Entender como o mercado de trabalho chegou ao ponto em que se encontra não é um exercício simples.  Se utilizando de figuras de linguagem – bússola, lanterna e farol – a economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Lucia Garcia abriu a mesa ‘Mudanças no mundo do trabalho e a atuação dos sindicatos’, dentro da programação da manhã de sábado (5/12) do 44° Encontro Nacional de Arquitetos e Urbanistas (ENSA). A técnica do Dieese provocou os participantes ao afirmar que não basta pensadores terem a sabedoria das transformações que ocorrem no mundo do trabalho, assim como também é ineficiente se projetar apenas como movimento de resistência à precarização em curso. “Há um pacto político por trás do plano econômico. E somos uma sociedade que não exerce pressões demográficas sobre governo algum”, afirmou. “Perdemos a bússola, precisamos encontrar a lanterna para chegarmos ao farol”, enfatizou na mesa com mediação da presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Eleonora Mascia.

Segundo Lucia, as reformatações do papel do Estado e as reduções dos direitos sociais e do trabalho precisam ser exploradas até para que sejam estancadas sob pena de ampliar ainda mais o abismo do direito ao trabalho, num cenário caótico de crescimento medíocre da produção, escassez na geração de empregos e na ocupação em geral. “Estamos diante de um desemprego crônico e, dificilmente no Brasil, alcançaremos novamente tão cedo a taxa de 5% de desemprego”, afirmou a economista, lembrando que o indicador encontra-se  atualmente em 14,1% fortalecido pelos impactos da pandemia, mas que vem oscilando (para cima)  desde a aprovação da Reforma Trabalhista, em novembro de 2017.

“Casualização do trabalho não é de interesse nosso, mas estamos submetidos a essa lógica. Aceitar essa casualização é aceitar a não cumulação de tempo de previdências e a retirada de proteção social”, pontuou a técnica do Dieese. Para ela, o trabalho na forma como está se apresentando nada mais é do que uma commodity, que retira a qualidade da mão de obra e pode ser facilmente substituída. De acordo com a economista, o Estado está cada mais ‘policial’ na defesa dessa transformação e também da nova regulação, por isso, se faz necessário que haja um melhor entendimento sobre esse processo de transição em que chegou o mercado de trabalho no Brasil. “Temos que encontrar uma forma de comunicar como chegamos até aqui para, assim, identificar as fragilidade desse modelo e encontrar as saídas possíveis”, afirmou.  Para concluir sua apresentação, Lucia ainda falou sobre a necessidade de passarmos de um trabalho commoditizado para o trabalho criativo, onde o individualismo e a meritocracia sejam questionados como oposição ao coletivo e à construção coletiva.

Neste cenário de desconstrução do mundo regulatório, os desafios do movimento social contemporâneo são imensos. “Estamos imersos em mudanças radicais de paradigma, muitas aceleradas por força da pandemia”, frisou o advogado Eymard Loguercio, sócio do escritório LBS Advogados, que presta assessoria jurídica à FNA.  Ao lembrar que o Brasil enfrenta altas taxas de informalidade e rotatividade no ambiente do trabalho – quase metade da força empregada em um ano fica desempregada no ano seguinte, manifestou preocupação com a crescente sonegação de direitos por parte dos empregadores, gerando um passivo trabalhista ao longo dos anos. “Os sindicatos precisam se reinventar, pois a mudança de paradigma em curso despreza sindicato inclusive como fator de flexibilização. Rebaixa todos os padrões de fiscalização’, pontuou Loguercio.

Para o advogado, as leis saíram de um patamar ‘hard’ de proteção ao trabalhador para um nível ‘soft’, num cenário onde as empresas se comprometem com governança, boa conduta, governabilidade, mas ao mesmo tempo permitem terceirizações, jornada intermitente e outros modelos possíveis pela Reforma Trabalhista. “Este padrão de mudança estrutural está aí, e não basta apenas resistência, pois não se trata de uma mera crise estrutural, é uma tentativa de implantar um novo mundo de trabalho’, garantiu. De acordo com o advogado, os sindicatos têm como desafio ultrapassar esse modelo ‘concorrencial’ a que o setor foi submetido, onde quem ganha espaço é quem trabalha melhor e oferece mais. “A lógica, no entanto, é outra. A liberdade sindical é a possibilidade de se estabelecer qualquer tipo de sindicato. O modelo de ‘que vença o melhor’ não é voltado à organização de classes, mas à concorrência”, destacou.

O diretor da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) Jair Pedro disse que a situação dos bancários também é desafiadora, especialmente diante do rápido avanço da tecnologia que permite novas modalidades de atuação, mas não há uma preocupação com a qualidade voltada ao trabalhador.  O painel ainda contou com a participação do secretário de Relações de Trabalho da CUT, Ari do Nascimento, que fez uma saudação aos participantes do evento e uma breve homenagem a Kjeld Jakobsen, ex-presidente da CUT falecido neste sábado (confira link com a reportagem).