Quando falamos em mobilidade urbana, não podemos opor VIDAS a ECONOMIA.É necessária uma economia que garanta a mobilidade necessárias a defesa da vida.
A pandemia do novo coronavírus é o foco central da crise sanitária que afeta todo o planeta. Como tal se difere da Crise Econômica de 2008, que se deu no plano financeiro. No caso atual, estamos enfrentando um processo epidêmico que tem desdobramentos em outras áreas, mas que tem como objetivo principal a defesa da vida.
Na falta de tratamento ou de vacina, as autoridades de saúde seguindo as orientações da OMS sobre o processo de disseminação do vírus, tem propugnado pela adoção de medidas de restrição da mobilidade das pessoas e de isolamento social. Com isto observa-se uma grande redução das atividades econômicas e sociais com impactos diretos sobre a circulação de pessoas.
As autoridades de saúde não podem resolver tudo sozinhas, o que implica na participação de outros setores que devem ajustar as suas ações com os objetivos da luta sanitária. Se entendermos que as ações de combate ao Covid 19 é uma guerra sanitária, todas as demais áreas precisam adotar medidas semelhantes. Necessitamos de uma economia de guerra; de uma ação de comunicação adequada ao esclarecimento e redução do pânico; de programa de logística, transporte e distribuição de insumos à saúde, de alimentos e outros produtos. A exemplo de uma guerra, parte da indústria precisa ser reconvertida para estes objetivos.
Temos até exemplos – a Ambev e a empresa UNICA (União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo) assumiram o compromisso de produzir álcool para o sistema de saúde; internas do Presidio Feminino Talavera Bruce converteram suas atividades de costura para produzir máscara cirúrgicas para os profissionais de saúde; industrias antes focadas em outros produtos estão sendo direcionadas para a produção de aparelhos de ventilação necessários aos pacientes graves; hospitais estão deslocando seus pacientes não graves para outros locais abrindo espaço para a instalação de UTIs; estádios de futebol e hotéis, agora vazios, estão sendo colocados a serviço para o isolamento de pessoas do grupo de risco.
Todas estas medidas propugnadas pelas autoridades de saúde não são aplicáveis a todos os segmentos da sociedade. Basta considerar o número de residências, em comunidades e em bairros periféricos que sofrem de falta de água corrente, um dos insumos mais importantes para a higiene pessoal e dos locais aonde vivem. A pandemia chega num pais que contabiliza mais 11 milhões de desempregados e uma parcela aproximada de 40% da população sobrevivendo com trabalho informal. Daí fazer parte da economia de guerra suprir os segmentos mais carentes de água, serviços de coleta de lixo, abastecimento de alimentos e medicamentos, renda básica para mantê-los em isolamento e acompanhamento do setor de saúde da família para identificação de focos que venham a exigir medidas mais drásticas.
O setor da mobilidade urbana e da circulação de mercadorias é um ele essencial entre a saúde (autoridades, postos de saúde e hospitais, profissionais da saúde, laboratórios de pesquisa) e os demais setores – economia, comunicação e telefonia, abastecimento, logística e transporte, segurança. A exemplo da propagação de um vírus, o setor da mobilidade urbana ou em níveis regionais e nacionais, responde pelo fluxo de pessoas e insumos necessários a esta guerra.
Quando falamos em mobilidade urbana, não admitimos opor vidas à economia e sim defender uma economia ajustada as exigências de defesa da vida. A defesa das vidas é prioridade Zero e a mobilidade deve servir a este objetivo.
Nesta pandemia não é possível e adequado falar em isolamento vertical, separar uma parte da sociedade que pode ser atingida e propor para as demais se exporem ao risco de contaminação. Numa guerra não é possível dois países, um deles no front de luta e outra nas praias e nos shoppings. Quando na II Guerra Mundial parte da França foi ocupada pelos nazistas e parte foi considerada área livre, aqueles que negociaram a capitulação frente a Hitler julgavam que podiam salvar uma parte dos franceses. A História provou que as duas Franças acabaram se misturando e a guerra afetou a todos.
O Brasil pode dizer que tem a vantagem de não ter sido o primeiro epicentro da pandemia. Este ocorreu na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China. Os chineses tiverem de acionar medidas extremas para impedir a disseminação do vírus no país. O Brasil pode aprender com as experiências anteriores e as autoridades de saúde começaram a se preparar desde que identificaram a epidemia, o que não ocorreu com outras áreas do governo federal. Graças ao sistema tripartite do SUS, as ações do Ministério da Saúde, seguindo as orientações da OMS, rapidamente se propagaram para Estados e Municípios.
Se não perdemos mais tempo nesta fase inicial, estaremos nos preparando para a etapa crítica que ainda está começando. Muitas das medidas adotadas neste primeiro momento poderão ser ainda mais aprofundadas. Ainda que sejam importantes a instalação de infraestruturas para o tratamento dos enfermos graves e a obtenção de insumos para a proteção do pessoal diretamente envolvido nas ações sanitárias, ainda nos faltam um insumo muito importante que são os testes – PCR e Teste rápido – que são para o diagnóstico, para o conhecimento do padrão de disseminação do vírus e identificação das pessoas imunizadas.
Esta última – utilização de testes – será fundamental para a próxima etapa da epidemia. Quando a curva da epidemia ceder, teremos de ter uma nova estratégia de como voltar as atividades paralisadas: como promover a retomada das aulas quando muitos profissionais da educação ainda terão de ficar isolados? Como vamos retomar a atividade industrial, os serviços e o comércio e os serviços e como ir ajustando a mobilidade urbana para o crescimento da oferta de transporte público? Assim como foi positivo ter um tempo para nos preparar para a epidemia, é preciso admitir que vamos precisar de um plano para quando ela arrefecer. E isto pode também levar tempo.
O setor da mobilidade urbana em nosso país, aprendendo com a experiência de outros países estão neste momento ajustando a oferta de serviços a demanda em tempo de crise. Estes preparativos vão muito além da redução de viagens e colocação de trabalhadores em férias. O atendimento básico requer que o sistema seja preservado, seja higienizado, assim como os profissionais envolvidos protegidos. Em alguns casos, a criação de serviços – linhas de ônibus e orientações de integração multimodal – se justificam para transportar pessoas para equipamentos de saúde, disponibilização da rede de transporte público para o transporte de produtos necessários a saúde e assistência social.
O setor em nível mundial, segundo a União Internacional de Transporte Público – UITP tem protocolos para a retomada gradual da normalidade, quando isto se fizer necessário. Estão disponíveis experiências de planos de contingência, gestão e proteção do pessoal, controle de almoxarifados e de materiais de segurança e proteção para os usuários.
Cabe ainda destacar neste texto, que não esgota todas as dimensões do Covid 19, importância da comunicação em época de crise como a que vivemos. A comunicação faz a diferença entre a paz e o tumulto. Uma comunicação inconsistente amplia a insegurança das pessoas, das empresas e das instituições. O papel da imprensa, das redes sociais e das redes de solidariedade também estão sendo testadas. De uma hora para outra, uma parte da humanidade está vivendo isolada e conectada via digital e isto terá repercussões futuras no mundo do trabalho ainda não avaliadas.
Assistimos dirigentes políticos incrédulo em relação a pandemia desprezarem as orientações da OMS e, em face dos efeitos das medidas adotadas, virem a público fazerem autocrítica ou simplesmente mudarem de opinião. Infelizmente isto ainda não aconteceu no Brasil e do Governo Federal são emitidos sinais confusos que acabam desorientando a população e desautorizando as ações promovidas pelo próprio governo. Assim como o novo coronavírus afeta o conjunto do organismo dos infectados, a pandemia está afetando todas as dimensões da sociedade. É hora de reconhecer esta dimensão e tratar de agir de forma coordenada para reduzir as perdas de vida e preparar o país para uma retomada que exigirá muito de todos nós.
Valeska Peres Pinto
Conselho consultivo da FNA, Membro da ANTP e da UITP Latin América
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