidade visual (sem grandes muros)
– Horários flexíveis de creches, incluindo os finais de semana
– Acesso ao serviço de doula durante o parto nos hospitais públicos