Nada passa ileso a seu olhar atento e perspicaz. Mulher de posições fortes, a arquiteta e urbanista Clara Levin Ant sabe que é preciso trazer luz às ideias para garantir a luta constante pela democratização do Brasil. Nascida na Bolívia, veio para São Paulo com apenas dez anos para escrever parte da história do movimento sindical e da própria esquerda brasileira. Militante contra a Ditadura Militar, fundadora da CUT e do Partido dos Trabalhadores (PT), foi vice-presidente da FNA (1983 a 1989) e integrou o Instituto Lula quando da elaboração do pioneiro Projeto Moradia junto a nomes como Ermínia Maricato e Nabil Bonduki. Na política, elegeu-se deputada estadual pelo PT em São Paulo com 19.925 votos, cumprindo mandato entre 1987 e 1991.

Defensora das lutas dos arquitetos, das cidades e da democratização dos espaços públicos, Clara esteve ao lado do presidente Lula em diversos momentos relevantes do país, da Constituinte ao governo. Uma história de reinvenção e esperança que teve início ainda na Bolívia quando a menina viu o pai chegar do Brasil com um liquidificador de presente para sua mãe embaixo do braço e muitas ideias inovadoras na cabeça. “Para mim, o Brasil era um liquidificador. Aquele aparelho facilitou a vida da minha mãe e significava a possibilidades de ventos promissores para todos nós.”

Metáforas à parte, o início do governo Jucelino Kubitschek enchia de esperança a América Latina no final dos anos 50. “Fomos atraído por uma tempestade de otimismo, o que fez meu pai juntar todo mundo e vir morar no Brasil. Se naquela época o Brasil para mim era um liquidificador, hoje posso dizer que temos aqui hoje um moedor de carne.”

Protagonista de seu tempo, foi na sala de aula que Clara Ant viu as mulheres ganharem espaço na Arquitetura e Urbanismo. Quando começou a dar aulas na PUC de Campinas, em 1977, conta ela, as mulheres eram minoria em sala de aula. Quando deixou a docência, em 1994, o jogo havia se invertido. “Houve uma mudança importante nesses 20 anos. Maior ainda se voltarmos aos anos 70 quando frequentei a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Lembro de ver um anúncio que pedia ‘Procura-se Arquiteto mulher’. Não se usava nem mesmo a palavra Arquiteta”.

Atualmente, 61% dos profissionais de Arquitetura e Urbanismo registrados no CAU são mulheres, realidade que varia muito de acordo com a faixa etária analisada. Segundo o Censo divulgado em 2012, ao avaliar profissionais acima de 61 anos, a relação é de sete homens para cada três mulheres. Entre 20 e 25 anos, a posição se inverte com oito mulheres para cada dois homens arquitetos. Situação que ainda não tem reflexo direto na gestão das entidades relacionadas à Arquitetura e Urbanismo. Apesar de várias federações e sindicatos serem presididos por mulheres, a exemplo da FNA, apenas sete das 27 regionais dos Conselhos de Arquitetura e Urbanismo (CAUs/UF) são lideradas por mulheres. Desde que foi criada, em 2010, a autarquia nacional nunca teve uma mulher na presidência.

Questionada sobre o que deseja para as cidades brasileiras e o que falta para torná-las mais seguras para as mulheres, Clara Ant não titubeia em pedir mais luz. Ela lembra que há relação direta entre a iluminação de espaços públicos e o índice de estupros e feminicídios. Uma preocupação que ganha ainda mais força em áreas de periferia, mas que também é realidade na maioria dos bairros das cidades brasileiras. “Tenho uma amiga que ficou feliz da vida só porque construíram um prédio grande na rua dela, que agora vai ficar mais iluminada. Isso mostra como as pessoas ainda se sentem inseguras, e como medidas simples podem fazer grande diferença”, exemplifica.

O que elas querem das cidades

– Ampliação de iluminação pública, principalmente em regiões de periferia.
– Adoção de horários especiais no transporte público de forma que mulheres e idosos possam embarcar e desembarcar fora dos pontos.
– Impor limites à especulação urbana de forma a evitar que as cidades sejam compartimentadas e fragmentadas, dificultando acesso a serviços básicos como saúde e educação e a espaços públicos de lazer a recreação. A integração de atividades, serviços, praças, áreas residenciais e passeio público é chave para o bem-estar das mulheres e de toda sociedade, uma vez que são elas geralmente as responsáveis pelos cuidados com crianças e idosos.
– Incentivar a construção de praças e espaços públicos onde as mulheres possam cuidar e oferecer lazer a seus filhos.