Ela tinha só seis anos quando decidiu fazer arquitetura. Hoje, com 30 anos de carreira, Claudia Teresa Pereira Pires, ganhadora do 17º Arquiteto e Urbanista do Ano da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), ainda afirma que foi a melhor decisão que poderia ter tomado. Nascida em Nova Lima (MG), a arquiteta e urbanista fez da sua escolha uma bandeira de luta. “Não tinha como ser diferente e não tinha como eu esquecer de onde vim. Eu sou de uma família e de uma cidade operária e fortemente conectada aos movimentos comunitários. Então, já comecei a faculdade com a ideia de desenvolver um saber técnico e organizar ferramentas para voltar para casa e beneficiar o meu povo, que sempre sofreu com problemas de habitação”, conta. Desde 1992, quando se graduou nas Faculdades Metodistas Izabela Hendrix, em Belo Horizonte (MG), ela sabia que o caminho era usar a arquitetura em prol da igualdade social.
E um dos primeiros passos, que ainda hoje vem à memória de Claudia, ocorreu durante a faculdade, em um estágio no programa Pró-Favela realizado pela Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (URBEL). Ela relembra um pouco do processo de urbanização e zoneamento de favelas na capital mineira. “Foi incrível viver essa experiência, entender como aquelas comunidades funcionavam e atender uma demanda que vinha da população, que sabia o que era preciso mudar. Realizamos um levantamento na época, inclusive, que auxiliou ao que conhecemos hoje, como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS)”, relembra. O processo, oriundo dos anos 1980, despertou ainda mais na profissional a importância de se lutar pelo desenvolvimento dos programas e políticas públicas voltadas à moradia. Essa semente rendeu frutos ao longo de sua trajetória de vida e carreira pela Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS).
O currículo que as últimas três décadas trouxeram a Claudia é surpreendente. Não só no que diz respeito à vida acadêmica, mas a todas as suas participações em projetos, entidades, conselhos e movimentos de luta pela habitação. Essa inquietação, inclusive, é o que motivou a personalidade cosmopolita. “Às vezes tinha até vergonha de contar para as pessoas que eu tinha uma casa em cada lugar. Um pouquinho em Minas, um pouquinho no Rio de Janeiro. Ainda passava pelo Distrito Federal, por conta do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, e em São Paulo, onde hoje faço doutorado na Universidade Federal de São Paulo”. Essa peregrinação pelo país começou em 2005, quando conheceu o companheiro de vida Demetre Anastassakis, falecido em 2019. Na época, com uma carreira consagrada e premiada, inclusive com o Prêmio Arquiteto e Urbanista do Ano da FNA, ele trabalhava com arquitetura popular na Baixada Fluminense (RJ).
Ao lado do parceiro de vida na Autografics Arquitetura e Planejamento, desenvolveu e lutou para que a arquitetura não fosse considerada artigo de luxo e pudesse fazer parte do dia a dia da população. O escritório assinou projetos, teses para a Política Urbana, de Moradia e Planejamento Urbano, inclusive, em obras do Governo Federal (PAC-FNHIS). O trabalho ao lado das instituições públicas ainda segue na ativa. Hoje, depois de implantar a Política de Habitação como Assessora e Secretária de Habitação em Nova Lima, exerce a função de consultora na prefeitura de Magé (RJ), auxiliando a tirar do papel e transformar a moradia em uma política pública da cidade. Também faz parte do Instituto Rio Metrópolis, na inclusão do município de Petrópolis (RJ) no Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado à Região Metropolitana do Rio de Janeiro; do Observatório Cooperativo da Agenda (OCA) do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Rio de Janeiro (IAB/RJ); e do METRODS, difundindo a Nova Agenda Urbana e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Rede ODS, capacitando servidores e técnicos em todo o Brasil através de cursos sobre o tema. A presença dos profissionais de arquitetura e urbanismo ao lado dessa luta de inclusão também é uma bandeira de Claudia.
“O arquiteto tem uma função social muito importante e precisamos mostrar isso aos colegas e à sociedade. Nosso trabalho nunca foi para uma classe específica, ele sempre foi desenvolvido para funcionar e atuar pelo coletivo. Eu trabalhei durante os anos 1990 em um escritório de alto luxo e isso sempre foi combinado com uma prática profissional voltada para a sociedade. Não podemos segmentar a arquitetura, precisamos universalizar o atendimento”, destaca.
Em 2020, muito próximo ao primeiro caso de Covid-19 registrado no Brasil, a profissional ajudou a fundar o coletivo “Arquitetos e Urbanistas pela Moradia”, com o objetivo de conscientizar a categoria e estruturar uma agenda dos arquitetos pelo direito à habitação. Dentro desse movimento, surgiu também o projeto “5570 Municípios com ATHIS”, procurando garantir o acesso de toda população à habitação digna, segura, adequada e a preço acessível, bem como aos serviços básicos de urbanização nas favelas. A mobilização procura também pressionar as Câmaras Municipais pela liberação e desenvolvimento de projetos de Assistência Técnica. “Levamos essa luta para junto das cidades, das entidades e dos profissionais de arquitetura através de palestras, debates e eventos, como o Circuito Urbano, e a Agenda Coletiva da ONU para 2030”, explica Claudia.
Bisneta de uma mulher escrava, filha de uma mãe que se envolveu pelas lutas comunitárias no interior de Minas Gerais, Claudia trilhou um caminho em busca de uma arquitetura que entenda mais o Brasil e olhe mais para a cara do seu próprio povo. “Precisamos expandir o nosso fazer, levar o nosso saber a quem mais precisa e reduzir as desigualdades sociais atuando fortemente nos passivos sociais e urbanos com um forte investimento público. Isso é uma forma de reparação entre a arquitetura e a sociedade”, conclui. Com essa preocupação em mente, a profissional também tem um Boletim de Urbanismo na Rádio CBN desde 2009. Já escreveu para O Estado de Minas, Jornal Hoje em Dia, revista Habitat e é colunista da Revista Viver BH.
Foto: Juliana Rocha