O Comitê Popular da Copa é uma articulação nacional que envolve uma série de entidades e movimentos sociais engajados no combate às violações de direitos humanos que têm acontecido nas cidades que receberão jogos da competição de 2014. Desde a sua formação, ele já teve muito trabalho a fazer de norte a sul do país. Os envolvidos nessa articulação participaram de um processo de coleta e sistematização de informações, que culminou na produção de um extenso dossiê a respeito das mais variadas violações a direitos que têm ocorrido em função do processo de preparação do Brasil para sediar a Copa. Esse dossiê foi lançado no dia 12 de dezembro, data marcada por manifestações em todas as cidades-sede da competição. 

        No Rio de Janeiro, participaram da manifestação cerca de 50 pessoas e uma comissão protocolou o documento no gabinete do prefeito. Como referência irônica ao legado da Copa, os manifestantes deixaram na prefeitura sacos de entulho das remoções promovidas em diversas comunidades. Para Gustavo Mehl, um dos organizadores do ato, o resultado da iniciativa foi muito bom porque conseguiu chamar a atenção da mídia e entregar o dossiê à assessoria do prefeito. “Estamos numa mobilização constante, com articulação permanente entre os comitês das 12 cidades-sede. Pode ser que a Lei Geral da Copa seja levada a votação já na semana que vem e nossa intenção é barrar sua aprovação, já que esse dispositivo é um completo absurdo por flexibilizar as leis de nosso país, promovendo um verdadeiro estado de exceção”, pontua Gustavo.

        No Paraná, houve duas manifestações: uma às 10h em São José dos Pinhais e outra às 13h em Curitiba. A primeira contou com a participação de mais de 200 pessoas. A comunidade local se mobilizou bastante graças às violações do direito à moradia que têm ocorrido na região em função de obras como a de ampliação do Aeroporto Internacional Afonso Pena. O assessor da prefeitura e presidente da Câmara dos Vereadores da cidade recebeu os manifestantes e firmou com eles o compromisso de promover a ampla participação dos moradores da cidade na discussão sobre as intervenções urbanísticas a serem realizadas ao longo do processo de preparação para sediar a Copa de 2014. “Nosso ato foi um sucesso porque pôde contar com a participação massiva de moradores, proprietários e funcionários de restaurantes e até mesmo da igreja, já que todos eles serão afetados pelas obras previstas. Agora, a prefeitura e a Câmara dos Vereadores têm um compromisso conosco, o que é muito importante. Sem dúvida, o saldo é positivo”, avaliou Andréa Braga, uma das organizadoras do ato. Na capital paranaense, uma comissão formada por 10 pessoas entregou o dossiê no gabinete do prefeito, na Assembléia Legislativa, na Coordenadoria dos Direitos da Cidadania e também ao secretário especial da Copa do governo do estado. “Esse secretário, Mário Celso Cunha, se limitou a negar perante a imprensa as informações contidas no dossiê produzido pelo Comitê Popular da Copa. Disse genericamente que haverá desapropriações, mas não informou quantas. Afirmou que o nosso dossiê é mentiroso, mas não disse os verdadeiros números. Por que será?”, perguntou Thiago Hoshino, um dos organizadores do ato.

        Em Belo Horizonte, apesar de algumas dificuldades de mobilização, foi possível levar para a manifestação três ônibus de moradores das comunidades atingidas pelas obras. Com isso, cerca de 200 pessoas se reuniram para protestar contra as violações de direitos no processo de preparação da cidade para sediar a Copa. O ato acabou se encontrando com a marcha do Movimento Fora Lacerda, momento em que se reuniram cerca de 600 pessoas. “Foi legal porque com a quantidade de gente que havia demos um abraço no pirulito da Praça 7 e conseguimos fechar o trânsito. Ainda tentamos negociar a possibilidade de sermos recebidos pela prefeitura como moeda de troca para a liberação do trânsito, mas isso acabou não se concretizando. Então, apenas protocolamos o dossiê na prefeitura”, informou Gustavo Pessali, um dos organizadores da manifestação.

        Em Natal, a mobilização começou dois dias antes: no dia 10, em comemoração ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, foi fundada a Associação dos Atingidos pelas Obras da Copa (AAOC). Na assembléia de criação da associação, foi feita a eleição de sua primeira diretoria, que possui entre seus membros moradores das comunidades mais atingidas pelas obras que têm sido feitas no processo de preparação para sediar a Copa. No dia 12, houve manifestação em frente à escola onde foi feita a assembleia de fundação da associação. A idéia era que os manifestantes seguissem em passeata para uma audiência pública sobre as obras da Copa, mas como esta seria realizada num local distante, todos acabaram seguindo de carro até o local da audiência. Participaram cerca de 200 pessoas tanto na atividade de sábado quanto na de segunda. Durante a audiência pública, foi lido pelos manifestantes um texto cobrando a instauração de câmaras técnicas, transparência e legalidade na preparação da cidade para receber jogos da Copa, já que boa parte das intervenções urbanísticas feitas até agora foram realizadas ao arrepio da lei. Os gestores da cidade apresentaram seus projetos, mas também ouviram as comunidades atingidas por eles. “Acreditamos que as obras de mobilidade urbana podem ser feitas minimizando a necessidade de desapropriações. Até porque, essas obras já têm sido realizadas a partir do princípio da desapropriação seletiva: as intervenções urbanísticas claramente têm se desviado de imóveis de propriedade de empresários e do poder público, mesmo quando eles estão no meio do caminho. A obra simplesmente atravessa a rua. Essa seletividade não é coincidência”, avaliou Marcos Dionísio Medeiros, um dos organizadores da manifestação.

        Em Brasília, o foco da ação do Comitê Popular da Copa foi uma audiência pública sobre a licitação da obra do telhado do estádio, que foi presidida pelo chefe de gabinete do governador. Uma comissão de seis representantes do Comitê participou da audiência, tendo entregado o dossiê para o seu presidente, alguns parlamentares e o TCU. “O chefe de gabinete do governador apresentou respostas bastante tangenciais às questões colocadas por nós, mas se comprometeu a marcar uma reunião conosco para aprofundar as discussões”, informou Vítor Guimarães, um dos organizadores da manifestação.

        Em Porto Alegre, uma comissão de três membros do Comitê Popular da Copa foi recebida pelo secretário de governança da prefeitura para a entrega do dossiê, mas ele infelizmente não se comprometeu com quase nada. “No final, houve uma certa confusão com a polícia por conta dos sacos de entulho que o pessoal das comunidades atingidas pelas obras trouxe para simbolizar o legado da Copa. Os policiais queriam prender algumas pessoas, mas isso acabou não acontecendo”, contou Claudia Fávaro, uma das organizadoras da manifestação.

        Em São Paulo, foi feita uma panfletagem em frente à prefeitura, que chamou a atenção de quem passava por lá. “Protocolamos o dossiê no TCM, prefeitura, secretaria do governo do estado, Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores, ALESP, MPF e Secopa. Acabou sendo um ato mais simbólico mesmo”, avaliou Maíra Vannuchi, uma das organizadoras da manifestação. 

O conteúdo do dossiê

        Além da questão das remoções arbitrárias e violações do direito à moradia, o documento produzido pelo Comitê Popular da Copa também fala sobre a falta de informação às comunidades impactadas pelas intervenções urbanísticas que estão sendo realizadas, a facilidade na concessão de licenças ambientais para obras ligadas à preparação para os megaeventos esportivos, a realização de investimentos na área de transportes que não levam em conta as principais demandas da população, o corte de serviços públicos de comunidades em processo de remoção, a perspectiva de militarização das cidades durante a realização dos megaeventos, o aumento dos preços dos ingressos nos estádios e a falta de condições adequadas de trabalho em algumas obras, o que já gerou diversas greves de trabalhadores em estádios país afora.

        O dossiê já está sendo entregue a órgãos de âmbito municipal, como prefeituras e câmaras de vereadores, estadual, como governo e assembléias legislativas, federal, como Presidência da República e ministérios, e até mesmo internacional, como ONU, OEA e OIT. A idéia é fazer com que este documento circule ao máximo e funcione como instrumento de pressão para impedir que siga acontecendo a implantação desse estado de exceção que hoje vivemos, onde direitos são flexibilizados e a população mais pobre é penalizada a todo momento.