O uso da natureza como agente de recuperação social e democracia deve ser um dos ensinamentos deixados pela pandemia de coronavírus à humanidade. Depois do confinamento, a valorização dos espaços coletivos e verdes deverá ser maior, uma necessidade premente na sociedade como agente de inclusão e até mesmo no combate à violência e no enfrentamento da competição predatória gerada pelo capitalismo. A previsão é da professora e consultora Cecilia Herzog. Integrante do Instituto de Pesquisas em Infraestrutura Verde e Ecologia Urbana e docente na PUC-Rio, ela participou da live #3: “Cidades biofílicas: Infraestrutura verde e paisagismo na busca de sociedades saudáveis” promovida nesta terça-feira (2/6) pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) em seu canal de Youtube. O tema central debatido foi como integrar conceitos de cidades biofílicas, paisagismo e infraestrutura verde para tornar as cidades mais saudáveis. A live também contou com a participação da arquiteta e urbanista e presidente da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (Abap), Luciana Schenk, e mediação do vice-presidente da FNA, Ormy Hütner Jr.
“Na pós-pandemia, as cidades serão mais biofílicas, o que é bom porque valoriza os espaços abertos e estimula a gestão de mais áreas verdes”, frisou Cecilia, que deteve-se a expor o conceito de cidade biofílica, trazendo exemplos de locais onde o modelo ganhou notoriedade como Singapura, Austin (Texas), Curridabat (Costa Rica), Edmonton (Canada), entre outros. A professora aproveitou a oportunidade para apresentar projetos na área e compartilhou links para que outros profissionais conheçam melhor ações como o Biophilic Cities e o Oppla. Segundo ela, vivemos em colapso e esses espaços coletivos permitem o uso do corpo, a interação com o natural, uma posição social de interação que também ganha viés político. “As pessoas tiram férias e vão para uma cachoeira para poder relaxar. Elas tinham é que viver em cidades melhores”, afirmou.
Mas os projetos de cidades biofílicas não se limitam a grandes metrópoles. Cecília pontuou o caso de um morador da favela do Arará, no Rio de Janeiro, que adotou um telhado verde de 26m² em sua residência. Apesar de humilde, a moradia serviu de inspiração na medida em que apresentou temperatura de menos 20°C em relação aos vizinhos e, hoje, presta um serviço social para os moradores da comunidade. Outro exemplo trazido pela professora foi um parque na favela do Vidigal, também no Rio de Janeiro, que se destaca por ter traços de biofilia. “As pessoas têm que sentir pessoas, cidadãs. Porque nós somos tratados como consumidores para mover um sistema de economia extremamente predatório que extrai recursos naturais e explora recursos humanos até a última gota”, evidenciou.
Um dos conceitos debatidos foi o de sistemas de parques, um projeto mais amplo e que dá às cidades maior harmonia, educando a população de forma a estabelecer uma afinidade com a natureza. Luciana citou o caso de Boston (EUA), onde a sociedade aterrou áreas gerando danos hidrológicos que ocasionaram problemas de saúde à população. Para conter doenças, foi projetado um sistema de parques, desenvolvido pelo designer Frederick Law Olmsted. “A ideia de que natureza é um objeto, algo separado de nós, é um equívoco. Nós somos natureza”, afirmou.
No Brasil, há bons exemplos como Curitiba, prova de que falar em biofilia pode ser viável. “No mundo, sabemos que não se trata de uma utopia. Então, por que seria no Brasil?”, pontuou o vice-presidente da FNA. Trabalhos interessantes também são realizados em cidades como Belo Horizonte e Campinas. “Não podemos dizer que não conseguimos”, pontuou Luciana, lembrando da importância do trabalho multidisciplinar na paisagem das cidades.
As participantes foram unânimes em indicar que a juventude dará o tom dessa revolução da natureza nas cidades ao redor do mundo. Reconhecendo a incapacidade de sua geração em coexistir de forma mais integrada com a natureza, Luciana frisou que essa demanda virá das crianças e adolescentes de hoje, e que isso definirá o futuro e também e o presente. “Quanto mais a gente aprofunda o estudo, mais a gente visualiza que ele é muito importante. Estamos no fundo do poço nesse momento que estamos vivendo e temos a oportunidade de voltarmos melhores”, destacou.