Os profissionais da Arquitetura e Urbanismo precisam aprender a trabalhar coletivamente, como através de cooperativas, por exemplo. Isso é o que mostra a Cartilha Trabalhadores Articulados em Benefício da Arquitetura (T.A.B.A.), projeto desenvolvido pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) e o escritório AH! Arquitetura Humana, em parceria com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU Brasil). De acordo com a publicação, o cooperativismo é uma das alternativas para a profissão lutar contra a precarização do mercado e de resgatar o espírito colaborador.
A necessidade de mudar as formas de trabalho vai ao encontro da pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha para o CAU Brasil ainda em 2022. O estudo mostra que dentre os 50 milhões de brasileiros que já fizeram obras de reformas ou construção, 82% não contrataram serviços de profissionais tecnicamente habilitados, arquitetos ou engenheiros. O problema, no entanto, não é a falta – nem o excesso – de profissionais, mas, de acordo com a arquiteta e urbanista e uma das autora do T.A.B.A Karla Moroso, é a má distribuição dos profissionais segundo as reais demandas da nossa sociedade, o que torna o mercado de trabalho restrito e elitizado. “Tem muita gente precisando de arquitetos, só precisamos aprender a adequar a classe para trabalhar no molde do que a população precisa. Por isso, desenvolvemos a cartilha. Queremos expandir e mostrar aos demais colegas que existem diferentes formas de exercer a profissão. E formas, essas, que podem se encaixar no objetivo e no bolso da categoria”, afirma.
É aí que o desafio é lançado. Como aproximar os profissionais da realidade da sociedade brasileira e entender o papel de transformação social que recai sobre a classe? Apoiar e potencializar a existência de cooperativas, ONGs, associações e escritórios populares pode ser a solução. “O trabalho coletivo e regulamentado, através das Cooperativas de Trabalho, por exemplo, é um caminho potente para os arquitetos conseguirem encontrar espaços no mercado de trabalho e cumprirem com o seu papel social”, afirma Karla. De acordo com o Código de Ética profissional, o arquiteto e urbanista deve defender o interesse público, o direito às políticas públicas e ao desenvolvimento urbano, a promoção da justiça e a inclusão social nas cidades. Ou seja: a atuação dos arquitetos e das arquitetas é, portanto, essencial para a promoção da qualidade de vida da população – um dos pilares do trabalho cooperado.
O mercado demonstra uma necessidade de especialistas nas diferentes áreas e, através das cooperativas, que já dispõem de um banco de dados dos profissionais, as empresas podem contratar mão de obra qualificada para a sua área de atuação, o que favorece, inclusive, para uma maior geração de empregos. De acordo com a economista e supervisora do escritório regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos (Dieese) no Distrito Federal, Mariel Angeli Lopes, o mercado de trabalho de Arquitetura tem espaço para crescer. “Porém, para que isso aconteça, é necessário que a população tenha conhecimento a respeito da importância da contratação de profissional para a concepção e execução de projetos, e dos benefícios que consultar um arquiteto podem gerar”, afirma. Karla ainda vai além: “o esforço de se aproximar da população e mostrar a importância do nosso trabalho é dos arquitetos, principalmente através do trabalho coletivo”.
A secretária de Relações Trabalhistas da FNA, Dânya Silva, explica que esse afastamento atual da categoria de sua posição de agente promotor de justiça social, do conforto ambiental e trabalhista, dentre outros é resultado do desmonte das políticas públicas. “Quando o trabalho é precarizado, a vida dos trabalhadores também será precarizada. Há uma interferência direta destas novas relações trabalhistas na qualidade de vida das pessoas e na qualidade de vida da categoria, que está apenas tentando sobreviver sem compreender de fato o seu papel e as diferentes maneiras de exercer sua carreira”, expõe. De acordo com a Cartilha T.A.B.A, esse quadro de desregulamentações tem por consequência a desestruturação a partir da retirada de direitos, um aumento significativo das desigualdades e uma polarização de trabalho em uma fatia específica da sociedade.
A situação do mercado de trabalho e o trabalho sindical
Diante da atual conjuntura apontada por Dânya, o profissional de arquitetura e urbanismo é, hoje, obrigado a produzir um trabalho voltado para a lógica da venda, do mercado, do produto, da fluidez, o que acaba causando uma flexibilização das regras para gerar os resultados esperados. A Cartilha T.A.B.A. aponta, ainda, que nessas relações, a flexibilidade se manifesta no formato de contratações de serviços e rescisões ferindo princípios que buscam proteger o trabalho digno dos arquitetos, como se tornar uma pessoa jurídica (PJ) de qualquer forma, sem compreender os impostos, taxas e tributos e como eles se encaixam no faturamento da categoria.
O resultado disso é um exercício profissional precarizado, sem acesso aos direitos trabalhistas e sociais e construindo um mercado exploratório e sem garantias. É em encontro com essa necessidade que os dirigentes sindicais têm papel fundamental na mudança de comportamento dos profissionais dentro do mercado e de estimular o trabalho dentro de cooperativas. “As pessoas só vão entender a importância do arquiteto quando a gente estiver onde eles estão: nas ruas, na comunidade, no setor público e em qualquer espaço que nos permita sair da lógica do mercado e atender a população que não precisa de um novo edifício comercial no centro da cidade, mas sim de um banheiro ou de uma ventilação mais adequada dentro das suas residências e de mobilidade e acessibilidade dentro e fora do seu espaço de convivência e conforto”, afirma Karla. Ela destaca o papel das cooperativas na promoção desse encontro porque os arquitetos estão nas comunidades, ruas e periferias e não sentados dentro de um escritório.