A pandemia escancarou algo que já estava visível: as péssimas (ou nenhuma) condições de habitação da maior parte da população brasileira, sobretudo as que vivem nas periferias das cidades. Quase um terço dos brasileiros vivem em condições precárias e, cerca de 25 milhões de moradias precisam ser reformadas. Esa realidade cruel especialmente em tempos de necessidade de isolamento social, foi apresentada pela presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Nádia Somekh, no início da última produção exclusiva que a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) realizou dentro da programação de junho do 27° Congresso Mundial de Arquitetos – UIARio2021.

O tema que fechou a agenda do mês, na sexta-feira (25/6), foi “ATHIS e as Cidades para Inclusão: Integração das Políticas nos Territórios”. Em breve participação na live, a presidente da FNA, Eleonora Mascia, destacou que, em um país com tantas desigualdades, torna-se um compromisso lutar por cidades inclusiva a partir de políticas públicas que instrumentam a política urbana. “Temos tanta casa sem gente e tanta gente se casa. Precisamos enfrentar a especulação imobiliária e trazer o compromisso público da moradia digna para o centro da pauta dos arquitetos e urbanistas”, pontuou.

O arquiteto e urbanista, ex-presidente da FNA e atual integrante do Conselho Consultivo da federação, Cicero Alvarez, mediou o debate que contou com a participação de Inês Magalhães, socióloga que atuou no Ministério das Cidades entre 2003 e 2016 e atualmente é consultora sênior na área de habitação e desenvolvimento urbano para agências multilaterais, Edmilson Rodrigues, arquiteto e urbanista, prefeito de Belém e professor da Secretaria Executiva de Estado de Educação do Pará, e Flávio Tavares, arquiteto e urbanista, diretor-executivo do Instituto Território e entre 2017 e 2020 foi Secretário de Planejamento de Conde (PB). Questionado por Cicero sobre as dificuldades na implementação da ATHIS e sobre a função social da propriedade, fato que para ele é algo desconhecido da imensa maioria da população e muitas vezes tema que impõe dificuldades inclusive ao Poder Judiciário, Edmilson Rodrigues não teve dúvidas ao afirmar que o gargalo está na cultura patrimonialista vigente no Brasil que impede o surgimento de uma consciência universal plena a cerca dos direitos de cada um. “Me refiro ao exercício pleno de todos os direitos que há em uma cidade. Não há, por parte do poder público em sua grande maioria, essa ideia de urbanismo que pensa na integralidade e que busca a universalização desses direitos”, destacou.

Para Flávio Tavares, o problema é mais complexo e vai além da própria legislação vigente – a Lei de ATHIS – (lei federal 11.888/2008), que prevê a garantia da assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação às famílias de baixa renda. “De fato, temos instrumentos avançados, paradoxos de lei famosas, mas com uma realidade desconexa disso. É um problema complexo, sistêmico, histórico e político”, sintetizou o arquiteto e urbanista. Segundo ele, uma das saídas para reverter o atual cenário de paralisia na implantação da lei pelas cidades, passa pelo entendimento da diversidade do território brasileiro, com uma análise profunda das carências de cidades de médio e grande porte e, como tal, exige soluções diferenciadas para cada território.

Para Inês Magalhães, a resposta à provocação de Cicero é a existência de uma correlação de forças desigual na base da sociedade, mesmo em cidades com Planos Diretores aprovados com todas as suas figuras e instrumentos previstos. “A correlação de forças equilibrada se mostra essencial nesse processo, e a grande perspectiva de se fazer isso de forma mais lastreada é via BrCidades, uma iniciativa que devemos comemorar muito”, afirmou a socióloga. Segundo ela, o olhar que se faz necessário nos dias de hoje deve ser calcado e fortalecido a partir de novos instrumentos que surgem, sem deixar de agregar outras iniciativas já existentes, como o Estatuto das Cidades. Para ela, o momento é oportuno para repactuar estratégia de implementação não só da ATHIS, mas de políticas habitacionais como um todo. “Não é razoável que no Brasil não haja uma assistência técnica, nem uma oferta de habitação para os mais pobres e muito menos um programa de reurbanização pra comunidades.”

Segundo o prefeito de Belém, nenhuma profissão tem tanta possibilidade em favor da humanização das cidades do que a de arquiteto e urbanista. “A nova agenda urbana – fruto da 3°Conferência do Habitat – é uma agenda avançadíssima, com normativas internacionais que podem nos dar força e nos ajudar a combater essa lógica autoritária e privativista que estamos vendo”, considerou o arquiteto e urbanista.  Para Flávio Tavares, a assistência técnica precisa ser colocada na vitrine e como prioridade para fazer frente ao quadro de imensas desigualdades sociais não só no Brasil, mas no âmbito dos países latino-americanos. “Temos evoluído bastante na sociedade civil organizada, nos coletivos, mas precisamos trazer um pouco para o campo político como estado desenvolvedor de uma ATHIS publica e gratuita”, disse.

Assista a live na íntegra aqui