A partir de 1° de janeiro de 2021 entra em vigor no Brasil a resolução número 62 do governo federal que pretende – nas palavras do próprio governo –  “agilizar a construção e habitação de edificações no país através de portal na internet.”  Na prática, pessoas poderão construir ou morar em uma edificação regularmente apenas com o envio de informações, dados e documentos solicitados através de um site, que funcionará como um sistema integrado entre prefeituras, Corpo de Bombeiros e Receita Federal. Dessa forma, as autorizações serão obtidas de imediato. A norma passa a ter efeitos a partir de 1º de março apenas em municípios que se voluntariarem.

A medida – classificada de Licenciamento Urbanístico Integrado – é uma falácia em seus propósitos, segundo o presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Estado do Rio Grande do Sul (SAERGS), Evandro Babu Medeiros: “Os grandes investidores, que fazem obras mais onerosas, não abdicarão da função fiscalizadora do governo, pois não querem correr o risco de perderem seus recursos. Assim, eles seguirão cumprindo e exigindo do governo todas as etapas possíveis para assegurar de que estão fazendo um bom negócio. É uma medida, portanto, para desproteger médios e pequenos investidores ou aquela pessoa que passou uma vida economizando para ter sua casa própria.” De acordo com Babu, na forma como foi apresentada, a medida induz a sociedade a analisar o caso de forma errônea. “A constituição, mas também a definição moderna de Estado, estabelece que o papel da Administração Pública é restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade. Ao abrir mão disso, o poder público estará delegando essa competência a outro, em seu lugar. Quando mortes ocorrerem, a sociedade é quem pagará pelas decisões equivocadas do poder público.”

O presidente do SAERGS comenta ainda que a justificativa da desburocratização e do baixo risco também não se sustentam: “A burocracia existe exatamente para combater a corrupção. Quanto mais confirmações tivermos sobre uma informação, mais legítima ela será”, pontua o dirigente, alegando que corrupção se combate com transparência e morosidade com otimização. “A tecnologia que utilizamos para um projeto não foi incorporada pelo poder público para fiscalização. Hoje em dia seria bem fácil saber onde e porque um processo está demorando para ser analisado”, diz o dirigente.

Quanto ao critério para atividades de baixo risco adotado pelo governo, Babu, que também é especialista em Engenharia de Segurança contra Incêndios, argumenta que o Brasil não ‘aprende com seus funerais’ e a fiscalização é condição primária do risco de incêndios, devendo ser estimulada ou exigida pelo poder público. “Qualquer agente responsável da área de segurança contra incêndios sabe que a sociedade brasileira está recém começando a desenvolver um conhecimento sobre os riscos de incêndios, mas estes ainda são insuficientes para se responsabilizar pelas informações necessárias à avaliação de riscos.” Ele lembra, por exemplo, que no caso da Boate Kiss, o forro, proibido segundo as normativas técnicas, foi adquirido normalmente no comércio. “Não são raros os casos em que uma residência unifamiliar pega fogo, às vezes levando a morte pessoas, crianças, por conta de instalações completamente fora das normas de segurança”, afirma.

Outra incongruência da medida, segundo Babu, é definir-se pelo risco de incêndios, subvalorizando outros aspectos como acessibilidade, conforto higrotérmico, higiene, estabilidade estrutural e vida útil das edificações. “O Brasil tem uma trajetória de 50 anos, praticamente, de estudos que culminaram em normativas técnicas que analisam o desempenho das edificações, visando proteger o consumidor ao mesmo tempo em que aproveitar de forma adequada nossas condições ambientais naturais”, pontuou.

A norma, além de estabelecer classificação de risco para atos públicos de liberação de direito urbanístico, cria o Mercado de Procuradores Digitais de Integração Urbanística de Integração Nacional (MURIN), desenvolvido para a dispensa de licenciamento de alvará de construção e habite-se para obras e edificações consideradas de baixo risco, aplicando, assim, a Lei de Liberdade Econômica ao direito urbanístico.

 

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