Em um país bonito por natureza como o Brasil, mas no qual cada vez mais o cinza do cimento tange o verde da natureza e os problemas ambientais afloram, é preciso pensar em soluções sustentáveis. O uso indiscriminado do concreto é responsável por pelo menos 7% das emissões mundiais de carbono, segundo a Global Cement and Concret Association (GCCA). A arquiteta e urbanista Vika Martins, dona do escritório Ohásis, especializado em arquitetura sustentável, propõe a bioconstrução como alternativa para sanar esse problema. “É a gente poder, enquanto arquiteto, propor soluções reais, influenciadas na sabedoria das soluções que os povos originários deram para as suas moradias e que permitem que a gente construa um mundo melhor”.
A prática se baseia no uso de materiais naturais como bambu, terra, palha, madeira e tintas naturais, e técnicas como superadobe (técnica construtiva simples que utiliza solo argiloso e sacos de polipropileno), pau a pique (que utiliza a terra crua como principal componente, junto com madeira bambu ou cipó) e cob (em que o terreno é escavado, misturado com água e esculpido a mão), entre outras. O conceito da reciclagem e o aproveitamento das águas das chuvas também estão presentes no modelo de construção.
Algumas das vantagens no uso da terra são a economia de energia, a redução dos gastos com manutenção, ambientais e de saúde. “Tem custos que a gente não costuma olhar. Uma construção convencional usa um monte de produtos químicos. Tem um custo ambiental muito alto que a gente deve considerar. Tem a questão da eficiência energética, de uma casa que ao longo da vida vai custar mais para você poder refrigerar e ter um conforto ambiental”, destaca Vika. As contribuições de utilizar essa técnica não se resumem ao momento da sua execução, mas se prolongam ao longo da sua vida útil, trazendo benefícios como a melhoria da qualidade de vida e da respiração.
Contudo, a bioconstrução ainda é um mercado em expansão, e para se tornar mais competitivo, é necessária a sua difusão. A arquiteta e urbanista também explica que a realidade, atualmente, é que hoje poucas pessoas trabalham com a terra e, por isso, as técnicas são menos conhecidas do que poderiam ser. Para virar a chave é necessário o compartilhamento do conhecimento e a formação de bioconstrutores, tanto dentro como fora das universidades.
Furando a bolha
Na linha de difundir o conhecimento e popularizar a bioconstrução, entra a plataforma colaborativa “Mapa da Terra”, criada em dezembro de 2020 pelo designer Kin Guerra e pela arquiteta e urbanista Letícia Grappi. O objetivo da iniciativa é mapear obras feitas com materiais naturais. Hoje, conta com pelo menos 307 construções cadastradas por usuários do Brasil e também de outros países, como Venezuela, Austrália, Itália e Colômbia. Guerra diz que o objetivo com a plataforma é estabelecer pontes entre profissionais que produzem bioconstrução nos mais diversos países, além de pessoas que querem aprender sobre o tema.
Letícia afirma que a prática tem um grande potencial de disseminação. “Estamos em um momento do mundo de discussão sobre as formas de viver, de impactar menos. É claro que essas discussões ainda estão em bolhas. É preciso expandir. Mas existe uma crescente na busca pelo assunto e isto se reflete na construção. Entretanto, é uma crescente que precisa ser muito maior para podermos alcançar uma mudança significativa no paradigma da sociedade”.
A bioconstrução enfrenta também o tabu construído em torno dela. Políticas públicas relacionam erroneamente ao inseto barbeiro a construção feita com pau a pique, por exemplo. Em algumas realidades, também são relacionados com a miséria ou causam desconfiança sobre a sua durabilidade. A presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Andréa dos Santos, destaca a importância de viabilizar as inúmeras iniciativas de arquitetos que estudam, implementam e executam seus projetos focados na preservação ambiental e sustentabilidade do planeta, como é o caso do Mapa da Terra, a fim de desconstruir a narrativa. “São muitos os tabus que precisamos enfrentar. Em uma realidade de precariedade da moradia, do difícil acesso à habitação e da prática de autoconstrução nas cidades, é preciso disseminar práticas como a da arquitetura com terra para que possamos construir um futuro mais sustentável ”.
A solução para expandir o mercado da bioconstrução e envolver ainda mais profissionais pode estar na sala de aula. Nas universidades, reforça Letícia, tradicionalmente pouco se estuda ou se trabalha com o assunto. Segundo ela, há uma “institucionalização do estigma da construção com terra”. A formação acadêmica acaba sendo exclusivamente com concreto armado. Todavia, vem havendo uma leve movimentação em sentido contrário, trazida por professores que tiveram contato com a bioconstrução e pela própria busca dos estudantes pelo tema.
Um deles é Filemon Tiago, bioarquiteto e urbanista que em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no ano de 2022, idealizou o Projeto Arqviva, que atua em Aparecida de Goiânia (GO). “O objetivo é devolver esse saber milenar da bioconstrução para pessoas de baixa renda, dando oportunidade de construção sem a dependência de materiais convencionais”, explica. Por meio de cursos gratuitos, o Arqviva promove a cooperação entre a comunidade e arquitetos, e foi transformado em projeto de extensão para alunos de arquitetura e engenharia, introduzindo a eles a Assistência Técnica em Habitação Social (Athis). Atualmente está em andamento a construção de uma creche que deve abrigar cerca de 70 crianças.
Formar ainda mais profissionais na prática, sejam eles arquitetos, sejam eles bioconstrutores, pode gerar impactos positivos ao meio ambiente e aos modelos de atuação da arquitetura. Andréa também ressalta que “quanto mais práticas tivermos e mais opções dermos à sociedade para construir melhor e mais consciente, mais poderemos atingir diferentes camadas da população”.