Apesar das prefeituras terem autonomia administrativa no que diz respeito ao salário dos estatutários, os Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas filiados à Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) têm avançado nas negociações sobre o piso salarial. As entidades de representação da categoria nos estados do Rio Grande do Sul (Saergs), Paraná (Sindarq-PR) e São Paulo (Sasp) estão abrindo mesas de discussão e conquistando, se não o reajuste salarial, a diminuição da carga horária compatível ou adicional que melhore as condições de trabalho. “É muito importante essa articulação coletiva, que une os profissionais, mas também une a classe dos arquitetos e dos engenheiros, por exemplo. Ao lado do Sindicato dos Engenheiros do Paraná, o Senge-PR, estamos conquistando a redução da carga horária dos profissionais na prefeitura de Foz do Iguaçu, de 40 para 30 horas semanais, e o cumprimento dos seis salários mínimos compatíveis conforme a lei do SMP”, explica o vice-presidente do Sindarq-PR, Gabriel Rodrigues da Cunha.
Desde 1966, quando o Salário Mínimo Profissional (SMP) foi aprovado, o debate dos profissionais estatutários já estava presente no projeto. “O Supremo Tribunal Federal, no debate do SMP que ressurgiu em 2021, apesar de não (re)julgar diretamente o tema, reafirmou o entendimento de que a obrigatoriedade de um piso mínimo nacional delimitado na lei 4.950-A/66 fere o regime próprio e a autonomia administrativa dos municípios. Por isso, todos os profissionais contratados no regime estatutário estão sujeitos à legislação do ente ao qual está vinculado”, explica a sócia da LBS Advogadas e Advogados, escritório parceiro da FNA, Camilla Cândido. A resolução de número 12, de 1971, suspendeu em definitivo a discussão e segue valendo até os dias atuais.
Para a advogada, uma solução para a igualdade salarial entre estatutários e celetistas, seria a mudança da lei federal. “O que vimos recentemente no caso dos enfermeiros, por exemplo, foi rediscutir todo o modelo do piso salarial. Se organizou a obrigatoriedade do cumprimento do piso em todos os modelos de contratação, mas também se delimitou o repasse de verbas para os demais entes poderem cumprir com os valores”. Atualmente, explica Camilla, a administração pública possui dois modelos de contratação: o estatutário, que delimita os salários/carreira a partir da lei que regulamenta o serviço público no ente federado (estados e municípios) e o celetista, que precisa cumprir com a lei do SMP independente do orçamento. “Em meados dos anos 1990, logo após a aprovação da Constituição Federal, as prefeituras escolheram seus modelos de contratação, quase todas optando pelo regime estatutário. Por isso, abarcadas pela falta de regulamentação, é tão difícil realizar uma negociação”.
O presidente do Sasp, Marco Antonio Teixeira da Silva, afirma que, desta forma, a mediação precisa ser paciente. “Há um limite de negociação porque o orçamento municipal é sempre a principal resposta do poder público. Precisamos manter a pressão e, ao mesmo tempo, encontrar as melhores propostas para que os pedidos sejam acatados o mais rápido possível. Um trabalho conjunto dos profissionais, a mobilização coletiva entre as classes e uma escolha consciente dos nossos representantes na Câmara dos Vereadores é o caminho que o Sasp tem traçado”. Em 2022, graças à pressão de inúmeras entidades de classe, a prefeitura de São Paulo (PMSP) reajustou o salário dos servidores, que enfrentavam a defasagem desde 2016. “A PMSP tem uma lei que reajusta os vencimentos em 0,01% e só altera esse valor segundo alguns critérios de arrecadação. Por isso, manter a pressão e a proximidade política é a nossa forma de conquistar direitos mesmo perante as tentativas de congelamento salarial”, afirma Marco Antonio. A entidade também tem atuado e acompanhado a situação salarial dos arquitetos nas cidades de Guarulhos, onde a categoria foi beneficiada por vitoriosa ação na justiça do trabalho determinou que todos os arquitetos fossem contratados segundo os ditames da Lei 4950A/66.
A situação é muito similar na cidade de São Leopoldo (RS). Procurados pelos arquitetos e urbanistas do município, o SAERGS auxiliou os profissionais a desenvolver o projeto de lei 357/2022, que altera os artigos 2º, 3º e 5º da lei municipal 7.716/2012, e cria a Gratificação de Responsabilidade Técnica. “Nas tratativas de trazer uma melhor condição de trabalho e um incentivo à categoria, a entidade conversou com a prefeitura e acertou o pagamento do adicional. A Gratificação será acrescida de 25% do salário base, totalizando 75%. Nossa luta agora é que o percentual chegue aos 100%”, explica a Diretoria do SAERGS. A intenção, agora, é expandir a ação também para outros municípios, procurando organizar os profissionais e incentivar a permanência das categorias no serviço público. “Temos algumas discussões encaminhadas e esperamos usar esse caso bem sucedido para mostrar aos arquitetos e urbanistas como a presença de uma entidade representativa na mesa de negociações pode gerar resultados importantes”, afirma a entidade.
Cunha, que está expandindo a atuação do Sindarq-PR nas negociações também para as cidades de Turvo (PR) e Londrina (PR), afirma que a batalha maior dos sindicatos é organizar a reestruturação e a progressão dos servidores nas prefeituras. “Nosso trabalho é garantir que os arquitetos queiram ficar nas prefeituras, principalmente nos pequenos municípios que tanto precisam da categoria, com acesso a uma boa remuneração e condições ideais de trabalho. A presença da nossa profissão é uma garantia do direito à cidade dos cidadãos. Em Foz, esperamos que com a aprovação da nova jornada, consigamos beneficiar os profissionais que já estão em atuação e criemos um espaço convidativo a quem deseja ingressar”. O objetivo do sindicato é que as novas condições sejam aprovadas antes do próximo balanço da prefeitura e que, a partir de agosto, o salário e a jornada já estejam aprovadas.
Camilla ressalta a importância dos concurseiros acompanharem os editais com atenção. “Para além das prefeituras que contratam servidores públicos estatutários, vemos muitos editais para empresas públicas, por exemplo, que são obrigadas a contratar em formato celetista que não respeitam o SMP. Caso haja alguma irregularidade, os profissionais precisam procurar os seus sindicatos. Com uma notificação coletiva, é relativamente rápido exigir a mudança e adequação do salário conforme prevê a lei”.
FNA e LBS disponibilizam parecer do SMP para os sindicatos
A LBS Advogados, em parceria com a FNA, está disponibilizando um parecer sobre os desdobramentos do SMP para facilitar a compreensão da lei e ampliar o debate nas mesas de discussão. A presidente da Federação, Andréa dos Santos, explica que “a entidade está comprometida em prestar auxílio e ferramentas para os sindicatos. Como as prefeituras estão amparadas na lei, o trabalho do movimento sindical se torna muito mais complexo”. O parecer aborda os principais aspectos sobre a aplicação do piso e a interpretação mais recente do STF sobre o tema, em especial, quanto aos pisos salariais profissionais fixados em múltiplos de salário-mínimo nacional.
Andréa também afirma que está nos horizontes da Federação ampliar a discussão sobre a lei federal, de forma a garantir o seu cumprimento em benefício da categoria. “Atualmente, nosso entendimento é de que a lei existe e deve ser cumprida. Por isso, cobramos a implementação do SMP e a formalização do trabalho, mas também discutimos a viabilidade de ajuste da lei sem reduzir valores de remuneração e tão pouco precarizar as condições de trabalho”, explica. A presidente da FNA também destaca que a mudança não é algo simples e que demanda articulação e diálogo com todos os envolvidos. “É um processo lento e precisa de apoio das entidades, dos profissionais e toda uma articulação política com o legislativo brasileiro. É um debate que precisa ganhar força junto a outras categorias profissionais e também na sociedade”.
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Foto: Amira Hissa/Prefeitura de Belo Horizonte