Por conta da afinidade com a arte e a matemática desde o colégio, Andréia Moassab se identificou com o curso de Arquitetura e Urbanismo ainda na adolescência. Crescida no Vale do Paraíba, na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, conduziu sua formação como arquiteta na Universidade Paulista (Unip). Foi ao longo da graduação que amadureceu o lado político da profissão, com sua atuação na área do planejamento urbano e regional, desenvolvendo o senso crítico sobre as possibilidades da arquitetura na construção de cidades menos desiguais e de um mundo não pautado pela mediação da mercadoria – o que nem sempre é evidente numa área que pode estar fortemente atrelada ao mercado imobiliário.

Esse caminho de valorização e de compreensão da realidade urbana, sobretudo a partir das periferias, começou quando a profissional teve contato com a arquitetura popular, estagiando na Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo (Emplasa), onde trabalhava com a equipe que tratava das questões habitacionais. “Estar ligada diretamente com a questão pública, com o debate coletivo, foi uma experiência profissional que gerou um impacto gigante na minha trajetória”, relembra. Na época, ainda estudante, assumiu a responsabilidade de entrar em contato com as prefeituras para levantar informações, dados e localizações das favelas em todos os municípios da região metropolitana. “Entramos em contato com quase 30 gestões municipais, para criar um documento que ainda não existia, pois nenhuma destas comunidades constavam na cartografia paulista”, explica.

Este primeiro contato colocou Andréia em um meio totalmente diferente do que imaginava, distinto da ideia da junção de arte e matemática que visualizava na arquitetura e no urbanismo quando jovem. A semente plantada ainda na época do estágio, levou a profissional para o mestrado e o doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde pesquisou temas relacionados à arte no espaço urbano e às periferias das cidades brasileiras contadas e cantadas pela juventude do hip-hop. As experiências no ambiente acadêmico trouxeram uma nova ferramenta para a vida profissional: a inclusão da arte e da cultura no desenvolvimento de trabalhos técnicos como uma tentativa de compreender os espaços e a população local. Por isso, em 2006, a arquiteta concorreu a um edital nacional do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para apoio a estágio doutoral. Aprovada, ela seguiu rumo a Portugal, com estadia no Centro de Estudos Sociais de Coimbra (CES), sob orientação de Boaventura de Sousa Santos.

Foi do outro lado do Atlântico que entrou em contato com o pensamento pós-colonial, refletindo e analisando os efeitos políticos, filosóficos, artísticos e literários deixados pelo colonialismo. “Nesses anos, pude perceber como o debate sobre a arquitetura desconsiderava a história das cidades africanas e os fenômenos contemporâneos do continente como um todo”, destaca. Carregando consigo uma bagagem de estudos críticos a ao eurocentrismo, em 2009 Andréia se mudou para Cabo Verde. No arquipélago, teve “uma vivência indispensável para incorporar uma experiência não somente sobre o contexto africano, mas também, a partir dele”, cita. Em um país e em uma cultura distinta, a arquiteta e urbanista passou a trabalhar no Centro de Investigação em Desenvolvimento Local e Ordenamento do Território (Cidlot), dentro da Universidade de Cabo Verde, estudando as cidades africanas, a despeito do imenso vazio sobre o tema na literatura especializada.

Com o nascimento da filha e saudades de casa, o retorno ao Brasil começou a surgir no seu horizonte. Mesmo satisfeita com o trabalho e os desafios no Cidlot, uma amiga lhe mostrou o projeto da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Em 2012, retornando às terras brasileiras, tornou-se a primeira professora do curso de arquitetura da Unila ampliando ainda mais o seu caminho profissional neste diálogo sul-sul, entre África e América Latina. Ao longo de sua trajetória profissional e política, através dos estudos feministas e das relações étnico-raciais, da sociologia das ausências, do pensamento decolonial e da teoria marxista da dependência, chegou à liderança do Maloca – Grupo de Estudos Multidisciplinares em Urbanismos e Arquitetura do Sul, registrado pela UNILA no diretório de grupos de pesquisa do CNPq desde 2013.

“Todo o conhecimento que desenvolvi em Cabo Verde me mostrou como muito da teoria dominante sobre cidades ignora a realidade das pequenas e médias urbanidades”, destaca. Em seu trabalho, sempre sob um viés de classe, gênero e raça, ela busca desenvolver uma perspectiva epistemológica que dê conta da pluralidade, sem o usual ocultamento técnico das matrizes africanas e indígenas e sem trasladar acriticamente o debate do Norte Global para a nossa realidade urbana e territorial. Ainda, afirma a arquiteta: “a ótica dominante na área acaba tornado a arquitetura apenas uma engrenagem do capitalismo”.

É justamente na perspectiva oposta que a arquiteta tem trabalhado, inclusive atuando junto a movimentos sociais e sindicais, relacionados direta ou indiretamente com a área, como é o caso do ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, ou, mais recentemente, junto ao Sindicato dos Arquitetos do Paraná.

Atualmente, estar na Unila significa para Andréia um encontro especial, afinal a universidade representa a esperança de estar em um ambiente acadêmico onde convive com estudantes e colegas de diferentes países e regiões do Brasil. “É um espaço de troca de conhecimentos, estudos e de luta para uma arquitetura mais popular e mais ligada ao território onde ela se aplica, isto é, poder partir de um horizonte onde podemos construir a arquitetura como ferramenta para a transformação radical do mundo”, destaca.

Foto: Pedro França / Agência Senado