Leticia Szczesny/ Imprensa FNA
Pesquisar é dar sentido ao mundo, ressignificar verdades, construir o novo. Convicta do potencial transformador desse trabalho nas comunidades e no dia a dia das cidades brasileiras, a arquiteta e urbanista Ana Fernandes, 65 anos, dedicou sua vida a despertar em seus alunos a centelha da curiosidade e a vontade de fazer a diferença. Professora aposentada da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Ana afirma que não existe esfera do conhecimento sem pesquisa. “Para você praticar ou exercer qualquer atividade, entre elas a arquitetura e o urbanismo, é essencial ter conhecimento fundamentado”, defende.
Com a atuação voltada ao urbanismo, ao desenvolvimento e às políticas urbanas, Ana segue na ativa como coordenadora do grupo de pesquisa Lugar Comum da UFBA, que se dedica, desde 2010, à investigação sobre política urbana, conflitos e espaço público. E trabalha, ainda, nas comunidades populares de Salvador (BA). “Uma das coisas que fizemos foi desenvolver planos de bairros, considerando que bairro é um conceito importante para a vida urbana e cujo sentido está sendo privatizado por corporações imobiliárias. Atuamos também em perícias para o Ministério Público, em função de projetos que acontecem na cidade, entre outras ações”, explica. De acordo com a profissional, através do trabalho coletivo de seus membros, surgem ideias como a Parceria Público-Popular (PPP) (2014), a perícia popular (2017) ou os cadastros sócio-afetivos (2018), que possam se contrapor ao funcionamento hegemônico da política urbana e buscar ampliar os horizontes de vida das comunidades na cidade.
Segundo Ana, mesmo que os problemas efetivos dos bairros não sejam resolvidos, se constrói, através do trabalho, um sistema de pactos e de solidariedades. “Um grupo de pesquisa tem atuação limitada, porque não tem poder e nem recursos. O que temos é a capacidade de construir formas de conhecimento partilhado e métodos de argumentação que possam fertilizar o espaço público de discussão no sentido de construir alternativas que não as verticais e autoritárias desenvolvidas pelo Estado ou pelo mercado”, reforça.
Um dos resultados práticos da atuação do Lugar Comum é a vitória dos moradores do bairro de Saramandaia, em Salvador, que conquistaram uma praça, inaugurada em fevereiro deste ano. Para tirar do papel, foi necessário um esforço conjunto que envolveu a elaboração de um plano de bairro, a luta contra o projeto Linha Viva, a atuação conjunta com o Ministério Público Estadual, além do protagonismo da Rede de Associações de Saramandaia e da comunidade. “A frente da batalha foi ocupada pelos moradores e nós tivemos a oportunidade de apoiá-los”, lembra, reforçando que, agora, o grupo vem fazendo reflexões sobre os efeitos da pandemia de Covid-19 nas cidades.
Foi por meio de uma proposta feita ao grupo de pesquisa que Ana deu forma a outro dos projetos desenvolvidos: o Observatório de Bairros Salvador (ObservaSSA). A plataforma online, ainda em construção, visa disponibilizar informações e recolher dados considerados importantes para moradores de bairros da capital baiana como Pirajá, Itapuã, Liberdade e outros. Além de Ana, outros pesquisadores contribuem para a existência do observatório, entre eles a professora Mayara Araújo, que ajudou a dar formato ao projeto.
Uma vida dedicada à pesquisa e à universidade pública rendeu à arquiteta uma conquista importante para quem se debruça sobre a produção científica: a qualificação como pesquisadora de produtividade 1A no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), nível mais alto de pesquisa. “É muito importante que mulheres, negros e LGBTQI+ estejam também inclusos nesses espaços. É necessário que haja maior diversidade e que se expanda esse ainda limitado sistema”, defende Ana. Nascida em Birigui (SP), a profissional decidiu sair do Brasil em 1981 para buscar mais conhecimento em outro continente. Longe de casa, na França, concluiu DEA e doutorado pelo renomado Institut d´Urbanisme de Paris, da Université Paris-Est Créteil Val-de-Marne.
Viúva e mãe de dois filhos, atualmente a arquiteta e urbanista dedica-se ainda ao estudo da Reforma Urbana no Brasil dos anos 60, no eixo de pesquisa sobre História da Cidade e do Urbanismo, outro interesse que ela cultiva. “Isso é algo que nos ajuda a pensar o contemporâneo de forma mais perspectivada”, diz. Para ela, além da pesquisa, tomar partido pela democracia, pela cidade justa e pelo direito plural de existência auxilia na construção de cidades mais justas e igualitárias e do conhecimento sobre elas.