Nos últimos anos, as transformações no mundo do trabalho têm nos colocado realidades preocupantes: altas taxas de desocupação, desemprego estrutural, precarização das relações trabalhistas, com mais horas trabalhadas, crescimento de contratações temporárias, maior informalidade, redução ou perda dos direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas anteriores. Nos países periféricos, essas questões têm ampliado enormemente a pobreza e as desigualdades sociais e espaciais.
No Brasil, a um quadro anterior de alta informalidade e “pejotização” – transformação do trabalhador em pessoa jurídica sem direitos –, somaram-se as reformas trabalhistas iniciadas em 2017 que ainda se aprofundam: prevalência do negociado sobre o legislado, redução dos intervalos para refeição, fracionamento de férias, redução do pagamento de horas extras, trabalho descontínuo, trabalho remoto sem infraestrutura, ambientes insalubres, terceirização aprofundada, rescisão contratual sem apoio sindical obrigatório, trabalho descontínuo pago por horas. Reduz-se o acesso à saúde, educação, habitação, lazer, cultura, transporte público, isto é, os possíveis benefícios de uma vida urbana.
Amplia-se o arco de precarização do trabalho, que hoje atinge mesmo categorias profissionais com formação universitária ou especializações. As organizações dos trabalhadores como um todo – e não apenas os sindicatos – estão sendo duramente atacadas. Os conselhos profissionais estão ameaçados de extinção, as entidades perdem assento em instâncias decisórias do poder público. Alterando-se as relações produtivas, altera-se a relação da população com o ambiente e o processo de urbanização em nosso país.
Tais mudanças intensificaram-se em 2020. A pandemia de covid-19 impôs outros ritmos à vida, acentuando as desigualdades socioespaciais. Empurrou milhões para o trabalho em casa – em condições nem sempre adequadas, reduziu postos de trabalho e tornou visível não apenas a insalubridade de nossos assentamentos – carentes de saneamento básico e condições mínimas de habitação – como também a forma como nossa sociedade tem se utilizado do planeta. Estão na ordem do dia novas formas de construir, morar, circular, consumir, produzir, descansar, se divertir.
Nesse cenário de captura do Estado por pequenos grupos dominantes, que impõem sua agenda ao Poder Público, bem como de radical alteração das relações de trabalho, é papel das organizações populares exercer seu papel político de formuladoras de demandas políticas capazes de suprir as necessidades coletivas relacionadas ao direito à vida e à cidade, numa virada socioambiental. Se a cidade é produto do trabalho humano e instrumento das formas de produção vigente, é preciso construi-la com inclusão social e salubridade. Os profissionais da arquitetura e do urbanismo, por sua vez, desempenham especial papel na produção e na transformação do espaço pelo trabalho humano. Por isso, a discussão das tarefas colocadas aos arquitetos e urbanistas como trabalhadores nesse cenário de mudanças radicais é a pauta proposta pela FNA para seu 44º ENSA, com o tema “O trabalho transforma o espaço: arquitetura e urbanismo nas periferias do mundo”.